Em tumores
iniciais na região de cabeça e pescoço, a radioterapia pode ser a única modalidade
de tratamento necessária, com chances de cura equivalentes à cirurgia. Em casos
mais avançados, a radioterapia pode ser associada à quimioterapia para se
preservar o órgão afetado. Julho Verde é o mês de conscientização sobre o
câncer de cabeça e pescoço, doença que vê o seu perfil epidemiológico em
mudança por conta do aumento dos casos associados à infecção pelo vírus HPV depositphotos
A radioterapia também pode ser indicada como
abordagem adjuvante, ou seja, após a cirurgia, cenário em que reduz o risco de
recidiva de tumores mais avançados, que representam a maioria dos casos ao
diagnóstico.
Além disso, a radioterapia pode ser associada à
quimioterapia em tumores inoperáveis ou nos casos em que a preservação do órgão
afetado seja uma prioridade. Em linhas gerais, o tratamento é individualizado,
requerendo discussão multidisciplinar na condução do tratamento e levando em
consideração o estadiamento da doença, as especificidades e localização do
tumor e as condições de saúde do paciente.
Destaque deve ser dado à radioterapia de
intensidade modulada (IMRT), uma tecnologia, incluída no ROL de procedimentos
com cobertura obrigatória da Agência Nacional de Saúde (ANS) para tumores na
região de cabeça e pescoço, a qual permite entregar uma dose de radiação melhor
concentrada apenas nas áreas a serem tratadas, poupando de forma mais significativa
os tecidos saudáveis. “É feita uma modulação do feixe de radiação de modo a
permitir que doses altas sejam entregues com ainda mais segurança à região
desejada, maximizando a proteção dos tecidos adjacentes e minimizando as
consequências agudas e tardias relacionadas ao tratamento”, explica o
radio-oncologista Diego Chaves Rezende Morais, membro da comissão de título de
especialista da Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT) e titular do
departamento da radioterapia da Oncoclínicas Recife e do Hospital Santa Águeda
em Caruaru, Pernambuco.
Na saúde pública, a forma de remuneração atual dos
procedimentos não estimula a incorporação de tecnologias mais avançadas, como a
IMRT, devido ao pagamento de um mesmo valor, independente da técnica de tratamento
utilizada. Na saúde suplementar, a cobertura para IMRT em cabeça e pescoço, tem
uma remuneração geralmente diferenciada quando comparada a outras técnicas.
Outro desafio importante é garantir o acesso ao
tratamento em tempo hábil, principalmente no que diz respeito à radioterapia. A
radioterapia é uma modalidade essencial no tratamento desse tipo de câncer,
porém a falta de serviços e a má distribuição dos centros de radioterapia
dificultam o acesso dos pacientes, especialmente na saúde pública. A concentração
de serviços de radioterapia nas regiões sul e sudeste do país é uma realidade
preocupante, deixando muitas regiões carentes desse recurso vital. A distância
entre as cidades e a necessidade de tratamentos diários por várias semanas
tornam difícil para os pacientes se submeterem ao tratamento. Além disso, a
falta de serviços de radioterapia em algumas regiões resulta em longas viagens
e dificuldades adicionais para os pacientes iniciarem e concluírem o tratamento
em tempo adequado.
Atenção aos possíveis efeitos
colaterais
O radio-oncologista Diego Chaves Rezende Morais
explica que, apesar dos importantes avanços tecnológicos ocorridos nessa área,
alguns efeitos colaterais permanecem associados à radioterapia para tumores de
cabeça e pescoço. São sintomas como dor ao engolir (odinofagia), perda do
paladar (ageusia) e o surgimento de aftas e feridas na cavidade oral
(mucosite). O especialista explica que esses efeitos podem ser ainda mais
intensos se a radioterapia é combinada com a quimioterapia.
“Ao mesmo tempo, é encorajador e estimulante que o
uso da IMRT seja uma opção eficaz para minimizar a gravidade e a incidência dos
efeitos adversos relacionados à radioterapia, em especial da xerostomia, a
sensação de boca seca, um efeito colateral tardio associado ao tratamento”,
diz. O médico acrescenta que é importante os pacientes saberem que a
radioterapia é um tratamento rápido (10-15 minutos), indolor e que dispensa
jejum para sua realização. Nos casos de tumores de cabeça e pescoço, porém, é
exigido que o paciente use uma máscara para imobilizar a região a ser tratada e
garantir a reprodutibilidade do tratamento, que é feito diariamente.
Cuidado multidisciplinar e
multiprofissional
A participação de vários especialistas no cuidado
ao paciente é essencial, bem como na tomada de decisões. “Seja qual for a
estratégia de tratamento escolhida, ela precisa ser avaliada e discutida de
modo multidisciplinar, com o envolvimento de cirurgiões, oncologistas clínicos
e radio-oncologistas”, diz Diego Morais. Ele ressalta, também, a importância da
equipe multiprofissional composta por profissionais de odontologia,
fisioterapia, nutrição, fonoaudiologia, enfermagem e psicologia, no preparo e
transcurso do tratamento bem como no seguimento e reabilitação do paciente submetido
à radioterapia.
“A equipe multiprofissional é imprescindível na
condução desses pacientes e dispor de um time especializado no manejo de
tumores de cabeça e pescoço, além de um privilégio, faz toda a diferença no
tratamento do paciente. A odontologia, em especial, desempenha um papel crucial
na preparação do paciente, durante a radioterapia e no pós-tratamento,
utilizando técnicas como a laserterapia para minimizar a mucosite relacionada
ao tratamento. Nutrição, fonoaudiologia, fisioterapia, enfermagem e psicologia
também trazem contribuições inegáveis e tornam o manejo dos tumores de cabeça e
pescoço desafiador, mas extremamente estimulante para todos os profissionais
envolvidos”, diz.
Outros membros da equipe, como os enfermeiros,
cuidam dos aspectos relacionados à pele, e a fisioterapia pode atuar em casos
de edema na região do pescoço, por exemplo. A fonoaudiologia cuida da
reabilitação da fala e da deglutição, enquanto a nutrição colabora no cuidado
com a alimentação. Essa abordagem multiprofissional se estende não apenas ao
tratamento com radioterapia, mas também a pacientes que passaram por cirurgia,
enfrentando sequelas que podem alterar funções como a fala e a deglutição. Como
o tratamento pode afetar funções essenciais para o dia a dia do paciente, a
reabilitação pós-tratamento é imprescindível. “A oncologia moderna evoluiu e,
hoje, não se limita apenas à cura, mas também se preocupa em reabilitar o
paciente proporcionando o mínimo de impacto na sua qualidade de vida futura”,
reforça o radio-oncologista.
Diagnóstico em pacientes mais
jovens
Julho é o mês escolhido para as campanhas de
conscientização sobre o câncer de cabeça e pescoço, uma denominação que engloba
os tumores que ocorrem nos lábios, cavidade oral, laringe, tireoide e toda a
faringe. “As estatísticas apontam que os tumores de cabeça e pescoço
representam cerca de 3% de todos os diagnósticos de câncer no Brasil,
resultando em aproximadamente 10 mil mortes anuais, de acordo com o Instituto
Nacional do Câncer (INCA).
Em homens, os tumores de cabeça e pescoço mais
comuns são os de cavidade oral e laringe. Em cada ano do triênio 2023-2025, a
estimativa é que mais de 17 mil pessoas do sexo masculino vão desenvolver um
destes tumores (10.900 de boca e 6.570 de laringe). Entre as mulheres, o câncer
de cabeça e pescoço mais comum é o de tireoide, com 14.160 novos casos anuais.
Nas últimas duas décadas, de acordo com Diego
Morais, observa-se uma mudança progressiva, no perfil epidemiológico desses
tumores, em especial dos tumores de orofaringe (garganta). Tradicionalmente, o
câncer de cabeça e pescoço sempre foi mais frequente em homens com mais de 60
anos, adeptos do tabagismo e consumidores frequentes de álcool ao longo da
vida. “Nas últimas décadas tem havido um aumento da incidência dessa doença
entre pacientes mais jovens secundária à infecção pelo HPV, tanto homens como
mulheres. Surpreendentemente, muitos desses pacientes jovens nunca fumaram nem
consumiram bebidas alcóolicas ao longo da vida, ou tiveram apenas uma história
prévia de etilismo social”, ressalta o radio-oncologista.
Essa mudança do perfil epidemiológico da doença
implica, necessariamente, em uma adequação das estratégias de prevenção. Além
do combate ao tabagismo e ao etilismo e o estímulo a boa higiene oral, que são
fatores de risco bastante conhecidos para esses tumores, as campanhas de
vacinação contra o HPV (Human Papilomavírus) ganharam mais
relevância no Brasil e no mundo. A infecção pelo vírus HPV é um fator de risco
bem estabelecido na literatura para tumores de orofaringe (como amígdala e base
da língua). Trata-se de um vírus que circula na comunidade e a transmissão não
depende apenas de práticas sexuais que incluam penetração. A exemplo do que
ocorre em muitos países, no Brasil os especialistas têm notado um aumento no
número de pacientes com tumores relacionados ao HPV nos últimos anos. “A
recomendação é vacinar todas as crianças a partir dos 9 anos de idade
preferencialmente”, orienta Morais.
Sociedade Brasileira de Radioterapia - SBRT
https://sbradioterapia.com.br/
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