Pesquisadores da USP mostraram, por
meio de experimentos com animais e com células geneticamente modificadas, que
esse tipo de câncer avança mais lentamente quando a molécula fotossensora
conhecida como melanopsina é desativada. Descoberta pode indicar novas
estratégias terapêuticas (imagem: Wikimedia Commons)
Encontrada em células da pele e da
retina, a melanopsina (OPN4) é uma proteína que atua como um sensor de luz. Um
novo estudo conduzido na Universidade de São Paulo (USP) sugere que a molécula
também pode ter participação no desenvolvimento e na progressão do melanoma, o
tipo mais agressivo de câncer de pele.
Por meio de experimentos com animais
e com células geneticamente modificadas, pesquisadores do Laboratório de
Fisiologia Comparativa da Pigmentação do Departamento de Fisiologia do
Instituto de Biociências (IB-USP) mostraram que a doença avança mais lentamente
quando essa proteína não é funcional. Os resultados foram publicados na
revista científica Communications Biology,
ligada à Nature.
Apesar de
outros grupos já terem demonstrado que opsinas podem atuar em cânceres, esta é
a primeira constatação do tipo para o melanoma, que responde por 5% dos tumores
malignos de pele e 80% das mortes por câncer em geral.
O estudo, que contou com o apoio da
FAPESP (projetos 17/24615-5, 17/26651-9, 18/14728-0 e 19/19005-9),
teve origem em uma pesquisa do mesmo grupo feita com modelos de melanócitos
(células da pele que produzem melanina). À época, os pesquisadores mostraram
que a melanopsina não apenas estava expressa nessas células como também
participava de processos como pigmentação, ajuste do relógio biológico e até
mesmo morte celular causada por radiação ultravioleta A (leia mais em: agencia.fapesp.br/24130/).
No trabalho mais recente, foi usada a
técnica de edição de DNA conhecida como CRISPR para alterar a sequência do
gene Opn4 e criar um modelo estável de célula de
melanoma com uma versão não funcional da proteína.
“Quando criamos as células knockouts [sem OPN4 funcional], percebemos que
elas tinham um fenótipo muito diferente: cresciam menos e apresentavam
capacidade proliferativa reduzida”, conta Leonardo Vinícius Monteiro de Assis,
autor do estudo em parceria com José Thalles Lacerda e
atualmente pesquisador na Universidade de Lübeck, na Alemanha. “Começamos,
então, a nos perguntar e a investigar se a melanopsina tinha papel na
progressão do melanoma ou na carcinogênese.”
A teoria foi confirmada primeiro em
estudos in vitro e depois em animais. As células tumorais
que continham a versão não funcional da OPN4 cresciam menos e de forma mais
lenta do que as células selvagens (sem a modificação na OPN4). A descoberta foi
posteriormente confirmada por uma técnica de análise de proteínas chamada
proteômica e por meio da análise de bancos de dados públicos.
“Em
resumo, demonstramos que, no câncer melanoma, quando você remove a OPN4, ocorre
uma redução do crescimento celular”, diz Assis. “Isso é causado basicamente por
duas vias que não necessariamente são correlacionadas, mas podem ser: o aumento
da ativação do sistema imunológico por um motivo ainda não caracterizado e uma
redução bem significativa na sinalização de proteínas chamadas GTPases, que são
como pequenos motores que atuam na progressão do ciclo celular e estão muito
reduzidas nesses tumores.”
O estudo
revelou ainda que um fator de transcrição muito importante no melanoma, o MITF
(sigla em inglês para fator de transcrição associado à microftalmia), também
está muito menos expresso nas células com a versão não funcional da
melanopsina.
De acordo
com Assis, a somatória de todas as informações sugere, pela primeira vez, que a
melanopsina atua como um oncogene no melanoma, ou seja, está associada ao
aparecimento e crescimento desse tipo de câncer. Até então, a molécula nunca
havia sido associada ao desenvolvimento de tumores. Porém, mais experimentos
com linhagens celulares de melanoma e outras abordagens ainda são necessários
para confirmar definitivamente esse papel.
Perspectivas para o futuro
O Laboratório de Fisiologia
Comparativa da Pigmentação, liderado pela cientista Ana Maria de Lauro Castrucci,
foi um dos poucos do mundo a demonstrar que a melanopsina também detecta
temperatura, atuando como termossensor e fotossensor de maneira
independente, em 2018. Agora, com as novas informações, adiciona mais um
aspecto importante ao tema, mostrando que essas moléculas podem se tornar
ferramentas terapêuticas promissoras no futuro.
“Possivelmente,
a melanopsina pode ser explorada no tratamento do melanoma e isso abre uma nova
ramificação para averiguar seu papel em outras doenças, como, por exemplo, as
do fígado, onde opsinas também estão presentes”, diz Assis.
O atual
foco do Laboratório de Fisiologia Comparativa da Pigmentação é justamente
investigar a função da melanopsina de forma sistêmica, em outros órgãos que não
são classicamente conhecidos, como tecido adiposo, fígado e coração, entre
outros.
O artigo Melanopsin (Opn4) is an oncogene in cutaneous melanoma pode
ser lido em: www.nature.com/articles/s42003-022-03425-6.
Julia Moióli
Agência
FAPESP
https://agencia.fapesp.br/proteina-que-detecta-a-luz-pode-ter-papel-na-origem-e-na-progressao-do-melanoma-sugere-estudo/39105/
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