Até o começo de 2020, o teletrabalho parecia algo distante da maioria dos profissionais no Brasil. Com a chegada da pandemia, as companhias foram obrigadas a buscar alternativas para continuar funcionando e muitas delas adotaram o trabalho remoto, inclusive contratando profissionais em outras cidades ou até países. Agora, com o fim das restrições e necessidade de uso de máscara, a retomada ao trabalho presencial tem acontecido, também, de maneira brusca, gerando muita insegurança e uma enorme carga emocional aos colaboradores em geral.
Ademais, durante a pandemia, pressão
emocional, crise financeira de muitas empresas e transformação do mercado,
geraram uma insegurança para quem faz parte dessas organizações. O excesso de
pressão tem a mesma raiz. O discurso nas corporações é que “precisamos mudar,
nos reinventar, criar coisas novas imediatamente”. É tudo para ontem. E isso
leva ao ponto de falta de reconhecimento profissional. Porque ao mesmo tempo em
que existe o estresse e a pressão por inovar, os colaboradores não estão sendo
reconhecidos.
Uma coisa importante para observar,
nesse período, é a transformação na compreensão das pessoas sobre o que é o
trabalho, qual é a troca, qual é o limite. Até que ponto os colaboradores estão
dispostos a se esforçar, vestir a camisa das empresas e chegar a situações
extremas de síndrome de burnout por uma corporação que aparentemente não
enxerga os colaboradores, nem a falta de uma cultura positiva.
Uma cultura tóxica não mora apenas no
assédio moral, no excesso de horas… Está no “chefe” que não xinga, mas não olha
e nem fala com os colaboradores. Na empresa que não dá voz para que seus
funcionários opinem sobre os caminhos do próprio trabalho. Na cultura que
despersonaliza o indivíduo e privilegia ainda mais aqueles que já são
privilegiados.
É importante reforçar que burnout não
é apenas um cansaço, é um esgotamento de recursos psicológicos. Está ligado ao
indivíduo e, também, às empresas, ou seja, está correlacionado diretamente com
a cultura organizacional e sobre o papel das lideranças.
O líder deve fazer a gestão da
entrega. Esse é seu papel principal. Para alguns “chefes”, foi um enorme
desafio trocar a sensação – ilusória, que fique claro – de controle das pessoas
pelo controle do resultado. Muitos “chefes” trabalhavam na base de ver a pessoa
no escritório e sentir que ela está trabalhando, quando poderia estar fazendo
compras, no whatsapp ou perdida em pensamentos.
Não ver o time todos os dias trouxe
uma insegurança para esses “chefes” que passaram a buscar esse controle sobre o
tempo do outro de formas muito invasivas, como pedindo para as pessoas deixarem
a câmera do computador aberta, utilizando softwares de vigilância, enviando
mensagens e exigindo respostas imediatas. Tristemente, esta é a consequência de
existirem muitos “chefes” e poucos “líderes” nas empresas, sejam elas nacionais
ou internacionais, pois os “chefes” ainda acreditam no ditado popular
brasileiro que diz "É o olho do dono que engorda o gado”.
O papel de uma real liderança é
fundamental para mudar este triste desenho que se formou em relação ao formato
de trabalho e o ambiente que as empresas devem prover para que seus
colaboradores possam realmente se sentir mais confiantes e produtivos. O
primeiro passo seria reconhecer que existe um problema na cultura
organizacional da empresa e realmente tomar as providencias cabíveis para
chegar à causa raiz.
Não é uma jornada fácil,
principalmente, se a causa raiz do problema for a própria Alta Direção ou até o
presidente da empresa. Decisões difíceis deverão ser tomadas, sob pena da
organização vir a sofrer alto turnover, afastamentos ocasionados por doenças
mentais e burnout, denúncias junto ao Ministério Público do Trabalho, enormes
quantidades de ações trabalhistas e, por fim, a crise reputacional que
fatalmente deve acontecer, pois no mundo atual, as mídias sociais são
utilizadas como instrumentos de denúncias, desabafos e de comentários negativos
sobre empresas.
Sendo assim, a formato de trabalho
está em pleno processo de reinvenção. O papel da liderança deve ser no
sentido de buscar nos colaboradores suas opiniões e realmente ouvir as
necessidades deles. A produtividade somente aumentou com o trabalho remoto,
trata-se de uma falácia quem fala ao contrário. A questão é chegar em um ponto
de equilíbrio entre empresas e trabalhadores no qual ambas as partes definam
conjuntamente o modelo de trabalho a ser utilizado, onde as trocas sejam
justas, respeitosas e, principalmente, saudáveis física e mentalmente para
todos.
Patricia
Punder - Advogada é compliance officer com
experiência internacional. Professora de Compliance no pós-MBA da FIA e LEC –
Legal Ethics and Compliance (SP). Uma das autoras do “Manual de Compliance”,
lançado pela LEC em 2019 e Compliance – além do Manual 2020. Com sólida experiência
no Brasil e na América Latina, Patrícia tem expertise na implementação de
Programas de Governança e Compliance, LGPD, ESG, treinamentos; análise
estratégica de avaliação e gestão de riscos, gestão na condução de crises de
reputação corporativa e investigações envolvendo o DOJ (Department of Justice),
SEC (Securities and Exchange Comission), AGU, CADE e TCU (Brasil). www.punder.adv.br
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