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segunda-feira, 9 de maio de 2022

Com inflação em alta, consumidor volta a priorizar compras 'do mês'

IMAGEM: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Outro hábito que voltou para não estourar o orçamento familiar é trocar marcas líderes por mais baratas, segundo integrantes do Comitê de Avaliação de Conjuntura da ACSP

 

Os impactos da inflação sobre a renda, que no acumulado de 12 meses chega a 12% para as famílias mais pobres, e de 10% para as classes mais altas, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), já afeta o comportamento do consumidor de supermercados. 

Se antes e durante a pandemia as visitas frequentes às lojas de vizinhança ganharam força devido à busca por praticidade e conveniência, a queda no poder de compra agora leva esses consumidores a retomarem um antigo hábito, herdado do período de hiperinflação: o das compras "do mês".  

Ou seja, comprar tudo o que é preciso (ou o que for possível) uma única vez, devido ao receio de que os preços subam de novo e não se consiga comprar o necessário caso deixem para outro dia.  

Outro hábito que voltou é a substituição de marcas para economizar, como por exemplo a classe B substituindo a marca líder da cesta básica pela segunda, e as classes C e D pela terceira.  

Essa mudança é acompanhada desde novembro de 2021, e tem crescido mensalmente, segundo um representante do setor supermercadista presente à reunião do Comitê de Avaliação de Conjuntura da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), realizada na última quinta-feira (28/04).  

Com isso, na comparação entre março deste ano e o de 2021, as vendas do setor apresentaram queda de 1%. Já quando se fala no 1º trimestre de 2022 (janeiro a março), a queda é maior, 2%. 

"Muito em decorrência desta inflação elevada, há um crescimento significativo desse formato em relação a outros, como o de abastecimento ou de emergência", reforçou. A pedido da ACSP, os nomes dos empresários e economistas participantes dessa reunião não são divulgados.   

LEIA MAIS:  Para empresários, cenário econômico complicado está longe de terminar

Uma pesquisa de preços feita pelo setor em parceria com a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) demonstra que, em 12 meses, a inflação de itens de supermercado chega a 15%, puxada por produtos FLV (frutas, legumes e verduras). Sozinhos, estes subiram 35%. 

O destaque foi para produtos como cenoura, tomate, batata, alface, mandioca e repolho, que registraram crescimentos variáveis nos preços da ordem de 40% a 70%. Na contramão, as carnes subiram abaixo da inflação, caindo 6% em 12 meses e virando um fator de atenção para o setor. 

"Foi preciso fazer algumas promoções em médias superiores às de 2021 - o que obviamente reduziu a margem dos supermercados", destacou o representante do setor. "Tudo isso dificulta conduzir essas margens, ainda mais espremidas diante de um cenário altamente concorrencial."

Mas outro fator tem retraído o consumo em supermercados: a volta a um "mundo mais normal", já que em 2020 e 2021, o setor era um dos únicos que podia abrir, junto a farmácias e lojas pet.

Agora, segundo o representante, o varejo de alimentos amarga a volta da concorrência, pois segmentos que ficaram fechados no período de medidas restritivas, como bares e restaurantes, voltaram a funcionar, impactando de forma expressiva o faturamento dos supermercados. 

"A tendência de recuo continua, e o setor deve fechar este ano em estabilidade ou queda real, entre zero e 1%, por conta da inflação e da própria retomada da economia."

Mesmo assim, para manter preços mais favoráveis para o consumidor e evitar desabastecimento, indústria e varejo têm se empenhado para que sempre o produto esteja disponível na gôndola, e continue a atrair o seu interesse diante dessa dinâmica de alta, destacou.   

"Não é culpa nem de um, nem de outro, mas sim do cenário econômico nacional e mundial, que têm impactado de forma expressiva o consumidor na ponta."

SINAL AMARELO x CONFIANÇA

A alta da inadimplência é outro ponto de atenção para os empresários e economistas que avaliam a conjuntura na ACSP. Dados da Confederação Nacional do Comércio (CNC) apontam que cerca de 80% dos consumidores não têm condições de honrar compromissos, nem reverter essa condição. 

Por sua vez, os indicadores de inadimplência batem em 10%, segundo os últimos dados do Banco Central - o que acende um sinal amarelo não só para os bancos, mas para o mundo comercial como um todo, alertou um representante do setor financeiro presente à reunião. 

Aliada à fragilidade do mercado de trabalho e à elevação da taxa Selic, de novo um dos principais fatores que têm contribuído para essa situação é a escalada da inflação, que ficou acima do esperado no mês de abril (1,73%, a maior variação para o mês desde 1995, segundo o IBGE).  

"Evidentemente, essa escalada deteriora o orçamento doméstico e amplia a queda no poder de compra das famílias, impedindo que elas honrem seus compromissos financeiros", afirmou. 

O especialista citou as medidas anunciadas para tentar contornar esse cenário, como a aprovação do Auxílio Brasil de R$ 400 de forma permanente, a antecipação do 13º dos aposentados e pensionistas do INSS, e a liberação do saque emergencial de R$ 1 mil do FGTS. 

Porém, ainda não dá para saber se serão frutíferos: em sua avaliação, tudo leva a crer que esses recursos serão canalizados para saldar dívidas, fazendo com que a inadimplência recue. "Há apenas alguma expectativa de que algo aflore para o consumo também", destacou. 

Com o anúncio das medidas, a confiança do consumidor entrou em ritmo de recuperação, atingindo 91 pontos em abril no Índice Nacional de Confiança ACSP/Pinion, lembrou um economista na reunião: apesar da percepção atual negativa, melhoraram as expectativas futuras.

"A injeção de recursos contribui para essa melhora, embora seja de curto prazo", disse. "Mas, com juros e inflação corroendo a renda das famílias, o varejo deve seguir em desaceleração."  



Karina Lignelli

Repórter lignelli@dcomercio.com.br

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