IMAGEM: Tânia
Rêgo/Agência Brasil |
Os impactos da inflação sobre
a renda, que no acumulado de 12 meses chega a 12% para as famílias mais pobres,
e de 10% para as classes mais altas, segundo dados do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea), já afeta o comportamento do consumidor de
supermercados.
Se antes e durante a pandemia
as visitas frequentes às lojas de vizinhança ganharam força devido à busca por
praticidade e conveniência, a queda no poder de compra agora leva esses
consumidores a retomarem um antigo hábito, herdado do período de hiperinflação:
o das compras "do mês".
Ou seja, comprar tudo o que é
preciso (ou o que for possível) uma única vez, devido ao receio de que os
preços subam de novo e não se consiga comprar o necessário caso deixem para
outro dia.
Outro hábito que voltou é a
substituição de marcas para economizar, como por exemplo a classe B
substituindo a marca líder da cesta básica pela segunda, e as classes C e D
pela terceira.
Essa mudança é acompanhada
desde novembro de 2021, e tem crescido mensalmente, segundo um representante do
setor supermercadista presente à reunião do Comitê de Avaliação de
Conjuntura da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), realizada na última
quinta-feira (28/04).
Com isso, na comparação entre
março deste ano e o de 2021, as vendas do setor apresentaram queda de 1%. Já quando
se fala no 1º trimestre de 2022 (janeiro a março), a queda é maior, 2%.
"Muito em decorrência
desta inflação elevada, há um crescimento significativo desse formato em
relação a outros, como o de abastecimento ou de emergência",
reforçou. A pedido da ACSP, os nomes dos empresários e economistas
participantes dessa reunião não são divulgados.
LEIA MAIS: Para empresários, cenário
econômico complicado está longe de terminar
Uma pesquisa de preços feita
pelo setor em parceria com a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe)
demonstra que, em 12 meses, a inflação de itens de supermercado chega a 15%,
puxada por produtos FLV (frutas, legumes e verduras). Sozinhos, estes subiram
35%.
O destaque foi para produtos
como cenoura, tomate, batata, alface, mandioca e repolho, que registraram
crescimentos variáveis nos preços da ordem de 40% a 70%. Na contramão, as carnes
subiram abaixo da inflação, caindo 6% em 12 meses e virando um fator de atenção
para o setor.
"Foi preciso fazer
algumas promoções em médias superiores às de 2021 - o que obviamente reduziu a
margem dos supermercados", destacou o representante do setor. "Tudo
isso dificulta conduzir essas margens, ainda mais espremidas diante de um
cenário altamente concorrencial."
Mas outro fator tem retraído
o consumo em supermercados: a volta a um "mundo mais normal", já que
em 2020 e 2021, o setor era um dos únicos que podia abrir, junto a farmácias e
lojas pet.
Agora, segundo o
representante, o varejo de alimentos amarga a volta da concorrência, pois
segmentos que ficaram fechados no período de medidas restritivas, como bares e
restaurantes, voltaram a funcionar, impactando de forma expressiva o
faturamento dos supermercados.
"A tendência de recuo
continua, e o setor deve fechar este ano em estabilidade ou queda real, entre
zero e 1%, por conta da inflação e da própria retomada da
economia."
Mesmo assim, para manter
preços mais favoráveis para o consumidor e evitar desabastecimento, indústria e
varejo têm se empenhado para que sempre o produto esteja disponível na gôndola,
e continue a atrair o seu interesse diante dessa dinâmica de alta,
destacou.
"Não é culpa nem de um,
nem de outro, mas sim do cenário econômico nacional e mundial, que têm
impactado de forma expressiva o consumidor na ponta."
SINAL AMARELO x CONFIANÇA
A alta da inadimplência é
outro ponto de atenção para os empresários e economistas que avaliam a
conjuntura na ACSP. Dados da Confederação Nacional do Comércio (CNC) apontam
que cerca de 80% dos consumidores não têm condições de honrar compromissos, nem
reverter essa condição.
Por sua vez, os indicadores
de inadimplência batem em 10%, segundo os últimos dados do Banco Central - o
que acende um sinal amarelo não só para os bancos, mas para o mundo comercial
como um todo, alertou um representante do setor financeiro presente à
reunião.
Aliada à fragilidade do
mercado de trabalho e à elevação da taxa Selic, de novo um dos principais
fatores que têm contribuído para essa situação é a escalada da inflação, que
ficou acima do esperado no mês de abril (1,73%, a maior variação para o mês desde
1995, segundo o IBGE).
"Evidentemente, essa
escalada deteriora o orçamento doméstico e amplia a queda no poder de compra
das famílias, impedindo que elas honrem seus compromissos financeiros",
afirmou.
O especialista citou as
medidas anunciadas para tentar contornar esse cenário, como a aprovação do
Auxílio Brasil de R$ 400 de forma permanente, a antecipação do 13º dos
aposentados e pensionistas do INSS, e a liberação do saque emergencial de R$ 1
mil do FGTS.
Porém, ainda não dá para
saber se serão frutíferos: em sua avaliação, tudo leva a crer que esses
recursos serão canalizados para saldar dívidas, fazendo com que a inadimplência
recue. "Há apenas alguma expectativa de que algo aflore para o consumo
também", destacou.
Com o anúncio das medidas,
a confiança do
consumidor entrou em ritmo de recuperação, atingindo 91 pontos em abril no
Índice Nacional de Confiança ACSP/Pinion, lembrou um economista na reunião:
apesar da percepção atual negativa, melhoraram as expectativas futuras.
"A injeção de recursos contribui para essa melhora, embora seja de curto prazo", disse. "Mas, com juros e inflação corroendo a renda das famílias, o varejo deve seguir em desaceleração."
Karina Lignelli
Repórter lignelli@dcomercio.com.br
https://dcomercio.com.br/categoria/economia/com-inflacao-em-alta-consumidor-volta-a-priorizar-compras-do-mes
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