Hospitais lotados de pacientes com covid-19 em todo o País estão dificultando o tratamento de outras doenças. Segundo o oftalmologista Leôncio Queiroz Neto do Instituto Penido Burnier a situação é grave para a saúde ocular. Isso porque, dados do DATASUS mostram que durante a pandemia houve redução de todos os tratamentos oftalmológicos oferecidos pelo serviço público de saúde. Entre eles, dois procedimentos que podem evitar a necessidade de transplante de córnea em portadores de ceratocone, alteração que responde por 70% dos transplantes no Brasil.
Daí o alerta do
oftalmologista durante a campanha “junho violeta” que visa conscientizar sobre
a importância do tratamento precoce e do risco de coçar os olhos. O médico diz
que no início do ceratocone a visão pode ser corrigida com óculos e por isso
muitos casos só são descobertos em estágio avançado. A principal dica para os
pais é observar se a criança tem hábito de coçar os olhos. Se tiver deve passar
por uma tomografia da córnea, único exame que verifica todas as alterações em
suas duas faces.
A doença
Segundo Queiroz Neto a
estimativa é de que hoje cerca de 150 mil brasileiros têm ceratocone que
geralmente aparece na infância ou adolescência. A doença, explica, degenera e afina a
córnea, lente externa do olho, que fica com a superfície irregular e se torna
mais curva que o normal, até tomar o formato de um cone. Estas alterações,
destaca, resultam em astigmatismo irregular que torna as imagens para perto e
longe desfocadas a ponto de interferir na qualidade de vida tanto quanto a
degeneração macular, maior causa de perda da visão entre idosos. A causa do
ceratocone, ressalta, não está bem estabelecida, mas há evidências de que o
hábito de coçar ou esfregar os olhos agrava a deformação da córnea.
DATASUS
Relatório levantado pelo
hospital junto ao DATASUS revela que em 2019 os hospitais da rede pública de
apenas 7 estados brasileiros realizaram 886 cirurgias de crosslinking em todo o
País, sendo que 799 aconteceram em São Paulo. No ano passado a mesma cirurgia na
rede pública teve queda de 28%. Somou 630 procedimentos distribuídos em 11
estados, com concentração de 490 procedimentos em São Paulo.
Queiroz Neto explica que o
crosslinking é o único procedimento que pode interromper a evolução do
ceratocone. Consiste em reticular as fibras de colágeno da córnea, combinando a
aplicação de vitamina B2 (riboflavina) e radiação ultravioleta. A junção desses
dois componentes fortalece em até três vezes a resistência da córnea, pontua.
O relatório do DATASUS também
mostra que em 2019 os hospitais da rede pública realizaram em 9 estados 1015
implantes de anel intraestromal, sendo 817 em São Paulo. No ano passado esta
cirurgia teve queda de 40% em relação ao ano anterior. O SUS realizou um total
de 608 implantes em 13 estados, sendo 490 deles em São Paulo. O oftalmologista
explica que a cirurgia é indicada para pessoas que apresentam intolerância ao
uso de lentes. A cirurgia é reversível, feita com anestesia tópica através de
uma micro incisão por onde e implantado o anel que aplana a córnea e torna o
uso da lente mais confortável.
Metanálise
Queiroz Neto afirma que a
espessura mínima da córnea para passar pelo crosslinking é de 400 micras.
Significa que não pode ser aplicado em córneas muito alteradas. Uma metanálise
de estudos europeus sobre o procedimento, comenta, também mostra que em
crianças e adolescentes o ceratocone tem uma evolução mais rápida, mas que a
técnica tem melhor resultado entre os mais jovens.
O acompanhamento por 3 anos
de 66 pacientes com idade entre 9 e 18 anos submetidos ao crosslinking, mostrou
que todos tiveram estabilização do ceratocone, melhora da visão e recuperação
da espessura central da córnea mais rápida que em adultos.
As pessoas com mais de 18
anos também tiveram melhora da visão, mas o risco de complicações como ceratite
microbiana é maior neste grupo, conclui.
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