Com o intuito de conter a pandemia do coronavírus (SARS-CoV-2), o Brasil investe, atualmente, em campanha de imunização com a disponibilização de vacinas aprovadas pela ANVISA de forma gradual a toda a população.
No Estado de São
Paulo, por exemplo, estima-se que, até outubro de 2021, todos os maiores de 18
anos estejam vacinados, alcançando a tão almejada imunidade coletiva capaz de
conter a proliferação do vírus.
Neste caso, a
vacinação é uma medida de saúde pública, que envolve questões de coletividade e
responsabilidade social. E para que haja, de fato, a retomada econômica e
social do País, é necessário alcançar a "imunidade de rebanho" - o
que significa ter a maioria da população está imunizada. Caso contrário, a
proliferação do vírus pode seguir apresentando mutações virais e novas
variantes não abrangidas pelas vacinas já existentes.
Por isso, é essencial
que todos os cidadãos sejam devidamente informados quanto à necessidade e à
importância da vacinação.
Nesse ponto, os
empregadores assumem um papel fundamental de orientação quanto à vacinação de
seus colaboradores. Isso porque o ambiente de trabalho é o local em que grande
parte dos empregados passa, em média, 10 horas - o que significa contato
frequente com outros funcionários, clientes e demais terceiros. O risco de
contágio inclui, também, o trajeto e o transporte público. Sendo assim, o
ambiente de trabalho configura um foco em potencial de transmissão do
coronavírus.
É por isso que medidas
de segurança como redução de aglomerações, uso de máscaras, isolamento social e
aplicação de teletrabalho - sempre que possível - se tornaram condições de
segurança do trabalho e devem ser fiscalizadas pelos empregadores.
Além disso, a
vacinação contra a covid-19 também passa a figurar como medida de segurança do
trabalho, especialmente quando do retorno das atividades presenciais. É
primordial que a maioria dos colaboradores esteja imunizada para que a saúde de
todo quadro de funcionários - além dos eventuais clientes, pacientes e
terceiros envolvidos na cadeia da atividade empresarial - seja assegurada.
Com isso, o PCMSO
passa a integrar o programa de vacinação contra o coronavírus com fito de
exigir a vacinação para os colaboradores como medida essencial e necessária
para o exercício funcional, além das medidas de segurança e saúde previstas no
PPRA.
Diante disso, surge a
dúvida quanto à obrigatoriedade da vacinação e da melhor conduta a ser adotada
em caso de recusa vacinal pelo colaborador. O tema já foi abordado pelo Supremo
Tribunal Federal quando do enfrentamento das Ações Diretas de
Inconstitucionalidade (ADI) 6586 e 6587 e do julgamento do Recurso
Extraordinário com Agravo (ARE) 1267879.
Em resumo, as decisões
proferidas foram no sentido de que a vacinação contra a covid-19 é obrigatória,
desde que preenchidos requisitos como embasamento científico, ampla informação
sobre eficácia, segurança e contraindicações, distribuição universal e
gratuita, respeito à dignidade humana e direitos fundamentais dos indivíduos,
além da observância de critérios de razoabilidade e proporcionalidade.
Dessa forma, a
imunização contra o SARS-CoV-2, além de medida coletiva e de saúde pública,
traz o exercício do direito à vida e à saúde, motivo pelo qual foi devidamente
incluída no Plano Nacional de Imunização (PNI). Nesse sentido, o STF, no
julgamento do ARE, justificou que "é constitucional a obrigatoriedade de
imunização por meio de vacina que, registrada em órgão de vigilância sanitária,
(i) tenha sido incluída no Programa Nacional de Imunizações ou (ii) tenha sua
aplicação obrigatória determinada em lei ou (iii) seja objeto de determinação
da União, Estado, Distrito Federal ou Município, com base em consenso
médico-científico. Em tais casos, não se caracteriza violação à liberdade de
consciência e de convicção filosófica dos pais ou responsáveis, nem tampouco ao
poder familiar".
O Ministério Público
do Trabalho, através do Grupo de Trabalho Nacional - GT COVID19, editou, no
mesmo sentido, o Guia Técnico Interno do MPT sobre Vacinação da Covid-19, no
qual concluiu que "a recusa injustificada do trabalhador em submeter-se à
vacinação disponibilizada pelo empregador, em programa de vacinação previsto no
PCMSO, observados os demais pressupostos legais, como o direito à informação,
pode caracterizar ato faltoso e possibilitar a aplicação de sanções previstas
na CLT ou em estatuto de servidores, dependendo da natureza jurídica do vínculo
de trabalho".
Verifica-se que cabe
ao empregador, portanto, adotar medidas de conscientização, educação e
orientação de seus colaboradores quanto à importância e à eficácia das vacinas,
visando, inclusive, dirimir possíveis vícios de consentimento decorrentes de fake
news. Um programa de educação nesse sentido é de suma importância para que
haja a possibilidade de demissão justificada em eventual recusa na vacinação
por um determinado empregado, que implique em risco aos demais colaboradores,
clientes, pacientes ou terceiros envolvidos na atividade empresarial.
Segundo o referido
guia do MPT, a recusa vacinal injustificada pelo colaborador, após orientação e
prévias sanções disciplinares, poderá ensejar demissão por justa causa, por
configurar falta grave e colocar em risco a coletividade de trabalhadores.
Entretanto, vale lembrar que, em casos justificados - como alergias ou
justificativas médicas -, tal medida não poderá ser aplicada, devendo o
empregador, providenciar medidas para a prevenção da saúde desse funcionário,
como o trabalho à distância, por exemplo.
Existe respaldo
técnico e jurídico na aplicação da demissão por justa causa de colaboradores
que se recusam - injustificadamente e após ampla informação - a se vacinarem
contra a covid-19. Contudo, tal medida só poderá ocorrer após a inclusão desse
requisito no PCMSO e concessão de programa de conscientização coletivo, além de
advertência prévia com orientação individual quanto à importância da vacinação
na proteção pessoal e coletiva.
É importante ressaltar
que a demissão por justa causa nesses casos não deve ser a primeira medida. O
importante é visar a responsabilidade social do empregador com a informação e a
orientação. Esgotadas todas as alternativas e na ausência de justificativa, a
demissão por justa causa encontrará fundamento legal no artigo 482, h e artigo
158, II, da CLT e princípio lógico na garantia do interesse público e proteção
da coletividade.
Thamires Pandolfi Cappello - Doutoranda e pesquisadora na
Universidade de São Paulo. Mestre em Direito pela PUC/SP. Coordenadora e
professora de pós-graduação em direito médico, hospitalar e da saúde na FASIG.
Fundadora da Health Talks BR.
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