Sem dúvidas essa é a pergunta de um milhão de dólares que recebo diariamente. Pergunta capciosa e que possui inúmeras variáveis.
A grande verdade é que qualquer previsão nesse sentido é imprecisa. Afinal, estamos em um momento nunca antes vivido na história da humanidade. Portanto, qualquer previsão será sem qualquer método empírico de dados ou experiência prévia.
Para se ter noção, desde o início da utilização de
containers no shipping, o mercado nunca havia chegado ao patamar que chegou.
Hoje no rate spot já é possível identificar frete de 20.000 USD por FEU
(Ásia/Europa), enquanto que em 2015/2016 o frete spot girava em 200/300 USD per
teu na mesma rota.
Por mais de uma década, os ursos dominavam o
mercado de containers e o cenário foi de fretes baixos. E, assim, para reduzir
os custos unitários por box, os grandes armadores passaram a apostar e investir
em navios cada vez maiores e mais novos, permitindo um ganho de economia em
escala em um mercado extremamente competitivo.
O problema é que os navios antigos não foram para
corte, causando um descompasso na oferta de navios, permanecendo um excesso de
capacidade, consequentemente, reduzindo os fretes.
Enquanto, hoje, temos um problema distinto,
concentrado no excesso de demanda por transporte, descompassado com a oferta de
frota. E agora, o "touro" domina o mercado de frete.
Quando se pensa em Shipping, pouco se pensa em
Economia. Entretanto, a indústria do shipping é o sangue vital da economia
global e continua a ser um grande termômetro do crescimento econômico global,
em virtude do seu papel importante no comércio internacional. Estando sempre
correlacionado com a função de oferta e demanda cíclicas do comércio
internacional.
A menos que em circunstâncias extraordinárias, a demanda
por transporte marítimo é impulsionada pelo crescimento econômico global. Vale
destacar que, sem a indústria marítima - dita responsável por cerca de 80% do
comércio mundial, o comércio internacional simplesmente não seria possível
Assim, o problema de alta do frete marítimo
efetivamente pode ser considerado uma "tempestade perfeita", pois é
resultado de um efeito dominó, ou seja, uma sequência de problemas, causas e
efeitos que resultaram nesse grande problema no setor.
As altas taxas de frete de containers são
impulsionadas pela falta de boxes e espaço, que por sua vez são impulsionadas
por uma confluência sem precedentes da demanda dos EUA por frete (devido a nova
realidade do Supply Chain). De outro lado, temos a interrupções no lado da
oferta: congestionamento dos principais portos, trabalhadores portuários e
marítimos infectados por COVID, resultando em quarentena em navios e em
portos/terminais (Yantian). Além disso, a bruxa parece que está solta no
Shipping, portanto, temos embarcações encalhadas, embarcações retidas devido a
quarentenas. Além de todo o recente desafio de embarcações ficando presas em
canais, derrubando containers no mar ou pegando fogo.
O descompasso está atrelado à Covid e aos diversos
planos de alívio econômico e de fomento ao crédito, inundando os mercados
internacionais com liquidez como forma de alavancar a economia. E isso,
funcionou. As grandes nações têm demonstrado enorme crescimento no
PIB. Exemplo é a China que noticiou um aumento de 18% do seu PIB no Q1,
resultando na necessidade cada vez maior de commodities. E a economica
Americana, que demonstra um claro aumento do consumo e, com isso, o aumento da
demanda de produtos importados da China.
Entretanto, enquanto a demanda cresce
meteoricamente (conforme noticiado pelos índices internacionais) a oferta de
navios se mantém. E a oferta de navios não é algo que consiga ser suprida em
curto prazo, visto que demanda a construção de frota em estaleiro, levando
alguns anos a serem entregues. E assim, novamente, regulando a oferta-demanda
no shipping.
A pandemia de Covid-19 causou imensas restrições ao
comércio ao longo da cadeia de abastecimento global, como sentido em Yantian,
Los Angeles e muitos outros portos. A lentidão dos terminais está causando
ineficiências ao longo das conexões intermodais, fazendo com que viagens fiquem
até 20% mais longas, e assim, demorando o reposicionamento de containers
vazios.
Terminais de containers no mercado americano que
demonstram menor produtividade e maior tempo para devolução de containers
vazios, em virtude da menor mão de obra portuária. Recentemente foi
noticiado que navios estão aguardando uma a duas semanas para atracar em
terminais em Los Angeles e Long Beach, alguns chegando há três semanas. O que
antes eram janelas de horas, hoje ocupam semanas. Armadores liners vem
reportando uma redução de sua capacidade em até 20% em virtude da baixa
operacionalidade e blank sailings.
E como dito anteriormente, tudo isso acontece como
num efeito dominó. Exatamente pelo congestionamento e quebra de Supply Chain,
simplesmente acabou-se o sonho do estoque "Just in Time". Empresas
cada vez mais estão tendo que contar com grandes estoques para que não ocorram
faltas, em virtude de possíveis atrasos na logística. Principalmente, em virtude
da nova mentalidade do e-commerce de entrega da mercadoria no mesmo dia ou no
dia seguinte ao consumidor.
E, assim, o problema se agrava, pois as grandes
varejistas antecipam e avolumam suas compras, aumentando cada vez mais o
estoque, resultando em um congestionamento ainda maior. Causando uma
eterna ciranda.
Para se ter noção, em período pré-Covid de
janeiro a maio de 2019, Los Angeles / Long Beach movimentou em média 14,9
porta-containers por dia, incluindo aqueles atracados e fundeados. Enquanto que
do dia 1º de janeiro a 25 de maio de 2021, a média é de 53,9 navios por dia. Ou
seja, 3,6 vezes os níveis pré-COVID.
Na Europa os terminais permanecem congestionados,
em virtude do represamento e consequências do Ever Given. Enquanto que na China
temos terminais sendo fechados em virtude da Covid. Na última semana foram
reportados mais de 330 navios de container fundeados, coisa nunca antes vista.
Isso tudo, atrapalha o reposicionamento de
containers vazios, além de tornar viagens mais lentas, muitas vezes tendo que
ser necessário desviar toda a rota de containers e navios que ordinariamente
utilizariam importantes polos portuários.
A situação do Porto de Yantian já representa quase
o dobro do represamento de containers ocasionado pelo encalhe do Ever Given.
Especialistas afirmam, a possibiliadde de 600.000 teus terem sido impactados
pela situação de Yantin. Além de existir aproximadamente 300.000 teu de no
pátio do terminal aguardando carregamento para exportação. Em junho desse ano
já foi reportado uma demora 42% maior que do ano passado para o transporte de
cargas entre Ásia e EUA.
O Porto de Yantian anunciou que retornará a operar
de forma integral a partir da madrugada do dia de hoje (24 junho). Os mais
otimistas já anunciam uma possível redução no patamar do frete. Porém, será que
isso vai realmente acontecer ?
Infelizmente, especialistas reportam que os números
otimistas serão de 80 dias para zerarem o "backlog" de containers
gerado pela redução na operação no Porto de Yantian. Portanto, o problema de
falta de boxes ainda deve continuar pelos próximos meses. Consequentemente, é
impossível prever como isso deve impactar os valores de frete.
Do outro lado do globo, a Federação Nacional dos
Varejistas Americanas mandou uma carta ao Presidente Joe Biden, solicitando uma
audiência para tratar de problemas no Supply Chain Global e os impactos para a
recuperação da economia americana, visto que o aumento dos fretes vem causando
a inviabilidade de economia de muitas atividades, além da falta de produtos nas
prateleiras americanas. O Congresso também vem debatendo sobre a possibilidade
de ceder maiores poderes aos órgãos reguladores para que possam intervir na
situação atual, tendo sido criado um comitê pela Casa Branca para acompanhar a
situação atual.
A verdade é que o supply chain continua a viver um
período de guerra. E os motivos são diversos. Miopia é achar que o problema é
apenas em virtude do Terminal de Yantian.
O "buraco" é mais embaixo e os problemas
são diversos. O shipping é considerado como uma das atividades mais
globalizadas no mundo. E, assim, o simples bater de asas de um morcego na China
pode resultar na falta de containers no resto do mundo.
Por isso, quando me perguntam, eu digo, o Frete pode
subir, pode baixar ou pode andar de lado! Tudo depende, e nada melhor que um
dia após o outro.
Larry Carvalho - advogado e árbitro com
vasta experiência em litígios e ênfase em transporte marítimo.
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