Alimentação, vestuário, material didático e
transporte. Itens básicos como esses são a ponta do iceberg das razões que
podem ser decisivas para evitar que uma criança abandone a escola. No Brasil, a
evasão escolar acontece mais vezes do que seria aceitável. Um dia, os livros e
cadernos se fecham e, com eles, fecham-se também as portas de vários futuros
possíveis. Em 2020, enquanto a pandemia galopava e empilhava prejuízos para a
saúde, a economia e a dignidade humana, quatro milhões de estudantes
brasileiros abandonaram escolas e universidades, de acordo com pesquisa C6
Bank/Datafolha.
Embora esse problema tenha crescido
significativamente, a evasão escolar é uma realidade com a qual a Educação
brasileira lida há muito tempo. Diante das profundas desigualdades que compõem
nossa sociedade, é preciso olhar para essa questão de um ponto de vista mais
amplo. Ainda que as políticas públicas educacionais tenham avançado rumo a uma
maior equidade no acesso à escola, as políticas de permanência seguem frágeis.
A escola não nega e nunca se eximiu dessa realidade, mas é preciso considerar o
papel de toda a sociedade no enfrentamento das inúmeras mazelas envolvidas
nesse cenário, na pandemia ou fora dela.
O Brasil precisa encarar que, ainda hoje, na
segunda década do século XXI, alunos abandonam a escola porque recai sobre eles
a responsabilidade de contribuir ou até mesmo garantir a sobrevivência da
família. Essa é a fria realidade e as perspectivas para o futuro próximo
apontam para um horizonte de aumento da pobreza, conforme sinalizado por
estudos.
Cada livro que se fecha e cada aluno que evade
encerram um universo de vivências que só a escola pode proporcionar àquele estudante.
E, antes de questionar o que a instituição tem feito para evitar que isso
aconteça, devemos nos perguntar de que maneira as esferas da sociedade – sejam
políticas, econômicas, sociais, de saúde, dentre outras -, têm contribuído para
o desenho desse triste cenário. O abandono da Educação é sintoma de uma
sociedade adoecida, sintoma de que as coisas não vão bem. Se um menino sai da
escola para trabalhar, essa história fala sobre uma condição de miséria. Se ele
sai porque sofre violências, essas não são fatos isolados, mas um reflexo do
que acontece nos ambientes em que ele vive. O que acontece dentro da escola e
desencadeia a evasão dessas crianças é sintoma do que está acontecendo nos
demais espaços.
A escola precisa de apoio e estrutura para que
possa garantir a permanência com qualidade desses alunos. O trabalho realizado
dentro dela disputa com todas as preocupações com as necessidades básicas para
a sobrevivência de alunos e familiares. Sem acesso a alimentação, segurança,
moradia, e saneamento básico é simplista demais afirmar que um aluno não
permanece na escola estritamente por questões acadêmicas. A permanência com
qualidade permeia ainda todas as questões de ordem pedagógica dentro do
ambiente escolar. Materiais didáticos de qualidade, formação continuada de
professores, currículos escolares ajustados à demanda contemporânea e clima
escolar são alguns dos pontos em que cabem ação e reflexão da comunidade
escolar.
De quem é o prejuízo quando um aluno abandona a
escola? Em primeiro lugar, certamente dele mesmo, visto que perde acesso a um
de seus direitos mais fundamentais. Mas a própria sociedade também é afetada
porque cada livro que se fecha é uma possibilidade a menos de reflexão sobre as
questões de ordem social, filosófica e cultural do país. Quando uma nação não
consegue dar acesso ao mínimo que suas crianças poderiam ter, há uma
fragilidade na construção de um projeto de país. Não se trata apenas do saber
acadêmico, mas da troca entre pares, da convivência com pessoas que
compartilham o mesmo espaço- ainda que com vivências diversas - e que também
promovem a aprendizagem, no dia a dia, de saberes e competências essenciais.
A escola é espaço de formação acadêmica, mas,
sobretudo, humana. Olhar para a evasão não é olhar para um problema da escola,
mas para uma questão que transborda e permeia toda a sociedade. A todos nós,
ficam as questões: Como é possível promover mudança? Como minhas escolhas
individuais e coletivas são parceiras da Educação? Se o problema da evasão
escolar transborda os muros das escolas e recai sobre todos nós, qual é o meu
papel diante desse cenário?
Angela Biscouto - consultora pedagógica do Sistema de Ensino Aprende Brasil.
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