Conforme veiculado recentemente por diversos veículos de imprensa, o youtuber Felipe Neto, havia sido intimado pela Policial Civil do Estado do Rio de Janeiro para prestar declarações em um Inquérito Policial que, investigava seu posicionamento ao atribuir o adjetivo “genocida” ao Presidente da República, em virtude de sua condução do país durante a crise do Coronavírus.
Outras inúmeras pessoas também já disseram em redes
sociais ou na imprensa que o Presidente seria um “genocida”.
Mas, de fato, o que é Genocídio?
Pois bem, a expressão genocídio (do grego genos=
espécie, raça, tribo e do latim excidium= destruição, ruína ou
aniquilamento[1]) apareceu em 1944, na obra do advogado
polonês LEMKIN (axis Rule in Occupied Europe) durante a 2ª Guerra Mundial e
significou, especificamente, os crimes cometidos pelo Estado nazista contra
determinados grupos étnicos, como os judeus e os ciganos.
O termo só adquiriu significado independente em
1948, quando a Assembleia Geral da ONU adotou a Convenção para a Prevenção e
Repressão do Crime de Genocídio[2].
Na convenção citada acima, o genocídio é tratado
como um delito contra o Direito Internacional, contrário ao espírito e fim das
Nações Unidas e dos povos civilizados[3].
Segundo o dicionário Aurélio, genocídio é um “crime
contra a humanidade, que consiste em, com o intuito de destruir, total ou
parcialmente, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, cometer contra
ele qualquer dos atos seguintes: causar-lhes grave lesão à integridade física
ou mental; submeter o grupo a condições de vida capazes de destruir
fisicamente, no todo ou em parte; adotar medidas que visem a evitar
nascimentos no seio do grupo e realizar a transferência forçada de crianças dum
grupo para o outro”[4].
Em outros termos, podemos entender que se trata de
provocar o extermínio, a morte ou a perseguição, ou a própria violação da
integridade física ou mental de um determinado grupo de pessoas, em razão de
sua raça, cor da pele, orientação sexual, etnia ou outras circunstancias que
fazem com que determinado grupo seja perseguido por um país, governantes ou cidadãos.
No Brasil, a Lei 2.889/56 define e pune o crime de
genocídio, elencando as condutas e suas penas:
Art. 1º Quem, com a intenção de destruir, no todo
ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal: (Vide Lei
nº 7.960, de 1989)
- a)
matar membros do grupo;
- b)
causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo;
- c)
submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe
a destruição física total ou parcial;
- d)
adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo;
- e)
efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo;
No que se refere as penas, o artigo da lei
2.889/56, que estabelece o crime de genocídio é bastante complexo.
Para facilitar a leitura, cumpre mencionar que o
genocídio praticado por meio de homicídio (alínea “a”, acima transcrita) terá
uma pena de 12 a 30 anos de reclusão. No caso da alínea “b”, ou seja, praticado
com lesão à integridade física ou mental da vítima, a pena pode variar de 2 a 8
anos. No caso da alínea “c” acima transcrita, há uma pena prevista de 10 a 15
anos, sendo certo que, nos casos das alíneas “d” e “e”, a pena prevista é de 3
a 10 anos e 01 a 03 anos, respectivamente.
Didaticamente, objetivando facilitar a compreensão,
tem-se o seguinte:
a) matar membros do grupo; |
12 a 30 anos |
b) causar lesão grave à
integridade física ou mental de membros do grupo; |
2 a 8 anos |
c) submeter
intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a
destruição física total ou parcial; |
10 a 15 anos |
d) adotar medidas
destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo; |
3 a 10 anos |
e) efetuar a transferência forçada
de crianças do grupo para outro grupo; |
1 a 3 anos |
Além disso, o genocídio é considerado crime
hediondo, ou seja, punido com maior reprovabilidade, não sendo
permitido anistia, graça, indulto ou fiança.
Cumpre mencionar, ainda, que tanto a incitação
quanto a associação ao genocídio também são crimes específicos inseridos na
lei. Na referida associação, mais de 3 (três) pessoas se associam para praticar
as condutas descritas no artigo 1º acima mencionado, o qual prevê as condutas
caracterizadoras de genocídio[5].
Apenas facilitar a compreensão do significado da
“associação” ao crime de genocídio, cumpre transcrever o que estabelece a
própria lei:
Art. 2º Associarem-se mais de 3 (três) pessoas para
prática dos crimes mencionados no artigo anterior: (Vide Lei
nº 7.960, de 1989)
Pena: Metade da cominada aos crimes ali previstos.
Já no que se refere ao crime de incitação, é punido
o ato de instigar, estimular, direta e publicamente uma pessoa a praticar
qualquer dos crimes previstos no art. 1º, da lei mencionada.
Art. 3º Incitar, direta e publicamente alguém a
cometer qualquer dos crimes de que trata o art. 1º: (Vide Lei
nº 7.960, de 1989)
Pena: Metade das penas ali cominadas.
- 1º A
pena pelo crime de incitação será a mesma de crime incitado, se este se
consumar.
- 2º A
pena será aumentada de 1/3 (um terço), quando a incitação for cometida
pela imprensa.
Já com relação as penas dos crimes do artigo 2º e
3º da lei de genocídio, o legislador definiu que os agentes serão apenados com
a metade das penas relacionadas a cada ato que praticaram, ou seja, quem
incitou a pratica de genocídio por meio de homicídios terá a metade da pena do
delito. Contudo, caso o crime incitado venha a se consumar, a pena será a mesma
do artigo 1º e não a sua metade.
De resto, se o crime for cometido por funcionário
público, governante ou via imprensa a pena será aumentada em 1/3. Tal aumento é
ocasionado pela potencialidade que estas modalidades podem gerar, tendo em
vista o meio (imprensa) e posição de poder e representatividade destes agentes.
Desta forma, ao atribuir o adjetivo genocida ao
Presidente (ou a qualquer indivíduo), deve-se entender o seu real significado.
Neste ponto, cumpre mencionar que não se está no
presente texto, apontando razão para qualquer episódio específico, mas,
esclarecendo ao leitor, de forma objetiva, o que se entende pelo termo
“genocida”, ainda que em brevíssimas linhas.
Gabriel
Huberman Tyles - especialista e mestre em Direito Penal e
Processo Penal pela PUC/SP. Também é professor universitário e advogado
criminalista, sócio do escritório Euro Filho e Tyles Advogados Associados.
Henrique
de Matos Cavalheiro - especialista em Direito Penal pela Escola
Paulista da Magistratura, advogado criminalista e associado ao escritório Euro
Filho e Tyles Advogados Associados.
[1] CRETELLA NETO, Jose. Curso de direito internacional penal. – 2. Ed. –
São Paulo: Saraiva- 2014.
[2] JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz – Legislação Penal especial, volume
2 – 3. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2010. P.133.
[3] Op. Cit. p.131.
[4] Dicionário Aurélio – Aurélio
Buarque de Holanda Ferreira – 2. Ed.- Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1998.p.845
[5] NUCCI, Guilherme de Souza.
Leis penais e processuais penais comentadas- 8.ed.- vol. 2 – Rio de Janeiro:
Forensa. p.413
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