Alienado: “aquele que vive sem conhecer ou compreender os fatores sociais, Alienado: “aquele que vive sem conhecer ou compreender os fatores sociais, políticos e culturais quepolíticos e culturais que condicionam os impulsos íntimos que levam a agir da maneira que age” (Houaiss). Alienação: “processo ligado essencialmente à ação, à consciência e à situação dos homens, e pelo qual se oculta ou se falsifica essa ligação de modo que apareça o processo (e seus produtos) como indiferente, independente ou superior aos homens, seus criadores” (Aurélio).
Significações de dicionário
talvez não sejam bastantes para a compreensão complexa dos termos. Vai o
esforço de alguma complementação: na definição de alienado, “fatores sociais,
políticos e culturais” são referência ao meu lugar de existir, às injunções de
poder que me envolvem e aos valores que me foram transmitidos, os quais
informam a compreensão que tenho dos acontecimentos, porque tudo isso compõe a
minha consciência da realidade.
Alienação: é a não
percepção de que tudo no mundo afeta o humano; a situação do humano depende do
humano; nada está fora da humanidade. As coisas todas decorrem de processos
complexos e geram processos complexos produzidos pelos humanos, conforme os
interesses dos humanos, causando efeitos nos humanos. O que acontece é
História. Nada depende de mágica, astros, energia, sorte ou divindades. Nem de
pensamento positivo.
“Por que as garrafas de
vinho têm 750 ml, e não 1 l? Divergência entre o sistema métrico de unidades e
o sistema imperial inglês, mais antigo. No século 19, o Reino Unido era o
principal importador de vinhos franceses. Os ingleses usavam o galão, que
equivalia a 4,5 l arredondados. Por causa disso, os franceses adotaram caixas
com seis garrafas de 750 ml, que, somadas, dão um galão” (Bruno Vaiano,
Superinteressante, de 13jan21, editado).
Se essa explicação
contemplasse todas as razões, a pessoa informada da relação litro/galão estaria
ciente do motivo do volume de prazer vinícola engarrafado. Mas o imbróglio é
maior: a França fizera a Revolução Burguesa, derrubara uma monarquia,
implantara o sistema de pesos e medidas (o grama, o litro e o metro, este como
sendo a décima milionésima parte de um quarto do meridiano terrestre). Forçara
a coincidência dos relógios. Quebrara tradições.
O poder francês levou seu
modo de calcular peso, volume e distância para quase todo o mundo, mas esbarrou
no poder inglês. O que estivesse sobre domínio inglês, o que não eram poucas
nações, ficava com seus parâmetros imperiais. Estados Unidos e Inglaterra, até
hoje, recusam-se a adotar o sistema métrico decimal. As relações comerciais
entre países com um ou outro sistema obrigam a conversões, sem concessões ao
poder de estabelecer o padrão.
Uma garrafa de vinho, pois,
não tem, por acaso, determinada quantidade do agradável líquido. Seu volume
decorre de relações comerciais, de imposição de pesos e medidas, do poder da
França ou da Inglaterra no planeta. Essa contenda subsiste nos nossos
interiores influenciados pela cultura europeia pré-Iluminismo: ainda se usa,
sem se saber o porquê, dúzia, galão, palmo, polegada ou braça. Um uso em
extinção, por falta de expressão de poder.
O alienado, não obstante
achar que a “escola da vida” lhe forneceu esperteza suficiente para não ser
enganado por ninguém, é, antes de tudo, um ingênuo. É uma enorme inocência
acreditar que se pode submeter a escrutínio pessoal a complexidade da História.
Perplexos frente ao enredamento do que não alcançam entender, esses ingênuos
“advertem-se” por teorias conspiratórias: acreditam em organizações secretas
controladoras do nosso devir.
A esquerda (nossa esquerda
de direita) pensa que o mundo caminha para o fascismo. A direita acredita que
logo seremos submetidos ao comunismo. Um tanto exagerado. Claro, existem
organizações de indivíduos e países querendo estabelecer e consolidar poder,
mas o que há de concreto, evidentemente, não está como informação disponível
para os deslumbrados com conjurações “secretas” que só eles sabem onde começou
e como vai terminar.
A rota de fuga da alienação
é saber que não teremos consciência de tudo. Não tenho ideia da origem das
peças que arranjam o meu computador. Quem tem poder para vender ou comprar o
que compõe esta máquina? Embora curioso, não darei conta do todo. É impossível.
A vida em comum pede articulação com outros que sabem outras coisas. Fidúcia.
Sem confiança a coexistência é impraticável. A eterna suspeita de maquinações
antes que astúcia é sintoma.
Tenho alguns saberes;
desejo outros mais. Algumas coisas sei que não sei; talvez, se as souber, não
as compreenda. Imagino que coisas há que jamais imaginei. Sou eu e as minhas
limitações. Há vida além delas, mas é nelas que vivo e viverei. O mais é
desvario ampliado por redes sociais, como essa briga sobre remédios. Como me
orientar no meio disso? Acompanhando o mais seguro: a ciência. O tratamento
precoce é a vacina. Infelizmente, nada mais.
Léo Rosa de Andrade
Doutor em Direito pela UFSC.
Psicanalista e Jornalista.
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