Mesmo sem Marinha
Mercante há mais de 30 anos, Brasil ainda cobra tributo para a renovação de sua
frota
Há 30 anos o slogan “exportar é o que importa”
resumia o que o país esperava do seu comércio exterior. Exportar era o lado bom
e as importações o lado ruim, devendo, portanto, sofrer restrições.
Esta visão, felizmente, é totalmente diferente nos
dias atuais de mundo globalizado e com economias totalmente abertas ao comércio
internacional. Não é difícil verificar nos gráficos que os países que mais se
desenvolvem e têm a população mais feliz são os que se relacionam mais
fortemente com o resto do mundo na troca de mercadorias e serviços.
Pois foi em 1987, quando as importações eram
demonizadas, que se criou no Brasil o “Adicional ao Frete para Renovação da
Marinha Mercante – AFRMM”, um tributo sobre as importações que permanece até
hoje onerando as compras brasileiras no exterior.
Ele foi criado numa tentativa de custear a
Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro, que vivia momento crítico de
insolvência financeira e inviabilidade do modelo de negócios diante da
concorrência com armadores internacionais.
Não funcionou, e o Lloyd acabou falindo com a
penhora judicial de suas embarcações. Portanto o AFRMM é um tributo que foi
criado no mesmo ano em que a marinha mercante brasileira deixou de existir.
Em crise existencial desde a origem, o AFRMM é
bastante questionável também sob o ponto de vista legal e econômico. O
adicional tem natureza jurídica de Contribuição de Intervenção no Domínio
Econômico (CIDE), cujo fundamento constitucional é o art. 149 da Constituição
da República.
É cobrado na proporção de 25% sobre o valor do
frete marítimo internacional, pago pelo importador e repassado ao consumidor
final embutido no preço das mercadorias importadas.
Segundo o art. 4º da Lei nº 10.893/2004, o fato
gerador do AFRMM é o “início efetivo da operação de descarregamento da
embarcação em porto brasileiro”. Já a base de cálculo do tributo é uma grandeza
completamente diferente de seu fato gerador, qual seja, o valor do frete
marítimo internacional, como dispõe o art. 6º da mesma lei - um monstro de duas
cabeças.
Ora, se o fato gerador é o descarregamento da
embarcação em porto brasileiro, seria mais lógico a sua incidência sobre o
custo do descarregamento e não sobre o valor da remuneração do transporte
marítimo. Esta desconexão entre fato gerador e a base de cálculo do AFRMM torna
o tributo inconstitucional em flagrante oposição ao disposto no artigo 149 da
Constituição.
Do ponto de vista econômico, em momento ainda de
caos no transporte marítimo internacional em função da pandemia, com a
disparada no preço do frete internacional, o AFRMM se torna ainda mais incômodo
funcionando quase como uma barreira intransponível para a entrada de muitos
produtos importados.
A situação se tornou insustentável após as medidas
mais restritivas do início da pandemia, em que o comércio mundial experimentou
uma retomada repentina, os preços do frete marítimo dispararam e não recuaram
mais.
A importação de um contêiner Ásia-Brasil que
custava em média US$ 2.300 hoje está acima de US$ 7.000. A aplicação do
adicional (AFRMM) de 25% sobre um valor de frete que está absurdamente elevado
é um dos motivos que está inviabilizando a importação de vários produtos e
gerando atrasos e descompassos em cadeias produtivas que dependem de insumos
importados.
Neste momento disruptivo em que se busca
restabelecer a ordem no comércio mundial em termos mais amigáveis ao consumidor
final, é fundamental que o governo federal acabe de uma vez por todas com o
malfadado Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante – AFRMM.
Esta anomalia brasileira não encontra par em outro
país do mundo e distancia o Brasil das cadeias de valor globais. O país é
considerado um dos mais fechados ao comércio exterior em todo o planeta.
Isto se reflete na redução do investimento externo,
na desindustrialização, na percepção internacional de ambiente hostil aos
negócios, e, por fim, significa excessiva intervenção estatal nas operações de
comércio internacional, conceitos defasados dentro do panorama mundial.
Ricardo Alípio da Costa - advogado aduaneiro e
presidente da Associação Brasileira dos Importadores e Distribuidores de Pneus
(Abidip).
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