Pandemia
diminuiu número de exames de diagnóstico no país, essenciais para detecção
precoce da doença e redução da mortalidade
Em todo o mundo, o câncer colorretal é o terceiro tipo
mais comum, sendo responsável por cerca de 10% de todos os diagnósticos de
câncer. Esse alerta para a sociedade em geral ganha um reforço neste mês, que
marca a campanha Março Azul-marinho, voltada à promoção do cuidado e à
prevenção da condição em todo o mundo.
O tumor colorretal se desenvolve no intestino grosso: no
cólon ou em sua porção final, o reto. O principal tipo de tumor colorretal é o
adenocarcinoma e, em 90% dos casos, o tumor se origina a partir de pólipos na
região que, se não identificados e tratados, podem sofrer alterações ao longo
dos anos, podendo se tornar cancerígenos. A principal forma de diagnóstico e
prevenção é através do exame de colonoscopia, em que um tubinho flexível com
uma câmera na ponta é introduzido no intestino e faz imagens que revelam se há
presença de possíveis alterações, permitindo, inclusive, remoção de pólipos e
biópsias de lesões suspeitas. No Brasil, o Ministério da Saúde recomenda
iniciar o rastreio do câncer de cólon e reto da população adulta de risco
habitual na faixa etária de 50 anos - mas muitos países já reduziram para 45
anos de idade.
"Grande parte dos tumores de intestino aparece a
partir dos chamados pólipos, que são lesões benignas que crescem na parede
interna do órgão, mas que se não identificadas preventivamente podem evoluir e
se tornarem malignas com o passar do tempo. Após os 50 anos de idade, a chance
de apresentar pólipos aumenta, ficando entre 18% e 36%, o que consequentemente
representa um aumento no risco de tumores malignos decorrentes da condição a
partir dessa fase da vida e por isso ela foi estabelecida como critério para
início do rastreio ativo. Além de detectar esses pólipos, a colonoscopia
permite que eles sejam retirados, o que funciona como mais uma forma de
prevenir o câncer", explica a oncologista Renata D’Alpino, do Grupo
Oncoclínicas.
Ela lembra que pessoas com histórico pessoal de pólipos
ou de doença inflamatória intestinal, como retocolite ulcerativa e doença de
Crohn, bem como registros familiares de câncer colorretal em um ou mais
parentes de primeiro grau, principalmente se diagnosticado antes de 45 anos,
devem ter atenção redobrada e realizar controles periódicos antes da idade base
indicada para a população em geral.
Segundo dados do INCA (Instituto Nacional de Câncer), o
câncer colorretal é o terceiro mais frequente entre os homens, logo após do
câncer de próstata e de pulmão, e o segundo mais incidente nas mulheres,
perdendo apenas para o câncer de mama. Estimam-se que neste ano tenhamos 40.990
casos novos de câncer de cólon e reto, afetando em proporção quase igual ambos
os gêneros. Já o número de mortes chega a 18.867, sendo 9.207 homens e 9.660
mulheres, de acordo com os dados mais recentes disponíveis.
Ainda assim, a médica afirma que há muitos tabus que
cercam o rastreio preventivo do câncer colorretal, o que contribui para a baixa
adesão ao controle precoce da doença mesmo entre pessoas que fazem parte do
grupo com risco aumentado. "Muitas vezes, o tumor só é descoberto
tardiamente, diante de sintomas mais severos, como anemia; constipação ou
diarreia sem causas aparentes; fraqueza; gases e cólicas abdominais; e
emagrecimento. Apesar do sangue nas fezes ser um indício inicial de que algo
não vai bem na saúde, muitas pessoas costumam creditar essa ocorrência a outras
causas convencionais, como hemorróidas, e acabam postergando a busca por
aconselhamento médico e a realização de exames específicos. Isso faz com que
muitas pessoas só descubram o câncer em estágios avançados", diz.
E em tempos de pandemia e com a superlotação dos
ambientes hospitalares, houve ainda impactos diretos no volume de realização de
colonoscopias no país, o que pode de fato trazer desdobramentos preocupantes na
luta contra o câncer.
"Apesar de simples, esse exame requer preparo prévio
e por ser considerado invasivo, teria risco de contaminação pelo COVID-19. Por
isso, em um primeiro momento, sua realização sofreu os impactos das incertezas
trazidas pela pandemia, especialmente nos primeiros meses de 2020, quando
muitos centros hospitalares e de medicina diagnóstica precisaram se reorganizar
para garantir fluxos seguros para pacientes. Temos relatos de serviços que
fecharam completamente durante a primeira onda de contaminações pelo vírus e
outros tantos que cancelaram por um período esse tipo de procedimento. Com
isso, certamente veremos em breve, como consequência, o crescimento nos casos
de tumores descobertos em fase avançada, quando a chance de cura se torna
consideravelmente reduzida", frisa Renata.
A percepção apontada pela oncologista é reforçada por
dados oficiais: desde o início da pandemia de Covid-19 no País, ao menos 70 mil
brasileiros deixaram de ser diagnosticados com câncer no Brasil, segundo as
Sociedades Brasileiras de Patologia e de Cirurgia Oncológica (SBP e SBCO). E
mesmo com o constante alerta das autoridades de saúde e entidades voltadas à
conscientização sobre o diagnóstico precoce como a melhor forma de garantir
tratamentos menos intrusivos e mais eficazes para a sobrevida dos pacientes, o
agravamento do quadro do câncer é uma preocupação global e exames de rotina não
deveriam ser deixados em segundo plano.
Incidência cresce entre jovens adultos
Para Renata, outro ponto de grande relevância no combate
ao câncer colorretal é o estabelecimento de uma recomendação mais clara para
triagem de casos assintomáticos, quando não há sinais de sintomas clássicos que
podem levantar suspeitas - caso de sangramentos corriqueiros visíveis nas fezes
- entre a porção da população com menos de 50 anos. Entre as ações possíveis,
ela destaca uma iniciativa liderada pela US Preventive Services Task Force que
considera que testes menos invasivos poderiam ser iniciados precocemente e
repetidos com intervalos menores em comparação à colonoscopia. Além disso,
prevê mudar a idade de rastreamento para os 45 anos, devendo ser repetido a
cada 5 anos em caso de resultados normais, como já vem sendo sugerido desde
2019 pela American Cancer Society (ACS).
"Nos EUA o debate sobre uma possível mudança de
protocolo, passando a adotar a idade de 45 anos como remendada para o início do
rastreio periódico, está sendo baseada na avaliação de centenas de
levantamentos e ensaios clínicos que levam em conta o perfil de pessoas
assintomáticas na faixa etária acima dos 40 anos. Uma forma possível de ampliar
as chances de prevenção seria a indicação de pesquisa das fezes, por meio de
testes imunoquímicos e testes de sangue oculto fecais em pessoas mais jovens e
que não apresentam mudanças de saúde perceptíveis. De acordo com os resultados,
havendo achados suspeitos, a colonoscopia seria então realizada", ressalta
a especialista da Oncoclínicas.
Um dos estudos científicos que embasam a argumentação foi
publicado no Journal of the National Cancer Institute e realizado nos Estados
Unidos de 1974 até 2014. A análise mostrou que nas pessoas entre 20 a 39 anos
de idade, por exemplo, o número de casos novos de câncer de intestino vem
crescendo anualmente, entre 1% e 2,4%, desde a década de 1980. Já os casos de
câncer de reto, nas pessoas entre 20 e 29 anos de idade, tiveram um aumento
anual médio de aproximadamente 3,2%, desde 1974.
"Em grande parte, esses resultados apontam para uma
consequência de hábitos de vida menos saudáveis, com maior taxa de sedentarismo
e consumo de alimentos ultraprocessados como refrigerantes, salgadinhos e
enlatados. A predisposição genética conta como risco, mas não podemos esquecer
que há outros fatores que podem contribuir para o surgimento da doença, tais
como obesidade, sedentarismo, dieta rica em carnes vermelhas, tabagismo e
alcoolismo. E esses são fatores que fazem parte da ‘vida moderna’ e ajudam a
desvendar as razões pelas quais devemos reforçar a conscientização sobre os
impactos das nossas decisões pessoais no crescimento de casos de câncer - e não
apenas do colorretal", finaliza Renata D’Alpino.
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