Perplexo. Absolutamente perplexo. O mundo
ante o coronavírus. Era simplesmente impossível prever essa crise
inédita, salvo em elucubrações da ficção científica cósmica.
Não temos como não tentar
buscar concisa abstração da vida e do universo, desde que
empreendemos nossa aventura terrestre. Em busca do quê? A
interrogação é dolorida.
Reflitamos sobre a razão de as primeiras poesias
da Grécia serem épicas, clássicas e perfeitas, mas monótonas, o épico
invariável. Nossos primeiros irmãos tinham medo de vírus. Leia-se
deuses da destruição. A Homero e outros coube encorajar nossa raça. Em certos
momentos de grande hecatombe é preciso encorajar os atores deste teatro de
incertezas. Para os que sobreviverem, vencedores, se a decomposição da espécie
não pesar unânime.
Crescemos na linguagem, na filosofia, nas
ciências, porém sempre a enfrentar contradições. No plano biológico, físico,
social, político. Demo-nos ao luxo de sacudir o planeta com bombas, inclusive
atômicas. As heranças eram inevitáveis e aí estão.
Os mais desenvolvidos Estados do orbe estão
atulhados de riquezas militares. Desperdício inútil, porquanto forças superiores
- vírus, bactérias, protozoários -, já aprenderam a usar o estoque da morte,
antes das armas. O equívoco foi rotundo. Deveríamos ter armazenado tiros de
combate aos inimigos biológicos. Erramos o alvo, como muitos exércitos o
perderam de mira em aventuras quixotescas.
Apesar dos grandes esforços da filosofia no
sentido de encontrar a substância, a essência e o sentido da existência, nossa
ciência das ciências não trouxe o norte para a grande humanidade. Talvez tudo
deva ser refeito.
Há realismo, não radicalismo nessa análise.
Basta supor que, debelado o coronavírus, um parente seu poderá voltar a nos
atacar. Viveremos em eterna defesa de sobrevivência, com esse monstruoso
impacto sobre nossos costumes, nossas expressões vitais a que nos acostumamos,
nosso modo de arrimar nossa civilização, nossas regras jurídicas seculares?
Viveremos sem saber a natureza dos dias seguintes?
O febricitante ritmo de avanço econômico,
mercados, bolsas de valores etc., pode tornar-se areia de um planeta
despovoado. Nossa imensa imagem antropocêntrica já desceu muitas ladeiras, no
episódio que estamos atravessando.
Os que sobreviverão terão um compromisso duro
com a lembrança das gerações mortas, que pesarão como um pesadelo sobre os
cérebros sobreviventes. Consistirá em dispor todo o conhecimento, a ciência
mais desenvolvida, num único sentido: o do enfrentamento desses inimigos
letais. Nosso exército não será mais composto de tropas como as conhecemos, com
suas típicas indumentárias. Deverão concentrar-se nos laboratórios a montar
equações que nos livrem da derrocada final.
Em momentos de sobrevivência, não há outra
prioridade. Para tanto, teremos de rever profundamente nossos valores,
agrupando todo o gênero humano. Nacionalismos, xenofobias, são tudo o que querem
nossos atacantes. Enveredam pelos segmentos divididos e engolem suas bazófias.
Podemos escrever: há dois pensamentos
filosóficos. Um antes, outro depois do coronavírus. Por ora, todos se engomam
numa letargia anódina.
Resuma-se a crônica das pestes.
A peste negra ou bubônica levou 50 milhões de
seres humanos, na Europa e Ásia, entre 1333 e 1351. Recuou com o saneamento e
grande redução dos ratos urbanos.
A cólera, transmitida por água suja e
alimentos contaminados, deixou centenas de milhões de mortos de 1817 a 1824.
A tuberculose acarretou em um século nada
mais nada menos que 1 bilhão de mortos. Todos conhecem nossa demorada vitória
sobre o bacilo de Koch.
A varíola devastou 30 milhões de mortos,
quando exacerbada entre 1896 a 1980, mas historicamente crônica, abateve Ransés
II, a rainha Maria II da Inglaterra e o Rei Luis XV da França. Começo a perder
para a vacina de 1796.
A gripe espanhola - e aqui precisamos maior
atenção - implicou em 20 milhões de mortos. O vírus influenza, um dos maiores
carrascos da humanidade, tem a capacidade ímpar de metamorfosear-se e ludibriar
suas vítimas. É preciso investigar com muito apuro esse rodízio macabro. Entre
nós matou o Presidente Rodrigues Alves e persistiu em sua dança diabólica.
Seguiram-se o tifo, a febre amarela, o
sarampo, a Aids. O enfrentamento desses males pela civilização humana se torna
cada vez mais complexo.
O aviso atual é peremptório. As ciências
médicas, mais uma vez, devem mostrar sua superioridade. Recursos públicos
derivados a outros setores realocados e, em nosso país, reduzir drástica e o
mais imediatamente possível nosso déficit em saneamento básico. E admitir
tranquilamente a blindagem individual e familiar, ainda que a custo de nossa
tendência irrefreável à vida social. Nessa circunstância não há lugar para
populistas, demagogos e levianos, principalmente quando se trata do Presidente
da República.
Amadeu Garrido de Paula - poeta e ensaista
literário, é advogado, atuando há mais de 40 anos em defesa de causas
relacionadas à Justiça do Trabalho e ao Direito Constitucional, Empresarial e
Sindical. Fundador do Escritório Garrido de Paula Advocacia e autor dos livros:
“Universo Invisível” e “Poesia & Prosa sob a Tempestade”. Ambos à venda na
Livraria Cultura.
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