Cientistas acompanharão gestantes em
situação de vulnerabilidade para estudar como alterações na expressão gênica
causadas por adversidades na infância influenciam o desenvolvimento cerebral de
seus descendentes; objetivo é prevenir problemas de saúde mental precocemente (foto: Gordon Johnson / Pixabay)
É sabido que situações adversas
ocorridas na infância, como negligência ou violência física, psíquica e sexual,
podem ter reflexos negativos na saúde mental durante a vida adulta. Estudos
também demonstraram que esses efeitos negativos podem ser transmitidos para
gerações futuras, mesmo que os descendentes não tenham vivenciado tais
experiências. O chamado trauma intergeracional foi observado pela primeira vez
em descendentes de sobreviventes dos campos de concentração.
Agora, os
mecanismos de transmissão envolvidos serão investigados em uma pesquisa com 580
gestantes em situação de vulnerabilidade na cidade de Guarulhos (SP).
O estudo, apoiado pela FAPESP e pelos National Institutes of Health
(NIH), dos Estados Unidos, é conduzido por pesquisadores
da Columbia University e da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal
de São Paulo (Unifesp).
“Embora alguns estudos tenham
demostrado a influência de eventos adversos ocorridos na infância da gestante
sobre o desenvolvimento cerebral de sua prole, pouco se sabe ainda sobre os
mecanismos envolvidos no processo. Nosso estudo é o primeiro a analisar as
alterações placentárias e o neurodesenvolvimento do bebê por meio de análises
genéticas, imagens de ressonância magnética neonatal e avaliações cognitivas”,
disse Andrea Parolin Jackowski,
professora da Unifesp e coordenadora do projeto no Brasil.
Transmissão via placenta
Segundo
Jackowski as hipóteses predominantes relacionam a transmissão intergeracional
de trauma a altos níveis de marcadores inflamatórios ou de cortisol – o
hormônio do estresse – durante a gestação. Tal condição resultaria em
alterações epigenéticas (modificações bioquímicas nas células que controlam a
ativação ou silenciamento de genes) que são transmitidas para os bebês.
De alguma
forma, as substâncias pró-inflamatórias e o cortisol produzidos durante a
gravidez de mulheres que sofreram traumas na infância ativa ou silencia genes
ligados a problemas de saúde mental – como depressão, déficit de atenção e
outros.
“Isso é
transmitido para o feto via placenta, que é o meio de comunicação entre a mãe e
o feto. São essas alterações epigenéticas placentárias que alteram o
desenvolvimento cerebral do feto”, disse.
Prevenção
Além de
entender o mecanismo de transmissão do trauma intergeracional, o projeto tem o
objetivo de identificar formas possíveis de prevenir problemas de saúde mental
nos filhos de mulheres com esse histórico.
“Podemos
identificar quais comportamentos são alterados por esses mecanismos e pensar em
formas de prevenção, possivelmente a ser adotada durante a gestação”, disse.
O estudo
vai avaliar 580 grávidas atendidas em unidades do Sistema Único de Saúde (SUS)
de Guarulhos. O grupo será divido em dois: um composto por 290 mulheres que
sofreram eventos adversos na infância e o outro por aquelas que não vivenciaram
tais problemas.
Além da
análise genômica e epigenômica da placenta e de amostras de sangue (para ver
marcadores de inflamação) e de cabelo (nível de cortisol) das mães e dos bebês,
o estudo também vai acompanhar o neurodesenvolvimento do controle cognitivo dos
bebês por 24 meses após o nascimento.
A
associação entre o trauma materno e o desenvolvimento do bebê será observada
por meio de imagens de ressonância magnética de crânio dos neonatos e
avaliações comportamentais de controle cognitivo aos 12 e 24 meses.
“Sabe-se
que as mães com histórico de experiências adversas na infância têm risco
aumentado de gerar filhos que logo após o nascimento apresentam alteração em
alguns circuitos cerebrais responsáveis pelo controle cognitivo. Aos 24 meses é
possível identificar essas alterações no desenvolvimento. Por volta dos cinco
ou seis anos, essas crianças apresentam risco aumentado de desenvolver
comportamentos impulsivos”, disse.
Jackowski
destaca que, embora existam estudos em andamento focados no desenvolvimento
infantil, inclusive na Columbia University, nenhum deles conseguiu estudar tão
a fundo as vias que relacionam experiências adversas na infância, inflamação,
placenta e cérebro.
“Só foi
possível realizar esse estudo no Brasil porque infelizmente existe uma
população vulnerável a vários tipos de violência e, felizmente, existe o
SUS. Desse modo, conseguimos coletar informações detalhadas e de qualidade em
uma população de baixa renda e em contexto propício para a realização de
futuras intervenções que venham a quebrar esse ciclo de impacto da violência
tão cedo quanto possível”, disse.
O projeto
é o desdobramento de um estudo-piloto realizado também em três UBS e uma
maternidade em São Paulo com 40 grávidas e seus bebês. “Nossa ideia é, no
futuro, prolongar o estudo com as 580 grávidas e acompanhar as crianças até a
idade escolar”, disse.
Maria
Fernanda Ziegler
Agência FAPESP
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