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sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

Como identificar precocemente o Transtorno do Espectro Autista (TEA)?


     O Transtorno do Espectro Autista é uma condição do neurodesenvolvimento, de início precoce caracterizado por prejuízos na comunicação, interação social associado a comportamentos restritos, repetitivos e estereotipados, geralmente associado a alterações sensoriais. A prevalência estimada é de 1 a 2% em todo o mundo. Estima-se mais de 2 milhões de autistas no Brasil, porém teremos uma estatística mais real possivelmente após dados do Censo 2020 (o autismo foi recentemente incluído no Censo). A incidência é maior em meninos em uma proporção de 4:1.

    Conhecer as principais características deste transtorno é essencial para que os pais estejam atentos e não hesitem em buscar ajuda especializada tão logo notem algum dos sinais de alerta em seus filhos. Nos primeiros meses de vida, algumas mães já observam uma estranheza em seu bebê, que parece não procurar contato visual quando está sendo amamentado, não se acalenta no colo ou no seio materno. São bebês que podem ficar por horas quietos com o olhar “perdido” ou chorar excessivamente sem motivo aparente; podem não apresentar sorriso social; não reconhecer o som do seu nome, a voz dos pais ou pessoas próximas e não se importar quando os pais saem do seu campo visual.

    Alguns pais relatam que a criança brinca bem, mas geralmente sozinha. Quando há outra criança ou adulto, até brincam junto, mas não há troca entre eles, não há a procura do outro para brincar. E, algo a se atentar é também a utilização do brinquedo de forma inusitada.

     Eles observam, já no primeiro ano de vida, que a criança fica mexendo com as mãos ou dedinhos de forma peculiar; ficam fascinados por algo em movimento, que gire (rodinhas, ventiladores); ou assistem a um único desenho ou filme. Nestes primeiros meses, gritos ou sons sem contextos e atrasos nos marcos do desenvolvimento motor, como sentar, engatinhar, ficar em pé, são frequentes, assim como andar na ponta dos pés de forma aleatória.

     Os prejuízos na comunicação nem sempre evolvem atrasos na fala propriamente dita, mas comprometimentos na linguagem expressiva (habilidade em apontar, dar “tchau”, gestos com função comunicativa), linguagem receptiva (compreender linguagem corporal, o que está sendo dito) e dificuldade em compreender linguagem figurada (expressões faciais, gírias, piadas). Alguns adquirem linguagem dentro dos marcos do desenvolvimento, mas com particularidades como vocabulário rebuscado, repetitivo e monótono, inversão pronominal; outros chegam a adquirir a linguagem verbal e em algum momento, perdem essa habilidade. Ecolalia que é repetição de palavras ou frases sem função, costuma ser frequente.
 
    Alterações no processamento sensorial comumente encontradas no autismo podem se apresentar como hiper ou hipossensibilidade relacionadas às nossas entradas sensoriais (visão, audição, olfato, paladar, tato) e à propriocepção. Comportamentos restritos, rígidos e estereotipados se apresentam por exemplo, como baixa tolerância a frustrações, dificuldades com mudanças de rotina. Estereotipias são movimentos repetitivos, ritmados e sem função para quem observa, mas para pessoas com autismo, são uma maneira de autorregulação ou auto estimulação; podem ser motoras ou verbais. Em torno de 30% apresentam algum prejuízo na cognição, porém, temos aqueles com alto QI e altas habilidades.

    À medida que a criança cresce, as dificuldades na interação social, especialmente com os pares (da mesma idade) vai ficando mais evidente porque as demandas sociais aumentam. A escola ou a creche nesta primeira infância passa a ter um papel crucial na identificação de padrões não habituais de comportamento e de linguagem.

     Em alguns casos, os sinais não são tão facilmente identificados por serem mais brandos. Há casos, também, em que a criança apresenta um desenvolvimento normal nos primeiros anos de vida, sorri, mantém contato visual, interage, já fala algumas palavras, dá “tchau”… E, de repente, os pais relatam que seu (ua) filho(a) ficou “diferente”, que se fechou em mundo próprio, deixou de fazer o que já havia adquirido.

    Há uma grande possibilidade sintomatológica e cada criança é única. Não iremos observar todos os sinais e sintomas característicos, porém, quando houver prejuízos nas interações sociais, no comportamento, na comunicação e/ou perda de habilidades já adquiridas; o quadro merece investigação e intervenção imediatas para favorecer o desenvolvimento da criança, bem como sua qualidade de vida e de sua família.

    O diagnóstico é iminentemente clínico, baseados no “Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders” (DSM-V). O tratamento deve ser multiprofissional, interdisciplinar e individualizado para atender às necessidades específicas de cada criança e adolescente e assim, promover seu desenvolvimento em toda a sua potencialidade. Todos nós para nos desenvolvermos de maneira saudável, necessitamos de apoio, acolhimento, tolerância, respeito e muito amor.



Deborah Kerches (CRM 102717-SP) - Neuropediatra especialista em Transtorno do Espectro Autista (TEA), diretora do Centro de Atenção Psicossocial Infanto Juvenil de Piracicaba, membro da Sociedade Brasileira de Neuropediatria, da Associação Brasileira de Neurologia e Psiquiatria Infantil (ABENEPI), da Academia Brasileira de Neurologia e da Sociedade Brasileira de Cefaleia. Além de ser palestrante e preceptora do Programa de Residência Médica em Pediatria da Prefeitura do Município de Piracicaba com Especialização em Preceptoria pelo Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Sírio Libanês.Também ministra cursos e workshops sobre os mais variados temas ligados a Neuropediatria, Transtorno do Espectro Autista (TEA) e Saúde Mental Infanto Juvenil.

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