Como o excesso
imagético virtual está viciando internautas a construir imagens de si e a
ocultar, cada vez mais, o "eu" verdadeiro
“Espelho, espelho meu, será que existe selfie
mais bela do que a minha?” Nos dias de hoje, tal frase poderia, muito bem,
substituir a famosa pergunta feita pela madrasta da Branca de Neve, no conto
infantil. Afinal, o espelho parece ter sido substituído, cada vez mais, pela
tela de câmeras frontais, às quais registram infinitas selfies,
as famosas fotos tiradas pelas pessoas de si mesma. Estas, por sua vez, são
compartilhadas à exaustão nas redes sociais, como o Facebook, acessado
por mais de 2,3 bilhões de pessoas mensalmente, segundo dados de 2018.
Todavia, outra rede vem conquistando internautas e
já conta com 1 bilhão de usuários ativos, segundo a empresa: o Instagram.
Conhecido pelo compartilhamento de fotos e vídeos curtos, a rede acaba se
tornando, para muitas pessoas, mais atrativa que o Facebook, já que
também é possível publicar informações textuais. O Brasil, por exemplo, é o
segundo país com mais usuários da rede, ficando atrás apenas dos EUA.
O Prof. Dr. Jack Brandão, especialista e
pesquisador imagético, há mais de 30 anos, que estuda o impacto das imagens
extemporâneas e contemporâneas no meio em que vivemos, aborda a influência do Instagram
e das selfies, tão compartilhadas na rede. “É possível que o Instagram substitua
o Facebook
num curto prazo, justamente pelo fato de ser um meio, quase que exclusivamente,
imagético. Isso porque nós somos seres iconotrópicos, ou seja, somos
impelidos às imagens, necessitamos consumi-las. Não à toa, a forma como esta
rede se apresenta acaba tornando-a mais viciante que o Facebook
que, de certa forma, popularizou-se também dessa maneira.”
Outra questão comentada pelo professor em relação à
rede social é a propagação das selfies como algo cada vez mais
inebriante: “Todas essas redes nos apresentam um paramundo,
que não passa de um universo paralelo, em que só se percebem grandes realizações
e conquistas dos outros, independente de essas estarem presentes na realidade,
mas que existem de fato no mundo virtual... Diante de tudo isso, muitos
internautas veem-se impelidos a mostrar e a demonstrar o quão felizes estão e,
para isso, postam selfies e mais selfies que retratam sua
atuação/máscara virtual, já que tudo não passa de mera pose.”
De acordo com Brandão, o fato de muitos internautas passarem horas
deslizando os dedos pelas infinitas fotos das redes sociais torna-se
prejudicial; pois, quanto mais imagens consomem, mais passam a desejá-las,
chegando a ponto de acreditar que aquele ambiente seja o real, não um mero
simulacro. “Dessa forma, muitos usuários ‘produzem’ selfies como
máscaras de ocultamento de sua própria infelicidade; pois, na realidade,
acreditam que os outros sempre são mais felizes e bem-sucedidos; já que,
infelizmente, não conseguem mais divisar o que é real do que não é real...
esquecem-se de que aquilo não é a realidade, mas uma construção imagética”.
Brandão demonstra, inclusive, que tudo não passa de
um enorme círculo vicioso, pois, se uma grande maioria é mobilizada a postar
cada vez mais selfies, como que para “rebater” a “felicidade” do outro,
podemos ser levados a nos perguntar: “quem, ali, realmente está exibindo uma
felicidade verdadeira? Existe algo que podemos chamar de felicidade plena?”
Outra questão abordada pelo professor é referente
ao consumo imagético de nós próprios, cujas raízes estão no próprio
descobrimento de si mesmo enquanto imagem, algo relativamente recente na
história da humanidade. No entanto, com os smartphones, de modo especial, isso não
só foi possível, como também abriu margem para que eu também possa não só me
conhecer, como também construir, a meu bel-prazer, a imagem que eu queira de
mim mesmo, agravando, inclusive, comportamentos narcisistas”.
Para Brandão, o excesso imagético virtual está
contribuindo para um individualismo exacerbado. Isso porque a intensa exibição
da própria imagem como máscara do verdadeiro “eu” se constitui, de certa
maneira, uma proteção imagética, frente à felicidade do outro. Assim, o
indivíduo recorre a um culto excessivo de sua imagem enquanto pessoa feliz,
dissociando-se cada vez mais da realidade. “A própria palavra selfie é
próxima de selfish que significa, em inglês, egoísta. É justamente isso
o que acontece quando eu posto selfies de maneira exagerada, pois eu
passo a viver em função da minha imagem, inserida em uma redoma de proteção,
que me torna cada vez mais egoísta. Volta-se, entretanto, não para o “eu”
verdadeiro, mas para aquele construído imageticamente. É aí que reside um
grande problema!”
Embora o termo selfie seja muito utilizado atualmente,
a primeira selfie, que se tem notícia, foi tirada em 1839 por Robert
Cornelius, nos EUA. Acredita-se que ele tenha permanecido por mais de 15
minutos em pé para conseguir registrar a foto, considerando a tecnologia da
época. Já a primeira selfie registrada pela máquina
fotográfica sem ativar o timer foi tirada, em 1914, pela
duquesa Anastásia Nikolaevna, filha mais nova do czar Nicolau 2º, que tirou a
foto diante do espelho. É óbvio que, com a internet, a repercussão das selfies acentuou-se
de forma indescritível, mudando inclusive o conceito deste tipo de imagem.
“Hoje, com aplicativos como o instagram,
de modo especial, não há mais tempo para se lerem as imagens nem para
apreciá-las. Assim, como queremos consumir mais e mais, também queremos nos
exibir mais e mais, num ciclo imagético interminável que pode agravar,
inclusive, quadros de ansiedade e depressão”, afirma o Prof. Dr. Jack Brandão,
que conclui: “é preciso enxergar além das imagens para adentrar o mundo real
ali escondido, além de assumirmos nosso verdadeiro ‘eu’”.
Prof. Dr. Jack
Brandão - Doutor em Literatura pela Universidade de São Paulo
(USP). Diretor do Centro de Estudos Imagéticos CONDES-FOTÓS, editor da Lumen et
Virtus, Revista interdisciplinar de Cultura e Imagem,
pesquisador sobre a questão imagética em diversos níveis, como nas artes
pictográficas, escultóricas e fotográficas.
condesfotosimagolab.com.br
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