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quinta-feira, 16 de maio de 2019

O que nos falta: justiça como equidade



John Rawls, um grande jurisfilósofo americano, conquistou reconhecimento internacional com sua tese de justiça como equidade. Adentrar a seus meandros é tarefa de dedicados especialistas, mas, no fundo, é possível cada um compreender a ideia fundamental.

Desde Aristóteles e Cícero o mundo dos pensadores jurídicos procura definir um conceito de justiça aplicável à sociedade como um todo. No plano individual, é quase intuitivo compreender o que seja justiça, sobretudo quando somos vítimas de manifesta injustiça.

No campo político, o tema resvala para ideologias, estruturas filosóficas de pensamento e cogitações que não se combinam. O tema é importante para o Brasil de hoje, em que vivemos uma profunda crise de moral e de justiça, estimulada pela intolerância e pelo radicalismo.

São exatamente esses extremos que Rawls procura obliterar. A essência, o núcleo duro de seu pensamento é bem perceptível. Não há como viver senão numa sociedade de livre iniciativa econômica, porém sob um ordenamento jurídico que dê oportunidades a todos. As diferenças entre os diversos atores sociais são naturais e inevitáveis, mas é preciso construir um patamar mínimo de bem estar sobre o qual a viabilizará a vida coletiva razoável, sem excessos de riqueza e sem pobreza. 

É preciso que nos conscientizemos de uma sociedade cooperativa. Todos cooperam para que possa existir democracia. É preciso consciência de que não há direitos absolutos e, mais ainda, de que nossos direitos não são exclusivos de cada um, mas sofrem legítimas restrições que devemos compreender e tolerar. Um exemplo simples: alguém conquista uma elevada soma de dinheiro num processo judicial, porém, depois do recebimento, nega-se ao pagamento dos trabalhadores (advogados) por seus justos honorários. Pretende, em acendrado egoísmo, o valor bruto, sem nenhum desconto. Pode-se dizer o mesmo do desconto do imposto de renda, quando alguém recebe importância tributável. O desconto é legítimo numa sociedade cooperativa. Se a aplicação dos impostos é deturpada, é caso de remover um governo que também não se conscientizou do imperativo de cooperação. A corrupção, obviamente, também arranha uma sociedade fundada na justiça enquanto equidade.

O grande problema, que desafia a humanidade atual, e certamente o fará ao longo de muitos anos futuros, é a definição desses valores, pelos quais não abdicamos de nossos direitos individuais, mas concordamos sem ressalvas com suas restrições legítimas. Somente assim será possível conviver numa sociedade plural e diversa, em que cada um, em sua função específica, contribui para o bem de todos. Não é preciso gritar por justiça social. A justiça já é social. Evidentemente, o tirocínio de Rawls no campo da filosofia do direito não compartilha da realidade de nossos dias, em que, segundo Domênico Di Masi, pensador italiano, apenas oito famílias, fortemente articuladas entre si, abocanham quase que a inteireza da riqueza do planeta.




Amadeu Garrido de Paula -  Advogado, sócio do Escritório Garrido de Paula Advogados. 

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