Funciona assim: o convênio de saúde nega determinado
procedimento - por ser experimental, pois ainda não tem comprovação científica
de sua eficácia, ou por não estar coberto pelo plano contratado-; os
beneficiários, munidos de uma prescrição médica, socorrem-se ao Poder
Judiciário para que as Operadoras de Saúde sejam obrigadas a cumprir a
determinação médica perante liminar; os juízes acatam; as Operadoras então,
cumprem a decisão judicial, sob pena do pagamento de multas pesadas pelo
descumprimento.
O cenário é polêmico: as famílias tentam, a qualquer
custo, buscar soluções – muitas vezes impossíveis ou improváveis – para o
problema de saúde de seu familiar. Os advogados tentam ganhar a causa de seus
clientes. Os juízes, sem conhecimento técnico adequado sobre o tema, acabam
cedendo à pressão das liminares.
O tema “saúde” é compreensivelmente sensível, e isso certamente
acaba refletindo nas decisões judiciais. Geralmente são duas as vertentes
atingidas por esse cenário: a concordância irrestrita à prescrição médica,
cujos interesses ocultos não são enfrentados pelo Judiciário e os prazos para
cumprimento da liminar, que são escassos e muitas vezes impossíveis de serem
cumpridos.
No Paraná, tivemos um caso de um juiz que determinou que
o convênio fornecesse em 24 horas um medicamento radioativo, muita embora sua
fabricação levasse 4 semanas para ser desenvolvida. Trata-se de uma medicação
especial, que é desenvolvida especificamente para cada paciente. O juiz
entendeu ser inconcebível inexistir a medicação a pronta entrega. Isso
aconteceu mesmo com a empresa fabricante (única no Brasil inteiro) atestando
que o período de fabricação levava em torno de um mês.
É verdade que a maioria dos profissionais da saúde
possuiboa intenção em prestar o melhor atendimento para o paciente, mas não
podemos deixar de falar que ainda, infelizmente, há médicos com interesses
ocultos na indicação de determinado procedimento e/ou medicamento. O Conselho
Federal de Medicina já apresentou diversos pareceres proibindo os médicos de
aceitarem o recebimento de vantagem de caráter financeiro de fabricantes de
materiais ou medicamentos, por exemplo, porém, sabemos que isso ainda acontece.
É uma situação extremante delicada e complicada de ser exposta na via
processual.
Também sabemos que muitos profissionais e clínicas
possuem convênio com escritórios de advocacia, fomentando o mercado da ‘judicialização
da saúde’ e a ‘indústria das liminares’.
Liminares de final de semana e casos abusivos
Muitas dessas liminares são concedidas nos finais de
semana pelo juiz de plantão que, sem ter um panorama mais abrangente da
situação, e sentindo-se pressionado, especialmente pela sensibilidade do tema,
aprova os pedidos. E os escritórios de advocacia sabem disso muito bem. É o
caso das liminares para tratamentos de doenças crônicas, que poderiam esperar
para serem tramitadas durante a semana. Aos finais de semanas, apenas casos de
risco de morte deveriam ser julgados.
Existem casos em que a judicialização é pertinente, mas
há muitos outros casos que beiram a excentricidade. Um desses casos aconteceu
na Bahia, quando um plano de saúde foi obrigado a cobrir gastos de tratamento
para obesidade em um spa de luxo para o paciente e para seu acompanhante. Esses
não são problemas restritos à saúde suplementar. Em São Paulo, a saúde pública
já teve que custear achocolatados, água de coco, sabonete íntimo e até remédio
para cachorro.
Temos também os casos de liminares para as medicações de
alto custo – em especial de uso oncológico – cujo resultado ainda não foi
comprovado e que, portanto, não tem liberação da Anvisa. Entretanto, os
médicos, sabendo da existência do medicamento e acompanhando a situação do
paciente, acabam prescrevendo. Os resultados, na maioria dos casos, são apenas
paliativos.
Há, ainda, as terapias alternativas, ou terapias não
convencionais, que também são o ponto X do problema. O diagnóstico de doenças
neurológicas é cada vez maior, entre elas o autismo e as doenças genéticas, que
provocam alterações motoras, comportamentais, de inteligência e do
relacionamento interpessoal. Com isso, surgem novos métodos de tratamentos para
essas patologias que estão sendo chamados de não convencionais. Ou seja, são
tratamentos sem comprovação científica de resultados, com poucos profissionais
capacitados e, como não poderia deixar de ser, custos altíssimos. Muitos juízes
já entenderam que não há comprovação de que os métodos novos possuem mais
eficácia do que os tratamentos convencionais, outros, ainda não.
Exposto o problema é preciso ressaltar também que o plano
de saúde deve ser visto como uma empresa como outra qualquer: com limite de
gastos e necessidade de equilíbrio financeiro. A judicialização da saúde tem
causado uma alteração na relação de equilíbrio entre planos de saúde e
consumidor. Estudos recentes sugerem que o impacto das liminares nos custos do
plano de saúde chega a aumentar a sinistralidade entre 2% a 3%. Os planos de
saúde funcionam à base do mutualismo, ou seja, aumentam os custos, todos
precisam arcar com isso. O alerta se faz necessário pois caso não tenhamos uma
mudança nessa dinâmica, a consequência natural será o repasse desse aumento aos
usuários ou, em casos mais drásticos, o fechamento de muitas empresas de saúde,
em especial as menores.
Esta questão também acontece na saúde pública. Então, a
discussão é importante e urgente. É preciso buscar soluções. No Paraná, existe
um Comitê Executivo Estadual, do Tribunal de Justiça, para monitoramento e
resolução para as demandas de assistência à saúde. O trabalho desse comitê é
colocar todos os envolvidos e interessados no assunto para buscar soluções,
criar normas e protocolos.
Também é preciso investir no preparo dos magistrados,
para que possam tomar uma decisão com mais embasamento, de modo a não
permitirem a indicação desnecessária e abusiva de tratamentos. Está em
negociação um convênio entre o Tribunal de Justiça e a UFPR para utilizar os
profissionais do Hospital de Clínicas para elaboração de pareceres técnicos com
o objetivo de auxiliar os juízes em demandas ligadas, por exemplo, ao
fornecimento de medicamentos ou a tratamentos médicos. É preciso, sempre, ouvir
todas as partes envolvidas.
A arbitragem, ou seja, a busca de um acordo, também
é uma solução possível.
Cadri Massuda - presidente da Abramge-
Associação Brasileira de Planos de Saúde – regional Paraná e Santa Catarina
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