“Poder não é um meio, é um
fim. Não se estabelece uma ditadura para salvaguardar a revolução; a revolução
é feita para salvaguardar a ditadura. O objeto da persecução é persecução. O
objeto da tortura é tortura. O objeto do poder é poder. Agora você começará a
me entender.” George Orwell, 1984.
Ao ler que o STF inicia dentro de dois
dias “audiências públicas” para ouvir opiniões da sociedade sobre aborto,
lembrei-me inevitavelmente de livro “1984”.
O STF começou a legislar e não vai mais parar. E nós, como previu Orwell,
estamos começando a entender.
Haverá
45 exposições orais às quais os senhores ministros estão convidados a
comparecer. Em tese, elas têm por objetivo ajudá-los a firmar convicção sobre o
tema. Mas a pergunta que não quer calar é a seguinte: não é exatamente isso que
o Legislativo, ou seja, o poder localizado no outro lado da praça vem fazendo
através dos anos, realizando audiências públicas e examinando projetos sobre a matéria? Que bis-in-idem, que
repeteco é esse? Ora, o PSOL quer liberar o aborto passando por um atalho que
vai direto à casa do senhor lobo. E o STF, que já não mais esconde os dentes,
acolheu o pedido e decidiu que vai examinar a matéria. Afinal, ele pode fazer
qualquer coisa; seus ministros, pessoalmente, podem tudo; eles são indivíduos
“supremos”, formando um colegiado de supremos.
O leitor deve estar se perguntando se a
tarefa de ouvir a sociedade para definir o que é permitido ou proibido, não
pertence ao Poder Legislativo. Não é ele que elabora a Lei Maior? Não é de sua
competência, estabelecer o Código Penal?
Pois é. Já não nos basta custear as duas
casas do Congresso Nacional para que ambas, salvo excepcionalmente, gastem seu
tempo fazendo as mesmas coisas. Agora devemos submeter-nos, também, a um
terceiro poder legislativo usurpado por 11 pessoas sem mandato popular.
A alegação de que o STF precisa intervir
diante da “omissão dos legisladores” é conduta de má-fé. Um tolo não diz isso e
não há tolos no Supremo. De fato, há décadas tramitam
no Congresso dezenas de
projetos de lei, emendas à Constituição e decretos legislativos dispondo sobre
aborto e direito à vida. O motivo pelo qual não são submetidos ao plenário é
apenas um, suficientemente forte para tudo esclarecer: são iniciativas que não
têm maioria para aprovação e os autores, por isso, não se mobilizam para
inclusão em pauta. Não é que o Congresso “se omita” em votar; é que os
proponentes sabem que perdem e, em muitos casos, apresentam os projetos apenas
para fazer cena. É o mesmo motivo pelo qual os abortistas não propõem um
plebiscito sobre a liberação do aborto: eles sabem que a maioria da opinião
pública é contra. Nas casas legislativas, senhores ministros, não deliberar é,
também, uma deliberação.
Portanto, se removermos a peneira e
encararmos o sol dos fatos, o que os defensores do aborto querem é enfiar uma
legislação genocida, permissiva ao aborto, goela abaixo da sociedade. Querem
uma democracia em que seus minoritários desejos se imponham. A proteção da vida
humana em sua mais inocente e indefesa forma não é uma questãozinha individual
da mulher, como espetar um piercing na língua ou no umbigo. É um tema da
humanidade.
Onde encontrar apoio para absurdas imposições
minoritárias se não no STF dos nossos “supremos”? Quem, mais eficazmente do que
eles, teria poder de resolver o assunto com apenas seis votos?
Percival Puggina -
membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor
e titular do site www.puggina.org,
colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o
totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do
Brasil, integrante do grupo Pensar+.
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