A propagação de escândalos de corrupção nos últimos anos demonstrou que o vício corruptivo, para além de um problema moral, histórico e cultural, também deve ser analisado sob o viés político e institucional. Com efeito, a prática da corrupção extrapola o dano direto provocado à Administração Pública, causando – no mínimo indiretamente – danos a toda coletividade, comprometendo a livre concorrência, a democracia, o comércio, entre tantas outras searas.
Em resposta a uma série de protestos e a compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, assim como compreendendo os múltiplos prejuízos decorrentes da atividade corruptiva e os problemas estruturais envolvidos, já em 2013, o legislador ordinário editou a Lei nº 12.846, conhecida como “Lei Anticorrupção” ou “Lei da Empresa Limpa”, que passou a coibir a prática de atos lesivos à Administração Pública com o estabelecimento da responsabilidade objetiva (isto é, independentemente de culpa) das pessoas jurídicas pela prática de corrupção, com a previsão de sanções que vão desde a aplicação de multa na esfera administrativa e a publicização da decisão condenatória à dissolução compulsória da pessoa jurídica. Ainda, a nova lei incentivou uma verdadeira mudança cultural, disposto que a existência de um programa de integridade e a cooperação da pessoa jurídica com a apuração das infrações seriam critérios para a dosimetria das penas (art. 7º, incisos VII e VIII).
Neste sentido, um programa de integridade pode ser compreendido como um programa de compliance anticorrupção. Em outros termos, trata-se da criação, pela pessoa jurídica, de um sistema interno, que envolva ferramentas, processos e pessoas, com vistas a evitar, identificar e remediar a prática de atos lesivos à Administração Pública tipificados na Lei nº 12.846/13.[1]
Tempos depois, em mais um louvável avanço no combate à corrupção e em sintonia com a legislação nacional anticorrupção, alguns entes federativos passaram a exigir a implementação de programas de integridade pelos seus contratados. Não se trata de apenas incentivo à adoção deste sistema de controle – como fez a legislação federal de 2013 – mas de verdadeira obrigação contratual.
Pioneiramente, a Lei estadual nº 7.753, de 17 de outubro de 2017, do estado do Rio de Janeiro, em seu art. 1º, passou a estabelecer a “exigência do Programa de Integridade às empresas que celebrarem contrato, consórcio, convênio, concessão ou parceria público-privado com a administração pública direta, indireta e fundacional do Estado do Rio de Janeiro, cujos limites em valor sejam superiores ao da modalidade de licitação por concorrência (...) e o prazo do contrato seja igual ou superior a 180 (cento e oitenta) dias”.
Segundo a legislação, a pessoa jurídica terá o prazo de 180 (cento e oitenta) dias corridos para efetivar a implementação de seu programa de integridade, sob pena de multa diária (art. 6º) e impossibilidade de contratação com o ente federativo até sua regularização (art. 8º).
Semelhantemente, o artigo 1º da Lei distrital nº 6.112, de 02 de fevereiro deste ano, passou a prever a “obrigatoriedade de implementação do Programa de Integridade em todas as empresas que celebrem contrato, consórcio, convênio, concessão ou parceria público-privada com a Administração Pública do Distrito Federal, em todas as esferas de Poder, cujos limites de valor sejam iguais ou superiores aos da licitação na modalidade tomada de preço (...) e o prazo do contrato seja igual ou superior a 180 dias”.
O diploma também determina a aplicação de multa diária pelo descumprimento da obrigação (art. 8º), sendo este também fundamento para a rescisão motivada do contrato administrativo (art. 10).
Esta nova exigência contratual não é um movimento isolado. Trata-se, em verdade, de tendência de mercado, sobretudo após a edição do Estatuto das Empresas Estatais (Lei nº 13.303/16), que traz diversas normativas de governança e compliance a serem observadas pelas empresas públicas e sociedades de economia mista de todos os entes federados, e após a publicação do Decreto nº 9.203/17 que, em seu artigo 19, obriga aos órgãos, autarquias e fundações públicas federais providenciarem a instituição de programas de integridade, em irrefutável fomento a uma cultura de compliance público.[2]
Nesta conjuntura, válido registrar que, a exemplo das leis fluminense e distrital, a Portaria nº 877/18 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, também passou a exigir a instituição de programas de integridade pelos seus contratados, sob pena de renúncia ao direito subjetivo à prorrogação contratual (arts. 1º e 7º).
As empresas que possuem relacionamento com o Poder Público devem estar preparadas para cumprir todas as exigências legais para assinatura dos contratos administrativos – dentre as quais agora se inserem os programas de integridade.
A nova obrigação revela-se muito acertada. Programas de compliance efetivos, por envolveram principalmente pessoas – além de processos e ferramentas, têm a capacidade de alterar a cultura dos stakeholders e, por via de consequência, suas condutas. Sendo a corrupção um problema estrutural e endêmico, a implementação de programas de compliance anticorrupção efetivos parece ser o antídoto adequado para alterar a realidade nacional.
Rafael Sgoda Tomazeti - Advogado associado
à Amaral, Yazbek Advogados, responsável pelo núcleo de compliance. Graduado em Direito
pelo UniBrasil - Centro Universitário Autônomo do Brasil, tendo sido laureado
com o título de melhor aluno do Curso de Direito. Pós-graduando em Compliance e Integridade
Corporativa pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas).
Foi pesquisador pelo Mirante Constitucional/UniBrasil - Observatório de Direito
Constitucional a partir da imprensa.
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