No último dia 30, naquele
horário em que se apagam luzes e televisores e se intensifica a atividade dos
cabarés, saqueadores do Brasil transformaram um pacote de medidas contra a
corrupção no oposto daquilo para o que foi concebido. Aves de rapina! Fizeram
de um colibri algo à sua imagem e semelhança.
É fácil entendê-los. Quatro perguntas ao
leitor destas linhas ajudam a esclarecer tudo. Você, leitor, tem medo da Lava
Jato, do juiz Sérgio Moro, de passar uma temporada em Curitiba? Você está
preocupado com a delação da Odebrecht? Não? Pois é. Eles sim. Eu os vi
esganiçados aos microfones naquela sessão da Câmara dos Deputados. Destilavam
ódio e vingança. Comportavam-se como membros da Camorra, da Cosa Nostra, da Máfia
italiana. Sua conduta e seus discursos faziam lembrar animais encurralados. O
pacote pró-corrupção foi um apavorado filho do medo.
Não é diferente a situação no poder
vizinho. Mal raiara o sol, na manhã daquele mesmo dia, Renan Calheiros já
cobrava a urgente remessa da encomenda para o protocolo do Senado. Queria votar
tudo em regime de urgência e agasalhar-se com o mesmo cobertor legislativo.
Aprovado em modo simbólico, o pacote só não foi adiante porque alguém cobrou
que o voto fosse nominal. Nominal? Imediatamente abaixaram-se os braços e o
plenário optou pela rejeição. Ouvido, Renan, o hipócrita, afirmou que a decisão fora muito boa e que a
matéria não tinha, realmente, urgência.
Após o impeachment da presidente Dilma,
esse foi, certamente, o episódio político de maior consequência para o futuro
do Brasil. Ele noticiou à opinião pública dois fatos que, antes, seria
impossível conhecer em toda extensão:
· A
Orcrim, que constitui, no Congresso, verdadeira e atuante Frente Parlamentar do
Crime, tem ampla maioria da Câmara dos Deputados, onde aprova o que quer;
·
Os
mesmos deputados, que tanto clamam contra os "vazamentos" de
informações que os comprometem, vazaram a si mesmos, tornando conhecido seu
desejo pessoal de conter as investigações, atacar os investigadores, acabar com
as colaborações premiadas, preservar anéis e dedos. Entregaram-se, todos, ao
juízo dos eleitores para o tribunal das urnas de 2018.
Agora podemos dizer a suas excelências que
sabemos quem são e estamos vendo o que fazem. Agir assim numa crise como a que
enfrentamos? Convenhamos. Depois da crise, vem o caos. E ninguém sabe o que há
depois do caos. A Venezuela ainda não nos mostrou.
Escrevo este artigo durante as manifestações populares deste
domingo 4 de dezembro. Enquanto escrevo, os poderes de Estado, em suas
poltronas, assistem a manifestação do Brasil cuja indignação não é postiça nem
indigna. Os cidadãos que lotam avenidas e praças em verde e amarelo, falando
com seus cartazes e alto-falantes, são, em seu conjunto, a voz do dono. São a
manifestação visível e audível da soberania popular.
Percival Puggina - membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
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