Brasil lidera as
primeiras colocações dentre os países mais afetados pelo esgotamento; médico
especialista em Medicina Ocupacional explica sintomas, causas e como as
companhias podem evitar que seus funcionários adoeçam mentalmente
Incluída desde janeiro de 2022 na 11ª Revisão da
Classificação Internacional de Doenças (CID-11) como uma doença do trabalho, o Burnout
virou uma espécie de epidemia no Brasil. O manual da Organização Mundial da
Saúde (OMS) descreve a doença como um “estresse crônico no ambiente de trabalho
que não foi bem manejado”.
De acordo com o Instituto Nacional do Seguro Social
(INSS), a síndrome afastou 421 brasileiros do trabalho em 2023. A título de
comparação, houve um aumento de quase 20% na comparação com 2022, quando 353
pessoas receberam o auxílio-doença por causa do esgotamento.
Os números do ano passado ficam ainda mais
preocupantes quando comparados a longo prazo. Em 2014, quando muito
provavelmente os casos estavam subnotificados, 41 trabalhadores foram afastados
das atividades, o que demonstra um aumento de 926% dos casos entre 2014 e 2023.
Segundo a International Stress Management
Association (ISMA), 30% dos profissionais brasileiros sofrem de Burnout. A ISMA
ainda identificou em pesquisas que em 2021, o Brasil chegou a ocupar a segunda
colocação no mundo com o maior número de casos de esgotamento, atrás somente do
Japão.
Brunna Adauto, que é tecnóloga em Alimentos, foi
uma das brasileiras afastadas do trabalho em 2023 devido ao Burnout. Ela lembra
que atuava em um ambiente em que faltava uma boa estrutura hierárquica e que
por causa disso vários dos projetos acabam sobrando para ela.
Além de uma autocobrança para “dar conta” de tudo,
ela sofria com a falta de reconhecimento e relações tóxicas com superiores.
Todos os problemas eram potencializados pelas extensas horas-extras e escala
seis por um em que ela atuava, onde só folgava no domingo.
“Eu só fui perceber um tempo depois, já que até me
afastei de amigos e família, mas comecei a sentir todos os sintomas do Burnout.
Incluindo cansaço físico e mental, stress, irritabilidade, medo e um desânimo
muito grande até para fazer as coisas que eu gostava. Eu me sentia derrotada e
fracassada todos os dias”, relata.
Brunna diz que sua terapeuta, amigos e família foram
essenciais para a sua recuperação e tratamento. Além disso, ela defende que
conseguiu retomar a vida depois de sair da antiga empresa.
O doutor Marco Aurélio Bussacarini, especialista em
Medicina Ocupacional pela USP e CEO fundador da Aventus Ocupacional, empresa
que realiza Gestão em Saúde e Segurança Ocupacional, explica que o Burnout é
uma doença relacionada exclusivamente ao esgotamento no trabalho, mas que
existem outros transtornos laborais.
“O Burnout é uma doença psíquica bastante séria que
pode ser acarretada por questões como estresse crônico, sobrecarga de trabalho,
falta de reconhecimento, assédio moral/sexual e outras questões no ambiente
corporativo. Tudo isso pode acabar acarretando depressão, ansiedade e
Transtorno de estresse pós-traumático (TEPT)”, por exemplo.
Importância do debate de saúde
mental no trabalho
Para aumentar a consciência principalmente de
empregadores sobre como ambientes de trabalho disfuncionais causam riscos à
saúde mental, o Governo Federal realizou uma importante ação.
No último mês de julho, a Comissão Tripartite
Paritária Permanente (CTPP), do Ministério do Trabalho e Emprego, atualizou o
Capítulo 1.5 da Norma Regulamentadora (NR-01). A NR-01 é uma norma que
estabelece diretrizes para gerenciar riscos ocupacionais em empresas que são
regidas pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Com o novo texto, pela primeira vez a NR-01 prevê a
identificação de riscos psicossociais no ambiente corporativo. O objetivo da
nova redação é melhorar a promoção de ambientes de trabalho seguros e saudáveis
para os trabalhadores.
Marco Aurélio Bussacarini elogia a medida e
considera essencial o novo tratamento a um tema tão importante como a saúde
mental no ambiente corporativo. De acordo com ele, a vivência do ambiente de
trabalho pode ter um papel significativo tanto na proteção quanto no detrimento
da saúde mental dos empregados.
“Um trabalho decente pode apoiar a saúde mental ao
oferecer meios de subsistência, um sentido de propósito e realização, além de
oportunidades para relacionamentos positivos e inclusão em uma comunidade”,
argumenta.
O especialista cita que locais ruins de trabalho
com problemas como discriminação ou desigualdade entre funcionários, sobrecarga
de trabalho, insegurança em relação ao emprego e outras questões apresentam
riscos de deterioração para a saúde mental.
“Esses fatores podem aumentar a tensão e os
conflitos no trabalho, reduzir a retenção de funcionários e afetar
negativamente o desempenho”, acrescenta.
Quais ações as empresas podem
tomar para prevenir problemas psíquicos?
Além da degradação integral da saúde, do
esfacelamento das relações sociais, da destruição de planos e em alguns casos
até a morte por causa de pensamentos suicidas, o adoecimento por questões de
saúde mental traz grandes prejuízos econômicos para o país.
De acordo com pesquisa da gerência de Economia e
Finanças Empresariais da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais
(Fiemg), problemas psíquicos chegam a causar um “rombo” de R$ 282 bilhões por
ano no Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil. O número representou cerca de
4,7% do PIB do país em 2022.
No mesmo levantamento, chamado de “Os Custos
Econômicos dos Transtornos Mentais”, ficou constatado que as empresas chegam a
ter perda de R$ 397,2 bilhões por ano em faturamento pelo adoecimento de
funcionários.
O doutor Marco Aurélio Bussacarini destaca que as
companhias precisam se conscientizar sobre a seriedade do problema e a
importância de realizar ações de prevenção de riscos psicossociais.
Ele diz que a promoção da saúde mental no ambiente
executivo e um apoio concreto aos trabalhadores pode efetivamente contribuir
com a melhora da qualidade de vida dos brasileiros.
“Isso pode ser alcançado através de um ambiente de
trabalho seguro e saudável, políticas claras de não discriminação, e suporte
adequado para os funcionários enfrentarem desafios de saúde mental”,
exemplifica.
Ele cita que o país tem grandes desafios no
assunto, mas que nos últimos anos foram promovidas melhorias. Dentre elas estão
as atualizações da NR-17, que desde 2022 atribui mais responsabilidades aos
funcionários que integram a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e de
Assédio (CIPA).
Há dois anos, os colaboradores do grupo devem
receber capacitação que proporcione conhecimento sobre as formas de adoecimento
relacionadas à sua atividade. Eles devem receber e passar informações não
somente sobre a saúde física, mas a saúde mental.
E em lembrança ao Setembro Amarelo, o especialista
em Medicina Ocupacional ainda cita ações de prevenção que os executivos das
empresas brasileiras podem adotar para combater a deterioração da saúde mental
dos trabalhadores:
- Promova
a conscientização sobre saúde mental por meio de workshops e seminários
que abordem temas como estresse, depressão e prevenção de suicídio;
- Treine
a lideranças e gestores a reconhecer sinais de alerta de saúde mental;
- Crie
um ambiente de suporte desenvolvendo uma cultura organizacional que
promova a abertura e aceitação de discussões sobre saúde mental;
- Ofereça
acesso a serviços de saúde mental, como terapia e aconselhamento, através
de programas de assistência ao empregado (PAE);
- Promova
atividades de redução de estresse como aulas de meditação, yoga e
ginástica laboral;
- Inclua
em planos de resposta a crises um apoio a funcionários que possam estar
passando por crises psicológicas ou emocionais;
- Crie
e distribua materiais informativos sobre saúde mental como e-mails,
publicações em rede sociais, pôsteres e cartazes;
- Ofereça
treinamento em primeiros socorros psicológicos;
- Crie
espaços seguros e de conversas em que os funcionários possam falar
abertamente sobre suas lutas com a saúde mental sem julgamento ou pressão;
- Implemente
ações práticas como pausas no trabalho e dias de folga para proteger a
saúde mental;
- Promova
e incentive um estilo de vida saudável através de desafios de bem-estar,
competições de passos, seminários de nutrição e exercícios físicos.
“As medidas não só ajudam na prevenção de
suicídios, mas também contribuem para a criação de um ambiente de trabalho mais
saudável e produtivo, onde os funcionários se sentem valorizados e apoiados”,
finaliza o doutor Marco Aurélio Bussacarini.
Dr. Marco Aurélio Bussacarini - Graduado em Medicina pela UNICAMP e especialista em Medicina Ocupacional pela USP, Marco Aurélio Bussacarini é médico, empreendedor e especialista em administração hospitalar e gestão de empresas, com um histórico robusto tanto no setor público quanto privado. Sua carreira inclui experiências significativas como gestor de saúde no Ministério da Saúde e liderança em várias iniciativas no setor privado, incluindo a fundação e direção de cooperativas médicas e de crédito. Ele é fundador e CEO da Aventus Ocupacional.
Aventus Ocupacional