Relacionamentos amorosos que florescem no ambiente de trabalho podem apresentar desafios e pontos positivos
As costuras entre
vida profissional e pessoal podem ganhar contornos complexos quando um universo
se mistura ao outro em arranjos de maior intimidade. Entre uma tarefa e outra,
um bolo para celebrar o aniversário de um colega, uma pausa para o café na copa
e confraternizações em datas especiais, amizades florescem, casais se formam e
relacionamentos extra-trabalho se consolidam. Na vida adulta, o local de
trabalho, frequentemente, se materializa como um dos principais espaços de
descoberta e manutenção de laços afetivos. Não é de se estranhar:
habitualmente, trabalhadoras e trabalhadores passam nele mais de 40 horas
semanais de suas vidas.
Segundo um
levantamento da Sociedade para Gestão de Recursos Humanos (SHRM) dos Estados
Unidos, 49% dos trabalhadores norte-americanos revelaram ter tido um “crush”
por alguém no trabalho no último ano; 21% tiveram um encontro com colega de
trabalho, enquanto 11% deram “match” com colegas em aplicativos online de
namoro.
Ainda de acordo
com a SHRM, as relações no local de trabalho contribuem para resultados
positivos, incluindo motivação, sentimento de pertencimento e compromisso com a
empresa. Dados da organização apontam que 74% das pessoas entrevistadas que já
tiveram relacionamentos amorosos no contexto profissional afirmaram que a
relação valeu a pena.
Direito à
privacidade e à intimidade
A pesquisa da SHRM
também revela que a maioria da classe trabalhadora norte-americana (64%) não
acredita que as organizações devam ter políticas que proíbam romances no ambiente
profissional. No entanto, 78% acham que as empresas deveriam fornecer
orientações sobre como lidar com essa situação.
Para o ministro
Agra Belmonte, do Tribunal Superior do Trabalho, todas as pessoas têm direito à
preservação da intimidade da vida privada, ou seja, do resguardo à indiscrição
alheia – direito inviolável, nos termos do artigo 5º, inciso XI, da
Constituição.
“A invasão
presencial ou virtual da vida privada da pessoa, de seu relacionamento
familiar, do tipo de amizades que mantém e dos lugares que frequenta ensejam a
caracterização de dano moral”, afirma. “O mesmo ocorrerá se houver
interferência ou proibição do relacionamento íntimo com pessoa que trabalhe na
mesma empresa, tentativas de coibir as preferências sexuais do empregado ou
atos atentatórios à liberdade de associação”.
A Consolidação das
Leis do Trabalho (CLT) também não especifica regras relacionadas diretamente a
relacionamentos amorosos entre colegas de trabalho. Muitas organizações, porém,
adotam políticas internas sobre a questão, que pode esbarrar em conflitos de
interesse, assédio sexual e má conduta profissional. Essas políticas variam de
uma empresa para outra, mas buscam, primordialmente, a criação e a manutenção
de um espaço de trabalho saudável e profissional.
Boas práticas
Para a advogada de
compliance Késsya Curvo, o ideal é que as organizações elaborem e divulguem
amplamente seus códigos de conduta. “Não há uma proibição legal ou
constitucional para relacionamentos entre colegas, mas um comportamento ético
deve ser adotado por todos da organização, especialmente por quem ocupa cargos
mais altos e é porta-voz da imagem e responsável por divulgar e zelar pelo
comportamento ético da empresa”, alerta.
A advogada reforça
que, no caso de cargos de alto nível, como presidência e vice-presidência, a
depender do cenário e da gravidade do desvio ético, é cabível, inclusive,
demissão por justa causa. “Um porta-voz tem obrigação de conhecer e representar
o ideal da imagem ética da organização. Logo, se o código de conduta prevê, por
exemplo, que não deve haver relacionamento amoroso entre chefia e subordinado
ou subordinada de um mesmo setor, o descumprimento e a falta de comunicação
poderá ser considerado uma falta ética grave. Nestes casos específicos, pela
própria natureza do cargo, é possível que a penalidade seja conduzida com mais
rigidez”, observa.
Já no caso dos
demais cargos, Késsya avalia que, em geral, basta o relacionamento amoroso ser
reportado ao setor de Recursos Humanos. “É uma boa prática que reforça a
intenção de transparência e a boa condução das atividades profissionais,
evitando, por exemplo, conflitos de interesse e má gestão de processos
internos”, pontua.
Casais podem
tirar férias juntos
Recentemente, a
Seção Especializada em Dissídios Coletivos (SDC) do Tribunal Superior do
Trabalho rejeitou a pretensão da Empresa de Gestão de Recursos do Estado do
Piauí S/A (Emgerpi) de excluir uma cláusula do dissídio coletivo que previa a
concessão de férias conjuntas a casais de empregados.
De acordo com a
cláusula, a empresa deveria conceder férias conjuntas ao casal empregado da
empresa, “no mesmo período ou em outro, a critério dos interessados, desde que
requisitado por eles". Ao examinar o recurso da empresa, o colegiado
apenas excluiu do texto a previsão de que as férias seriam concedidas “a
critério dos interessados”, uma vez que a decisão sobre as férias é ato do
empregador, e não exclusivamente dos empregados.
A relatora, ministra Maria Cristina Peduzzi, lembrou que, ao julgar recurso do dissídio anterior (2020), a SDC já havia decidido que a cláusula prevendo as férias conjuntas apenas reforça um dever já previsto na lei. A reprodução da norma da CLT na sentença normativa amplia a segurança jurídica nas relações de trabalho e não extrapola os limites do poder normativo.
Silvia Mendonça - CF