Resultados obtidos por pesquisadores da USP de Ribeirão Preto revelam a qualidade dos óleos voláteis de plantas cultivadas em clima tropical, trazendo resultados importantes para o ramo cervejeiro
Quase a totalidade do lúpulo (Humulus
lupulus L., família Cannabaceae) utilizado no Brasil para a fabricação de
cerveja é importado especialmente da Alemanha e dos Estados Unidos, países que
dominam esse mercado. Por muito tempo pensou-se que o cultivo da planta só
seria possível nas condições ambientais do hemisfério Norte, já que a espécie é
nativa do clima temperado. No entanto, um grupo de pesquisadores da
Universidade de São Paulo (USP) tem testado a viabilidade da produção no Estado
de São Paulo, obtendo resultados promissores.
Um experimento publicado no European
Journal of Agronomy testou quatro cultivares de lúpulo (três
norte-americanos e um europeu) durante dois anos e dois deles (Cascade e
Chinook, ambos norte-americanos) se desenvolveram de forma satisfatória, de
acordo com parâmetros fisiológicos e de crescimento.
Atualmente sabe-se que, além da temperatura, a incidência de luz também influencia diretamente a produtividade dos cones – nome popular dado à principal parte comercializada da planta – já que o verão do hemisfério Norte garante cerca de 16 horas diárias de luz natural. No Brasil, são até 14 horas, problema contornado com a instalação de placas de iluminação artificial para ampliar o período luminoso. São nesses cones – inflorescências – que se encontram as estruturas produtoras de lupulina, secreção onde os compostos de interesse do lúpulo são encontrados.
Período de luminosidade influencia diretamente a produtividade
dos cones, que são as inflorescências onde se encontram
as estruturas produtoras de lupulina
(foto: acervo dos pesquisadores)
Financiado pela FAPESP (projetos 19/01486-0 e 19/11175-2), o estudo envolveu as faculdades de Ciências Farmacêuticas (FCFRP) e a de Filosofia, Ciências e Letras (FFLCRP) da USP de Ribeirão Preto e o Institute for Plant and Food Research, da Nova Zelândia.
Com o resultado promissor sobre
os cultivares Cascade e Chinook, parte do grupo de pesquisadores se dedicou a
aprofundar os conhecimentos sobre eles e analisou os compostos de seus óleos
voláteis por cromatografia gasosa. Os resultados foram divulgados na revista Química
Nova.
“Comparamos os óleos de lúpulos
produzidos em Ribeirão Preto com os de outros locais e concluímos que possuem
os principais constituintes químicos encontrados no material comercial, em
especial a partir do segundo ano de cultivo. Trata-se de um estudo inédito, que
traz resultados importantes para a indústria cervejeira e produtores
nacionais”, destaca Fernando Batista da Costa,
professor da FCFRP-USP.
“Em conjunto, os estudos
revelam aspectos importantes para os produtores: do ponto de vista fisiológico,
após dois anos de experimento, concluímos que é viável cultivar lúpulo nas
condições climáticas tropicais de São Paulo, pois a planta apresentou boa
resposta, como fotossíntese e presença de enzimas antioxidantes, incluindo a
produtividade de cones”, ressalta Costa.
O pesquisador explica ainda
que, do ponto de vista químico, nos dois trabalhos ficou evidente que as
substâncias importantes para o amargor (ácidos amargos), aroma e sabor (óleos
voláteis) da cerveja estavam presentes. Ainda que no primeiro ano de cultivo as
concentrações dessas substâncias estivessem abaixo da média, houve melhora
significativa no segundo ano, “levando a crer que, com o passar dos anos, deve
ocorrer um aumento gradual, o que é comum para essa planta”, diz.
Óleos
voláteis
Os óleos voláteis do lúpulo
contribuem com o aroma e o sabor da cerveja e sua composição envolve mais de
mil substâncias diferentes, que dependem de fatores como genética da planta e
condições de crescimento e secagem após a colheita.
O grupo de Costa verificou a
composição química e o teor de óleo volátil dos dois cultivares plantados em
Ribeirão Preto, comparando quali e quantitativamente com seus equivalentes de
lotes comerciais. As substâncias foram extraídas e depois analisadas por
cromatografia gasosa acoplada à espectrometria de massas. Os resultados
mostraram que quase 40% da amostra apresentou teor de óleo volátil dentro da
faixa esperada.
Nas constatações, viram que o
tipo de lúpulo utilizado pode ter um impacto até maior nas características
sensoriais da cerveja do que a origem geográfica da planta. Isso porque houve
mais diferença entre os perfis químicos de lúpulos de cultivares distintos
(atualmente são mais de cem) do que na comparação entre os brasileiros e os
comerciais do mesmo cultivar – Cascade e Chinook.
“Este foi também o primeiro
estudo a mostrar a comparação entre lúpulos coletados em diferentes anos no
Brasil, fornecendo uma contribuição significativa para a química de óleos
voláteis de lúpulo”, dizem os autores. As mudas foram transferidas para o campo
de cultivo em 2019, e as coletas dos cones durante a floração em 2020 e 2021.
Outra questão importante para a
pesquisa desse ramo é a avaliação sensorial dos consumidores. Assim, para
entender melhor se o perfil aromático dos lúpulos cultivados em Ribeirão Preto
tinha a mesma aceitação que os importados, conduziram um experimento de
degustação com cem consumidores.
O estudo foi publicado na International
Journal of Wine Business Research e envolveu também pesquisadores da
FCFRP-USP e da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão
Preto (Fearp-USP). Dois pesquisadores da FCFRP ficaram responsáveis por
produzir a cerveja com lúpulo Cascade e Chinook de Ribeirão Preto e o lúpulo equivalente
importado dos Estados Unidos, num total de quatro lotes, com um único estilo de
cerveja, e os pesquisadores da Fearp ficaram responsáveis por elaborar os
questionários aos consumidores e analisar os resultados.
“É o primeiro artigo publicado
com cerveja artesanal elaborada com lúpulo cultivado no Brasil e mostra que a
origem do lúpulo afeta a avaliação sensorial e hedônica dos participantes”,
apontam os autores. Felizmente, com bons resultados para o produto nacional.
As amostras produzidas com
lúpulo cultivado localmente, no estudo, receberam
pontuações mais altas na avaliação dos consumidores. “Por meio de avaliação com
escala de respostas e sensorial [aroma e sabor] da cerveja artesanal produzida
utilizando lúpulo cultivado no campus da USP em Ribeirão Preto versus cerveja
com o lúpulo equivalente vindo dos EUA os consumidores deram notas melhores às
cervejas produzidas com lúpulo nacional”, destaca Costa, que aponta que as
mulheres foram mais sensíveis às informações de origem, apresentando diferenças
em relação à secura/adstringência, amargor e refrescância. “Esses resultados,
se forem levados em consideração pelos nossos fabricantes, poderão direcionar a
produção de novas cervejas de acordo com as preferências do consumidor”, diz.
Algumas limitações devem ser
levadas em consideração, ressalta o grupo. Entre elas, o fato de existir
características relevantes relacionadas ao consumidor que afetam a avaliação
sensorial, como cultura, idade, percepção de renda e até mesmo diferenças na
preferência alimentar. Porém, o grupo segue otimista com estudos futuros. “Uma
vez que concluímos ser possível cultivar lúpulo em nossa região, estamos
investigando o conteúdo do interior dos tricomas glandulares de inflorescências
de lúpulo, ou seja, os locais onde estão armazenadas as substâncias importantes
para o sabor e aroma da cerveja. Se tais substâncias realmente forem produzidas
ali, o resultado será relevante para os produtores, que poderão direcionar mais
cuidados e atenção para essas pequenas estruturas”, finaliza Costa.
O artigo Exploring the
tropical acclimation of European and American hop cultivars (Humulus lupulus
L.): Focus on physiology, productivity, and chemical composition pode
ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S1161030123002587.
O artigo The impact of
hop origin information on the sensory and hedonic evaluation of highly involved
consumers of craft beer pode ser lido em: www.emerald.com/insight/content/doi/10.1108/IJWBR-02-2023-0010/full/html.
O artigo Análise dos
óleos voláteis de lúpulo (Humulus lupulus L.) Cascade e Chinook cultivados sob
clima tropical no Estado de São Paulo está acessível em: http://dx.doi.org/10.21577/0100-4042.20230109.
Ricardo Muniz
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/estudos-atestam-a-viabilidade-da-producao-de-lupulo-no-estado-de-sao-paulo/50602