Muito se tem discutido sobre a reindustrialização do Brasil. Uma pesquisa recente da FGV IBRE – Instituto Brasileiro de Economia, indica uma queda de aproximadamente 1% ao ano na produtividade da indústria de transformação nas últimas três décadas. A participação brasileira na indústria global caiu quase pela metade nos últimos 20 anos. Um exemplo claro evidenciado pelo setor farmacêutico que, na década de 1980, produzia 55% dos insumos que utilizava. Já em 2020, este percentual caiu para 5%.
A reindustrialização do país clama por várias
reformas estruturais com o objetivo de restabelecer a competitividade e a
produtividade da nação – o que, de fato, requer uma política de estado bem
elaborada e uma visão estratégia de longo prazo. Reformas, tais como a
tributária, administrativa e política, são essenciais e precisam ser
aceleradas. Além disso, o país necessita avanços significativos na educação,
qualificação técnica, adoção de novas tecnologias (indústria 4.0),
infraestrutura & logística e mais acesso a capital.
Assim como no Brasil, mas também em muitos países
em desenvolvimento, a solução não é apenas financeira. Mas, sim, em colocar
maior foco no aumento da produtividade e na forma como se organiza e aloca mão
de obra e recursos financeiros. Se o Brasil melhorasse a sua produtividade e
acertasse a política fiscal (controle e disciplina nas contas públicas), teria
muito mais acesso a capital para financiar o seu crescimento, seja com recursos
de investidores domésticos e/ou estrangeiros.
Um dos pilares para a melhoria de produtividade e
competividade do país, certamente, passa pela questão da segurança e transição
energética. Neste ponto, a produção de gás natural tem uma posição estratégica
e de destaque, pois, além de contribuir de forma significativa com estes temas,
pode aumentar estes atributos em setores da economia, especialmente se ofertado
em quantidades adequadas e a preços competitivos. Portanto, existe um senso
comum no mercado de que o gás natural pode ter grande relevância como vetor de
desenvolvimento econômico e reindustrialização do Brasil.
Mas, como aumentar a oferta de gás natural no
curto/médio prazo com preços competitivos? Antes, é importante mencionar que o
desenvolvimento de um mercado de gás natural aberto, dinâmico e competitivo, é
complexo e pode levar décadas, à exemplo do que vem enfrentando a União
Europeia para estabelecer um mercado com estas características.
No Brasil, é ainda mais complexo, em função das
limitações na oferta doméstica e a posição do agente dominante. A maior parte
do gás natural, cerca de 83%, é produzido pela Petrobras, na região do polígono
do pré-sal – ou seja, necessita investimentos vultosos em infraestrutura de
escoamento da produção por estar longe do continente, em águas profundas e/ou
ultra profundas.
Além disso, é importante lembrar que a maior parte
do gás natural produzido no pré-sal é associado ao petróleo e tem grande teor
de gás carbônico (CO2).Assom portanto, para ser utilizado e/ou reinjetado,
necessita ser tratado nas unidades de produção em alto mar e/ou unidades de
processamento de gás natural (UPGNs) em terra.
Segundo boletim de produção da ANP (Agência
Nacional de Petróleo), de maio de 2023, a produção doméstica cresceu próximo de
9,6% se comparado ao mesmo mês do ano anterior, atingindo o volume de 144,4
Mm3/dia, sendo que a reinjeção também cresceu e no mesmo período atingiu cerca
de 74,9 Mm3/dia, resultando em uma oferta líquida nacional de cerca de 51
Mm3/dia. Para fazer frente à demanda nacional, na ordem 70 Mm3/dia, o país
importa um volume de 15-18 Mm3/dia de gás da Bolívia (via GASBOL) e o restante
através dos terminais de GNL (Gás Natural Liquefeito).
Sendo assim, a oferta de gás natural para o sistema
é bastante limitada pela necessidade de reinjeção, pela posição dominante da
Petrobras e pela dependência da importação. O resultado é que a demanda
industrial se encontra praticamente estagnada há duas décadas, na ordem de
40-43 MMm3/dia – este número inclui o consumo nas refinarias e fábricas de
fertilizantes nitrogenados.
Desta forma, para que o gás natural se torne
efetivamente um vetor de desenvolvimento econômico e de reindustrialização, é
necessário que haja um aumento da oferta de gás a preços competitivos e que se
defina melhor a contribuição da Petrobras neste novo mercado. A posição dominante
da empresa nos diversos elos da cadeia pode inibir novos investimentos, novos
entrantes e desacelerar o processo de transformação do setor.
O que fazer para melhorar a oferta de gás natural
no curto/médio prazo? Certamente, o principal foco poderia ser o aumento da
oferta de gás natural proveniente do pré-sal. A questão não é simples, pois
envolve impacto na produtividade dos campos e captura CO2 através da reinjeção
de gás natural, além da necessidade de se concluir e/ou desenvolver rotas de
escoamento da produção para o continente.
Adicionalmente, existe a necessidade de continuar
desenvolvendo políticas públicas e incentivos para aumentar a produção de gás
natural convencional e não convencional (shale gas) no onshore
e do biogás, pois todas estas fontes podem significar contribuições importantes
para o aumento da oferta doméstica, gerando preços mais competitivos.
Outra questão fundamental diz respeito ao
posicionamento da Petrobras neste contexto. Em meados de 2019, a empresa firmou
com o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), um termo de cessação
de conduta (TCC) com o objetivo de possibilitar a criação de um mercado mais
aberto, dinâmico e competitivo nos diversos elos da cadeia. Importante destacar
que a Petrobras, de fato, ainda exerce o monopólio em diversos segmentos do
mercado. Portanto, resta entender qual será o direcionamento do CADE nesta
questão, já que, recentemente, a empresa manifestou interesse em rever os
termos do TCC firmado.
As iniciativas de longo prazo também são de vital
importância para a transformação do mercado de gás natural e a continuidade no
fluxo de novos investimentos. Por exemplo, intensificar a exploração e produção
de petróleo em novas fronteiras (como a Margem Equatorial), a revisão do marco
legal do licenciamento ambiental e novos investimentos em infraestruturas e
logística essenciais – tais como incentivos para ampliação da malha dutoviária,
novas rotas de escoamento da produção, unidades de tratamento (UPGNs), além de
terminais de GNL para facilitar a importação – contribuindo de forma
significativamente para o aumento da oferta de gás natural a preços
competitivos.
O Governo também estuda a possibilidade implementar
a troca de óleo da União por gás natural, através da PPSA-Pré-Sal Petróleo SA,
em um programa de gas release, onde a Petrobras renunciaria parte dos volumes
comercializados para prover maior liquidez ao mercado. Porém, sabe-se que estas
iniciativas são complexas e de difícil operacionalização, de forma que, apesar
de serem iniciativas importantes, não devem contribuir para a solução do
problema no curto prazo.
O Brasil reúne todas as condições e possui uma
enorme diversidade de recursos energéticos que, se bem orquestrados e
utilizados, podem oferecer uma grande vantagem competitiva e estratégica em
relação a outros países, contribuindo de forma decisiva para acelerar a
retomada do crescimento econômico e a reindustrialização do país.
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