O dia 5 de maio é considerado o Dia
Nacional do Uso Racional de Medicamentos, e o fenômeno do uso de drogas
psiquiátricas, as “pílulas mágicas" sem escrutínio cresce cada vez mais
para pessoas que buscam performance para estudar, trabalhar ou até mesmo para
ficarem acordadas em festas.
Procuramos os especialistas da Allure
Presses (@allurepresses)
para entender melhor esse aspecto de viver com o consumo desses medicamentos.
Os medicamentos antidepressivos ou
descritos para TDAH, compulsão alimentar, são medicamentos prescritos com base
em evidências que podem ajudar as pessoas a se sentirem melhor. Pode levar a
algumas tentativas e erros para encontrar o medicamento certo para você porque
alguns funcionam de maneira diferente de outros, mas a chave para encontrar a
opção para você é tomar qualquer medicamento prescrito exatamente como indicado
pelo seu médico. Confira:
Uso para melhora
da performance mental:
Alexandre Lucidi (@alucidi) - médico
geneticista, atuante em Neurogenética e Neuroimunologia, diz
que medicações psicoestimulantes como o metilfenidato e modafinil são usadas há
décadas para tratar condições como o déficit de atenção e a narcolepsia.
Entretanto, estudos relatam uso como uma droga recreativa e intoxicações agudas
e fatalidades envolvendo o metilfenidato foram relatadas.
A rápida expansão dos análogos destas
substâncias no mercado de medicamentos nos últimos anos torna provável a
ocorrência de intoxicações e fatalidades. O monitoramento cuidadoso e o
controle sistemático das prescrições devem ser realizados para aumentar a
segurança na prescrição, e os esforços de educação devem ser feitos entre as
populações de risco ou com potencial de abuso.
Estas medicações têm como alvo as
catecolaminas do sistema nervoso central, ou seja, a dopamina, a norepinefrina,
a serotonina, para induzir seus efeitos. Como tal, eles também modificam o
estado de alerta, a sociabilidade e a libido e com potencial de abuso entre
indivíduos saudáveis para fins recreativos.
Estudos científicos mostraram apenas
pouco ou nenhum benefício para o aprimoramento cognitivo. “Pior ainda, o
consumo dessas drogas pode ser viciante e prejudicial à saúde com riscos de
distúrbios psicológicos, neurológicos e cardiovasculares que podem ser fatais”,
diz Alexandre.
De um modo geral, o uso de fármacos em
sujeitos saudáveis para melhorar o desempenho físico e psíquico modificou o
conceito de corporeidade e a possibilidade de projeção da sua própria
corporeidade. O conceito de autodeterminação na medicina levado ao excesso pode
levar a escolhas perigosas, como no caso do uso indevido de substâncias. Mesmo
a relação médico-paciente, que se modificou consideravelmente, deixou ampla
possibilidade ao paciente/indivíduo, até quase imaginar que sobrepor a figura
do médico por meio de informações errôneas e transposição imediata destas
identidades.
Nas novas gerações, o conceito de
aperfeiçoamento pessoal, com pouco esforço e pouco risco percebido pode tornar
tudo lícito. Consequentemente, a falta de percepção do perigo dessas
substâncias em questão, as torna absolutamente utilizáveis e lícitas, o que
aumenta o risco social.
Estudos relatam reações adversas ao
metilfenidato, por exemplo, com eventos cardiovasculares, que incluem infarto
agudo do miocárdio, morte súbita cardíaca, acidente vascular cerebral,
taquicardia e aumento da pressão arterial, relatados em pacientes adultos e
pediátricos. O metilfenidato, semelhante a outros estimulantes do SNC, foi
associado à morte súbita em crianças e adolescentes com alterações cardíacas
estruturais preexistentes. Os dados disponíveis em pacientes sem cardiopatia
congênita são conflitantes. Um grande estudo de coorte retrospectivo mostrou
uma baixa incidência geral e risco de eventos cardiovasculares graves em
crianças e adultos jovens, da mesma forma, os bancos de dados de com
análise retrospectivas não mostraram um aumento de eventos cardiovasculares
graves (infarto agudo, morte súbita, acidente vascular cerebral) com o uso de
estimulantes em adultos jovens e de meia-idade, o que torna conflitante os
dados da literatura.
O metilfenidato aumenta a frequência
cardíaca média e a pressão arterial sistólica por meio da mediação dos sistemas
catecolaminérgicos simpático, central e periférico. Esse aumento da frequência
cardíaca e da pressão arterial pode levar a eventos cardiovasculares, como
arritmias ou infarto do miocárdio com fatores de risco como doença cardíaca
estrutural, uso concomitante de medicamentos que prolonguem o intervalo
QT.
Há outras reações adversas descritas
nesta medicação, que aqui é citada como um exemplo, como o atraso do
crescimento em crianças, priapismo, sempre com fatores de risco relacionados.
Por isso, é importante a escolha correta da medicação, a indicação correta e o
conhecimento clínico, além da especialidade atendida pelo médico, finaliza Lucidi.
Uso para fins
recreativos:
Philipe Diniz,
médico psiquiatra do Instituto Nutrindo Ideais (@nutrindoideais), mestre
em saúde coletiva pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Professor de pós-graduação (Universidade Celso Lisboa), diz que
medicações psicoestimulantes são drogas utilizadas no tratamento de algumas
condições neuropsíquicas. “No Brasil temos disponíveis três formulações
principais: metilfenidato (ritalina), lisdexanfetamina (venvanse) e o modafinil
(stavigile). São usados para o tratamento de TDAH, depressões refratárias,
alguns transtornos alimentares e em transtornos do sono, como a narcolepsia.
Todas têm ótimos resultados quando bem indicadas e acompanhadas por médico
especialista. Entretanto, seu uso indiscriminado como pré-treino e como drogas
de balada se torna preocupante, pois apresentam efeitos adversos importantes e
perigosos nessas situações”, diz ele.
Nesses casos, os efeitos mais
preocupantes dizem respeito ao risco cardiovascular e ao risco de surto
psicótico. Psicoestimulantes aumentam a frequência cardíaca, a pressão arterial
e o risco de eventos potencialmente fatais, como arritmias, infarto e AVC. Além
disso, por aumentarem os níveis cerebrais de dopamina, podem desencadear surtos
psicóticos agudos, com delírios, alucinações, agitação intensa e paranoia.
Analisando tais efeitos, precisamos
pensar nas duas situações em pauta: a academia e a balada. Na academia, o
exercício físico gera os mesmos efeitos cardiovasculares, como aumento da
frequência cardíaca e da pressão, porém estes efeitos são autolimitados e
benéficos ao organismo. Entretanto, quando potencializados com
psicoestimulantes, a chance de um evento perigoso, como infarto e AVC, aumenta
muito. Precisamos lembrar também, que há um aumento grande no uso de
anabolizantes de forma indiscriminada e também de outras formulações
pré-treino, que normalmente contém outros estimulantes, como a taurina e a
cafeína. Se somarmos tudo isso, o corpo vira uma verdadeira bomba pronta para
explodir no próximo agachamento.
Já nas baladas, o contexto é até mais
preocupante. O principal risco ocorre devido à mistura dessas substâncias, como
álcool ou outras drogas. Os estimulantes diminuem o efeito sedativo do álcool.
Normalmente, o sono do álcool acaba sendo uma forma de proteção, pois a pessoa
ao longo da noite vai ficando lenta e demorando mais para terminar sua bebida
ou pegar outra. Ou seja, “estar bebinho” normalmente limita a quantidade
ingerida. Entretanto, quando você usa um psicoestimulante, você consegue beber
um volume muito maior, sem dormir. É isso que as pessoas descobriram e buscam.
O perigo é que você não percebe quando já está chegando aos limites tóxicos do
álcool. Ou seja, você tem duas substâncias que juntas podem desencadear um
ataque cardíaco, um AVC ou uma psicose.
Philipe diz que na tentativa de anular um efeito
limitador de uma droga, você acaba se colocando em risco. Já na mistura com
outras drogas, principalmente outros psicoestimulantes, como ecstasy, cocaína e
MDMA, a lógica do aumento do risco cardiovascular é a mesma, porém mais
intensa. Entretanto aqui gostaria de frisar que o risco no desenvolvimento de
psicoses é maior, pois todas elas são substâncias que aumentam a ação da
dopamina. Este neurotransmissor é importantíssimo para nossos tratamentos,
melhorando a atenção, o nível de alerta e também o prazer. É ele o responsável
pelas “ondas” prazerosas geradas pelas drogas citadas. No entanto, sua ação
desregulada e excessiva pode desencadear alucinações, delírios e paranóias.
Portanto, mais uma vez, o somatório dessas substâncias aumenta muito o risco
destes efeitos adversos nada prazerosos. É sabido, por exemplo, que a
associação de Metilfenidato com ecstasy não potencializa o efeito prazeroso do
ecstasy, como provavelmente deseja o corajoso que tenta misturá-los. Ou seja, tal
associação acaba sendo inútil e perigosa. Para finalizar, precisamos comentar
sobre outros dois perigos do uso de psicoestimulantes em baladas. Normalmente,
as pessoas se hidratam pouco ao longo das festas e o álcool estimula a produção
de hormônio antidiurético (por isso vamos toda hora no banheiro).
O resultado final tende a ser um
balanço hídrico negativo, ou seja, uma desidratação. Um corpo desidratado tende
a ter mais efeitos adversos de medicações, pois ela fica mais concentrada no
sangue. Além disso, num país quente como o nosso, não é raro que uma balada
seja um ambiente quente. Os psicoestimulantes aumentam a temperatura corporal,
podendo gerar até mesmo hipertermia – um aumento excessivo da temperatura
corporal que não consegue ser superado pelos mecanismos normais de eliminação
de calor (suor, respiração). Quando usamos uma substância que aumenta a
temperatura do corpo num ambiente quente, a chance de ocorrer uma hipertermia é
enorme, especialmente se a hidratação não estiver boa. Dito isto, podemos
concluir que usar um psicoestimulante para levar nosso corpo ao limite pode
parecer útil e até muito gostoso, mas o preço a pagar é caro demais. Esse preço
é o colapso; seja ele físico ou mental, finaliza Diniz.
Uso para
emagrecimento:
Muitas pessoas estão recorrendo ao uso
dos medicamentos para transtorno de compulsão alimentar em adultos e indicados
para o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) para emagrecer,
e isso pode causar problemas. Isto é o que aponta Higor
Caldato (@drhigorcaldato), médico
psiquiatra e sócio do Instituto Nutrindo Ideais (@nutrindoideais),
especialista em psicoterapias e transtornos alimentares.
Segundo o psiquiatra, a
lisdexanfetamina trata duas condições que estão muito comuns na nossa
população: o transtorno do déficit de atenção à hiperatividade e o transtorno
alimentar. A grande dúvida que existe é, como um remédio para o TDAH também
trata a compulsão alimentar? Será que as pessoas estão fazendo uso disso de uma
maneira errada? Na verdade não, essa mesma medicação tem uma ação terapêutica
para essas duas condições. “É comum por exemplo às vezes a mãe que está em
tratamento de um transtorno de compulsão alimentar, está usando talvez o mesmo
medicamento do filho que tem um transtorno de déficit de atenção e
hiperatividade. Isso pode gerar alguma confusão na cabeça de tantas pessoas”,
comenta Higor.
O venvanse é usado para o tratamento da
compulsão alimentar, mas quando esse paciente tem o transtorno, não é uma
medicação que deve ser usada para a obesidade. “Se é um paciente obeso que tem
compulsão alimentar, é uma medicação indicada, se é um paciente obeso que não
tem transtorno de compulsão alimentar, essa medicação não deve ser usada. Então
tem critérios muito importantes, até porque nem todo obeso tem compulsão
alimentar, nem todo mundo que tem compulsão alimentar tem obesidade, é obeso.
Então no fundo, no fundo é importante reforçar que o venvanse é sim o medicamento
utilizado para o tratamento da compulsão alimentar, tem indicações precisas
dependendo da gravidade dos episódios de compulsão que esse paciente apresenta,
da frequência, então nós temos critérios diagnósticos muito bem definidos e que
devem ser direcionados por um profissional especialista em transtornos
alimentares”.
Ao mesmo tempo, o venvanse é um
psicoestimulante, então se um paciente que começa a fazer uso por conta
própria, mesmo sendo uma medicação controlada, mas que foi prescrito de uma
maneira não adequada para algum paciente, se ele tiver um transtorno de
ansiedade, essa ansiedade pode piorar se ela não for tratada.
São medicamentos como o venvanse que
podem dar efeitos colaterais como inibição do apetite, muitas vezes de uma
maneira exacerbada, sem um acompanhamento e controle, esse paciente pode ter
problema na alimentação, ter dor de cabeça, enjoo e palpitação. Então esse
medicamento só deve ser usado com o acompanhamento médico. Deve ser avaliado se
esse paciente tem algum histórico de arritmia, pois tem vários cuidados que são
muito importantes e que devem ser considerados no tratamento com esse tipo de
medicamento, completa Caldato
Alberto Borges
REFERÊNCIAS:
CARLIER, J.; GIORGETTI, R.; VARÌ, M.R.; PIRANI, F.; RICCI, G.; BUSARDÒ, F.P.. Use of cognitive enhancers: methylphenidate and analogs. European Review For Medical And Pharmacological Sciences, [S.L.], v. 23, n. 1, p. 3-15, jan. 2019. Verduci Editore s.r.l.. http://dx.doi.org/10.26355/eurrev_201901_16741.
Cordioli, A. V., Gallois, C. B., & Isolan, L. (2015). Psicofármacos-: Consulta Rápida. Artmed Editora.
Diehl, A., Cordeiro, D. C., & Laranjeira, R. (2009). Tratamentos farmacológicos para dependência química: da evidência científica à prática clínica. Artmed Editora.
Morais, S. L. (2011). Irismar-Psicofarmacologia Clínica. Brazilian Journal of Psychiatry, 33, 315-315.
Cantarelli, M. D. G. (2007). Manual de psicofarmacologia clínica.
Estimulantes prescritos em indivíduos com e sem transtorno de déficit de atenção e hiperatividade: uso indevido, impacto cognitivo e efeitos adversos - https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3489818/
A influência da medicação para o TDAH nos processos fisiológicos e no exercício -https://www.physiopedia.com/The_influence_of_ADHD_medication_on_physiologic_processes_and_exercise
ESPECIALISTAS ALLURE PRESSES (@allurepresses):
Alexandre Lucidi (@alucidi) - médico geneticista, atuante em Neurogenética e Neuroimunologia. Com atuação em Neurogenética e Neuroimunologia, graduado em Medicina pela Universidade Estácio de Sá (UNESA), tem Residência Médica em Genética Médica pelo Instituto Nacional da Saúde da Criança, da Mulher e do Adolescente Fernandes Figueira, Fiocruz (IFF/Fiocruz) e Especialização em Neurologia pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Mestrando do Programa de Pós Graduação em Neurologia da UNIRIO/HUGG e participa de estudos fase 3 na mesma instituição. Integrante da equipe de Neurologistas do Hospital Copa D’Or/ Rede D’Or São Luiz e voluntário em ações de conscientização sobre a esclerose múltipla na Associação de Pacientes do Estado do Rio de Janeiro.
Philipe Diniz, médico psiquiatra do Instituto Nutrindo Ideais (@nutrindoideais), mestre em saúde coletiva pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Professor de pós-graduação (Universidade Celso Lisboa).Graduado em medicina pela Faculdade de Medicina de Petrópolis (FMP), com residência em psiquiatria e mestrado em saúde coletiva pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Higor Caldato (@drhigorcaldato), médico psiquiatra e sócio do Instituto Nutrindo Ideais (@nutrindoideais), especialista em psicoterapias e transtornos alimentares. Graduado em medicina pelo Instituto Tocantinense Presidente Antônio Carlos (ITPAC/FAHESA) e fez sua residência médica em psiquiatria pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), bem como suas especializações de psicoterapias e transtornos alimentares também pela universidade carioca.