O G7, que reúne representantes dos governos da
Alemanha, França, Itália, Reino Unido, Canadá, Japão e Estados Unidos,
reascendeu as discussões sobre a reforma tributária global, que pretende
tributar o lucro das empresas multinacionais com alíquota mínima de 15%. O
projeto ainda será submetido ao G20, mas tem grandes chances de aprovação.
O fato nos faz relembrar as três grandes revoluções
econômicas pelas quais o mundo passou. Entre os séculos XV e XVII, a riqueza
era de quem detinha terras. Não à toa, a Europa protagonizou a era das
expedições, buscando novos territórios para explorar. Já no século XVIII,
entramos na era da revolução industrial, onde a riqueza passou para as mãos dos
detentores dos meios produtivos. O foco era a produção de manufaturados em larga
escala.
No entanto, no século XXI vivemos uma nova
realidade. Hoje, a riqueza pertence a quem tem um grande volume de dados. É
quem coleta, processa e os manipula que detém o poder. Logo, a proposta de
tributação global muito preocupa as gigantes da tecnologia, que costumam se
aproveitar de paraísos fiscais.
Hoje, as BigTechs, basicamente, concentram os
lucros de todas as suas unidades de negócios espalhadas pelo mundo em países
com baixa ou nenhuma tributação, como Suíça, Luxemburgo e Irlanda. Dessa forma,
os países onde os lucros são gerados deixam de arrecadar bilhões em impostos.
Pelas simulações do Observatório da Tributação da
União Europeia, a aprovação da alíquota de 15% pode gerar uma arrecadação extra
de mais de 48,3 bilhões de euros para a União Europeia; 40,7 bilhões de euros
aos Estados Unidos e 900 milhões de euros por ano ao Brasil, o equivalente a R$
5,58 bilhões.
A proposta parece bastante adequada ao momento
econômico atual. Cabe lembrar que, no passado, quando vivenciamos a era da globalização
e o aumento exponencial das exportações, foi estabelecida a neutralidade
tributária, onde os produtos que são exportados se mantêm livres de impostos.
Apenas quando chegam ao país de destino é que sofrem a incidência da carga
tributária por meio da nacionalização do produto. É por isso que muitos dos
produtos que o Brasil exporta possuem preços menores do que os vendidos no
mercado interno. Isso significa que a carga tributária do país importador, em
regra, é menor que a nossa.
No que tange a exportação e importação de produtos,
temos uma barreira física, as alfândegas. Quando uma mercadoria chega a um
porto, ela passa por uma verificação e é ali que acontece a tributação.
Contudo, outro grande desafio nos dias atuais é a
fiscalização e a tributação de serviços. Atualmente, não há uma regra clara se
os impostos devem ser pagos no local de origem da empresa prestadora ou na
tomadora de um serviço. Municípios, Estados e Nações possuem regras próprias
que acarretam, muitas vezes, em bitributação ou mesmo em sonegação fiscal.
Na era da digitalização, uma empresa pode prestar
serviços a pessoas físicas ou jurídicas de qualquer parte do mundo. O conceito
de barreira geográfica simplesmente não existe mais. E os pagamentos por esses
serviços podem acontecer por meio não detectáveis pelas regras dos Bancos
Centrais, como por exemplo, a utilização de criptoativos, que possuem pouca ou
nenhuma regulamentação nos governos.
Soma-se a isso as mudanças no próprio conceito
jurídico sobre a definição de serviços. Pela doutrina civilista, cuja matriz
está no direito romano, serviço é considerado “obrigação de fazer”. Dessa
forma, presume-se um esforço humano, de uma atividade material ou imaterial. A
tributação parte da ideia de intangibilidade como critério para a classificação
dos bens, dividindo-os em bens corpóreos e incorpóreos, dada a inexistência
física.
Entretanto, com a revolução tecnológica, novos
paradigmas estão sendo quebrados no Direito, inclusive, a alteração do conceito
de serviço para fins de tributação pelo Imposto Sobre Serviço de Qualquer
Natureza – ISSQN, em que se considera serviço o oferecimento de uma utilidade
para outrem.
Esse movimento culminou no Convênio 106/2017, que
criou o conceito de “mercadoria digital”, autorizando a instituição de ICMS
sobre “operações com bens e mercadorias digitais”, tais como softwares,
programas, jogos eletrônicos, aplicativos, arquivos eletrônicos e congêneres,
que sejam padronizadas, ainda que tenham sido ou possam ser adaptados,
comercializados por meio de transferência eletrônica de dados”.
Entre o ISS, tributo municipal cuja alíquota máxima
é de 5% e o ICMS, cuja alíquota modal é de 18%, os contribuintes, obviamente,
defendem a incidência do primeiro. Por isso, a criação de uma nova diretriz
mundial se faz tão necessária, a fim de estabelecer regras que atendam às
demandas atuais da sociedade.
Além disso, a alteração do conceito de serviço
somada aos avanços tecnológicos, permitem tanto a importação quanto a
exportação de serviços à praticamente todas as partes do mundo e esta
modalidade de negócios provoca desafios para a área tributária, principalmente
para evitar a bitributação, que ocorreria se o prestador e o tomador do serviço
fossem tributados de forma isolada em seus países. Este desafio se assemelha
muito ao do Imposto de Renda.
Não há como negar que há uma dificuldade crescente
no controle fiscal das operações de prestação de serviços e uma preocupação
crescente dos países em estabelecer regras de tributação, seja para tributar o
prestador do serviço (exportador) ou o tomador do serviço (importador).
Um possível modelo é a tributação compartilhada
entre os países prestadores e tomadores de serviço, ficando a maior parte no
endereço do prestador, que é onde a riqueza está sendo gerada.
Embora não seja possível no Brasil pela legislação
existente, é necessário se pensar em alíquotas de ISSQN importação ou
exportação progressivas e essenciais. Por exemplo, serviços de saúde, educação
e comunicação, devem ter uma tributação inferior. Por outro lado, serviços
menos essenciais, como os de entretenimento, podem ter alíquota maior, chegando
ao valor de 15% indicado na proposta.
De modo geral, a discussão é pertinente e
extremamente relevante. Estamos diante de uma importante decisão tributária e,
cabe às instituições públicas, privadas e acadêmicas de cada país, fomentar o
diálogo sobre a proposta.
O mundo está deixando de ser físico para se tornar
digital/virtual. No Direito, primeiro temos o fato e depois o tributo. Há uma
modificação social e, aí sim, é criada uma legislação sobre ela. A tributação
só pode acontecer após a estabilidade social e econômica sobre os fatos e, a
realidade tecnológica mundial já está mais do que estabelecida.
Angelo
Ambrizzi - advogado especialista em Direito Tributário pelo
IBET, APET e FGV com Extensão em Finanças pela Saint Paul e em Turnaround pelo
Insper e Líder da área tributária do Marcos Martins Advogados.
Marcos
Martins Advogados
www.marcosmartins.adv.br