A crise global causada pelo coronavírus tem
provocado uma corrida da população aosmercados para adquirir itens de proteção
e desinfecção e estocar alimentos e outros produtos de uso doméstico. Apesar da
escassez de álcool em gel e máscaras em muitos países e regiões, não há
notícias de falta sistêmica de alimentos para suprir a demanda de consumo,
mesmo em países mais afetados até agora, como China, Itália, Irã, Espanha,
Estados Unidos e França.
No Brasil,
nos últimos 46 anos, a agricultura tornou-se cada vez mais forte, alicerçada na
Ciência. Isso transformou o País em líder mundial em tecnologias para a
agricultura tropical e em produção de alimentos. Entre os exemplos
bem-sucedidos da ciência brasileira está a tropicalização da soja, hoje
cultivada em 34,8 milhões de hectares em todas as regiões do País, com previsão
de produção de 117,9 milhões de toneladas na safra 2019/2020. Outros bons
exemplos são a tropicalização e expansão do cultivo de trigo no Cerrado e o desenvolvimento
de cultivares e sistemas de produção de uva e pera em cultivos irrigados na
região Nordeste do Brasil.
Com a
agricultura movida a Ciência, o Brasil foi capaz de garantir a sua soberania
alimentar, expandir a produção de biocombustíveis e passar de importador a um
dos principais exportadores mundiais de alimentos. O País é o maior produtor e
exportador de açúcar, café e suco de laranja. É também o segundo maior produtor
e o maior exportador de soja e carnes de frango e bovina. Além disso, tem papel
crescente na produção e exportação de algodão e milho.
Estimativas
da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), para a safra 2019/2020, apontam
crescimento de 4,1% na produção de grãos, em comparação à safra passada. O
indicativo atual é de um volume total de 251,9 milhões de toneladas, com
crescimento de 9,9 milhões de toneladas em relação a 2018/2019. Para a área
semeada, a expectativa é que sejam cultivados 64,78 milhões de hectares, ou
seja, uma variação positiva de 2,4% em comparação àquela área utilizada na
safra anterior.
A produção
agropecuária nacional garante a segurança alimentar dos 210 milhões de
brasileiros, embora a desigualdade de renda ainda limite o acesso à alimentação
adequada para mais de 13,5 milhões de pessoas em situação de extrema pobreza.
As exportações brasileiras de alimentos também contribuem para suprir a demanda
de centenas de milhões de pessoas em mais de 200 países. Em 2019, o agronegócio
nacional exportou 96,8 bilhões de dólares, o correspondente a 43,2% de todas as
exportações do País. Mais uma vez, o agronegócio, que representa cerca de 20%
do Produto Interno Bruto, atuou como âncora da economia brasileira.
Esse
cenário é animador, mas os produtores brasileiros podem fazer muito mais. A
produtividade atual da agricultura e pecuária brasileiras ainda está aquém da
produtividade potencial, com uso das tecnologias já disponíveis, porém o acesso
a recursos tecnológicos ainda é restrito no campo. Também, existem graves
barreiras a serem vencidas para assegurar a continuidade do crescimento da
produtividade e da produção agrícola do País. Os dois principais desafios são a
universalização do acesso à assistência técnica e gerencial de qualidade e ao
crédito rural, principalmente pelos pequenos e médios produtores.
É
importante destacar que os mais de cinco milhões de produtores rurais, que
fazem a produção agropecuária brasileira, também têm função vital na
conservação ambiental do País. Esses produtores, de acordo com o Código
Florestal, destinam parte de suas propriedades à conservação da biodiversidade
da vegetação nativa em Reservas Legais e em áreas de Preservação Permanente,
para a proteção dos cursos de água nos diferentes biomas brasileiros (80% na
Amazônia, 35% no Cerrado e 20% nos demais biomas).
Nesses
dias de crise global, além das medidas individuais e coletivas para prevenir o
contágio com o coronavírus, uma das principais preocupações das pessoas e das
comunidades é a segurança alimentar. Para evitar que as cadeias de produção,
industrialização e comercialização de alimentos sejam interrompidas, o governo
federal, em conjunto com outras esferas da gestão pública, vem atualizando
regras legais e estabelecendo planos e estratégias para garantir o fluxo de
transporte dos produtos agropecuários das propriedades rurais até as
agroindústrias processadoras, as centrais de
abastecimento e os mercados e supermercados.
abastecimento e os mercados e supermercados.
Essas
medidas também visam assegurar os canais de produção, distribuição e
comercialização de insumos agropecuários, essenciais para que esses milhões de
estabelecimentos rurais possam continuar suas atividades de cultivo e de
criações de animais, vitais para garantir a soberania alimentar e gerar
excedentes para o País continuar exportando e contabilizando superávits na
balança comercial, condição para a economia brasileira voltar a crescer.
Neste
momento de crise, é importante também garantir a sustentabilidade do sistema de
pesquisa e inovação agropecuário brasileiro, constituído pela Embrapa,
organizações estaduais de pesquisa agropecuária, universidades e institutos
federais de educação.
Diversas
inovações que ajudaram os produtores a transformar a agricultura brasileira
levaram anos até sair dos laboratórios para os pratos dos consumidores e
envolveram esforços conjuntos de dezenas de pesquisadores de diferentes áreas
de estudo. A liderança nacional em tecnologias para a agricultura tropical é um
dos maiores ativos econômico, social e político do País e as inovações
tecnológicas podem ajudar o Brasil e o mundo a superar momentos de crise, como
a pandemia do coronavírus.
Judson Ferreira Valentim - pesquisador da Embrapa Acre