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quarta-feira, 2 de maio de 2018

A logística do arrependimento



Sabe quando você compra uma blusa em um site, mas quando recebe o produto em casa, não era bem como imaginava? A textura não agradou, o tamanho não foi adequado ou a estampa era mais colorida do que parecia? Hoje, acionamos a loja e iniciamos o processo de devolução da peça – o Artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor nos garante isso. Na maioria das vezes, é simples e rápido para o cliente final – o que garante uma boa experiência com a marca. 

Mas, por outro lado, envolve uma série de desafios para a empresa, que precisa se preparar para a sua logística reversa ser tão eficiente quanto a entrega inicial. O outro “x da questão” é operacionalizar todas as mudanças que vieram quando o consumidor se rendeu ao e-commerce!    

Ao longo dos anos, o comércio eletrônico deu importantes saltos no Brasil, tanto nos seus rendimentos, quanto na representatividade que tem na vida das pessoas. Com melhorias na nossa rede (adeus à Internet discada!), meios de pagamento mais seguros, marketplaces, compras coletivas, entre inúmeros outros fenômenos, o e-commerce ganhou espaço e uma bela fatia da economia brasileira. Enquanto o varejo físico se esforça para recuperar o fôlego, o digital parece viver em outra realidade: em 2017, teve aumento de 12%, em relação ao ano anterior, faturamento de cerca de R$ 59,9 bilhões, segundo a Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm).

A indústria também passou a ver o comércio eletrônico como um canal direto de vendas e uma grande oportunidade para os seus negócios. Outra mudança significativa foi no mix de produtos, que evoluiu muito. Neste sentido, os últimos anos consolidaram uma única verdade para o e-commerce: a de que qualquer coisa pode ser vendida de forma online!

Cheguei até aqui para mostrar o atual cenário da logística dessas empresas: uma turbulência de números, produtos e transações, com foco na melhor experiência do cliente, em que a pressão por prazos de entrega cada vez menores (até no mesmo dia) é a base de toda a operação. O jogo é outro, as regras estão diferentes e os processos logísticos também mudam completamente!

Antes de tudo, reconsidere conceitos sobre não trabalhar com estoque das suas mercadorias! Mesmo que a tendência seja eliminar, ao máximo, um ativo “parado”, agora, com essa necessidade de pronta-entrega, a disponibilidade do produto representa um diferencial competitivo – é inviável esperar receber o pedido para, só então, começar a fabricá-lo ou encomendá-lo para a indústria, caso você seja um varejista. A questão é ter o estoque correto! E para tanto, é preciso ter previsibilidade de vendas e entender a sua Curva ABC (de produtos com maior giro) para poder tomar decisões e fazer as apostas certas. Só assim, o ciclo rápido, entre cliente e entrega, vai estar garantido.

O próximo passo é assegurar a sua eficiência, definindo qual será a melhor malha logística para atender às suas demandas. Como um e-commerce, normalmente, entrega para todo o Brasil, é preciso ver se faz sentido ter um único e grande centro de distribuição, que empurra o produto para qualquer região, ou vários, em diferentes áreas. Ou, ainda, talvez o melhor seja ter parceiros locais em determinados estados - hoje já existem transportadoras especialistas no setor de comércio eletrônico, para entregas fracionadas, com veículos adaptados para essas rotinas.

O planejamento logístico também precisa compreender as estratégias para a logística reserva, com destaque para as devoluções. Além de atender ao direito assegurado, essa segunda fase pode selar (ou arruinar) o relacionamento da marca com o consumidor. Aqui, os desafios logísticos também são grandes, giram em torno da rapidez e demandam estratégias integradas.

Para começar, normalmente, o custo da logística reversa não está totalmente embutido no valor da mercadoria - é um percentual que nem sempre representa um número real. O problema é que, se a estimativa de devoluções estiver muito abaixo do que as praticadas, a empresa vai ter prejuízo. De novo, olhar para o seu negócio e ter a certeza da previsibilidade é um grande diferencial!

Para retirar esses produtos com os clientes, seja no seu endereço, nos Correios ou da forma como tratarem, ainda há um outro obstáculo de transporte: por quem e como será feita essa operação? Você pode ter uma rede de parceiros e, ainda, buscar a sinergia perfeita para praticar uma das pérolas da logística reversa: aproveitar a volta das viagens de entrega, para recolher os itens de devolução. Isso representa uma economia enorme, mas exige um planejamento mais sofisticado e complexo, tanto em relação às melhores rotas, quanto às mercadorias que serão levadas e ao arranjo físico delas no caminhão, pois podemos ter, no mesmo dia, um fogão e um vaso de cristal, por exemplo. 

A próxima etapa é como operacionalizar essas devoluções que chegaram internamente. Pensando que o volume de produtos pode ser gigante e que eles podem, inclusive, ser muito parecidos, o processo torna-se bem delicado para as empresas. Para isso, algumas soluções de automatização com rádio frequência (coletores de dados) são muito eficientes, com ganhos em tempo e organização. Depois é só conferir se não há avarias e dar baixa no pedido original para liberar o item para uma nova venda.

Os caminhos dessa logística nos levam a entender que o comércio eletrônico impõe uma dinâmica exigente para as empresas, que precisam preparar a sua operação para atender às suas necessidades. Para todos os desafios que expus, existem “ajudas”, chamadas tecnologias! Diferentes formas de usar mecanismos de inteligência e especialização para minimizar custos, aumentar a produtividade e expandir a capacidade de atuação das áreas logísticas. E você, já repensou os seus processos? Coloque as melhorias em prática, pois o arrependimento do cliente pode não ser em relação ao produto, mas sobre quem escolheu como prestador de serviços.






Angela Gheller Telles - diretora dos segmentos de Manufatura e Logística da TOTVS



Lições da pobreza dos outros


Em 2004, circulou um polêmico relatório feito pelo Fórum Econômico Mundial com a afirmação de que a estagnação da África foi a maior tragédia econômica do século 20. O documento foi assinado por Elsa V. Artadi, da Universidade Harvard, e Xavier Sala-i-Martin, de Columbia, e trazia uma informação intrigante: em 1970, a África abrigava 10% dos pobres do mundo; em 2000, essa taxa era de quase 50%. O crescimento econômico foi tão reduzido que a maioria dos países ao sul do Saara estava em condições piores do que na época em que eles se tornaram independentes.

O relatório atribuía o fracasso africano aos seguintes fatores: conflitos militares; corrupção; desprezo pela lei; políticas fiscais indisciplinadas; infraestrutura precária; e baixo investimento em capital físico. E os autores declaravam: “Não deve haver dúvida de que o maior desastre econômico do século 20 é a performance deprimente do crescimento no continente africano”. O que isso tem a ver com o Brasil? Afora conflitos militares, todos os demais fatores causantes do fracasso africano estão presentes em nosso país.

Eis aí um cardápio de ingredientes que o Brasil deve combater a todo custo, sob pena de não superar a pobreza e o atraso. O Congresso Nacional, com 513 deputados e 81 senadores, deveria ser o foro adequado para debates inteligentes e avançados sobre os problemas nacionais, sobre o que está errado e quais reformas devem ser feitas para impedir que o país caia na síndrome do fracasso africano. O diagnóstico feito pelo relatório referido pode nos ensinar valiosas lições sobre o fracasso da África e quais os caminhos para não incorrermos nos mesmos erros.

Infelizmente, o Congresso Nacional tornou-se um valhacouto de mediocridades intelectuais e parlamentares desaparelhados para a discussão inteligente dos grandes temas nacionais. Um homem sem cultura e de parcos conhecimentos pouco tem a contribuir em uma discussão complexa na casa de leis. Não conseguido a grandeza, o Congresso fica reduzido a questões pequenas e comezinhas.

Desnecessário dizer que há políticos de alto nível, capazes de um diálogo com sabedoria. Mas esses, convenhamos, são tão poucos que eles somem no oceano de mediocridades. Não tem sido por outra razão que as questões relevantes votadas no parlamento tenham origem no Poder Executivo. Se um relatório de alto nível como esse do Fórum Econômico Mundial, rico em informações sobre as desgraças de um continente inteiro, é ignorado pelas elites políticas no poder mesmo sabendo que, em sua maioria, essas causas estão presentes no Brasil, a conclusão é de que a maior parte dos parlamentares não tem cultura e conhecimento para tratar de temas complexos.

O Brasil tem as principais condições para ser um país rico e com bom padrão de vida. Mas a apatia e a inércia, inclusive de boa parte dos intelectuais, diante das graves questões nacionais podem condenar o país a permanecer na pobreza e no atraso. O detalhamento do que aconteceu com o continente africano e a identificação das causas compõem um material de alta utilidade para a compreensão dos problemas e das políticas fundamentais para a superação do atraso e da pobreza. É lamentável que não utilizemos esse material a nosso favor.

Durante décadas, vingaram teses afirmando que há países ricos porque outros são pobres. Na América Latina, a cantilena entre os políticos era a de que somos pobres porque os Estados Unidos são ricos. Atualmente se sabe que isso é uma bobagem monumental, e gastamos tempo demais culpando inimigos externos por nossos equívocos e nossa incapacidade de entregar a nossos filhos um país sem pobreza e sem miséria.






José Pio Martins - economista, é reitor da Universidade Positivo.


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