O
Natal já está aí e a mídia – social ou tradicional – insiste em nos lembrar que
é tempo de celebrar e oferecer um mimo para quem queremos bem. Ou seja: é hora
de comprar presente e gastar dinheiro. E, convenhamos: há poucas coisas que nos
dão tanta satisfação quanto voltar pra casa cheio de sacolas. Mas você sabe por
quê?
Simplesmente
porque o ato de comprar libera em nosso organismo uma substância produzida pelo
cérebro – a dopamina –, também conhecida como “a droga do prazer”. Assim,
consumir provoca uma onda de dopamina, nos invadindo de sensações prazerosas
como o poder, a segurança e o sentimento de estar no “controle” (mesmo sem, na
verdade, estarmos). Afinal, é sabido que não comandamos nada: o mundo é
imprevisível e o futuro, incerto.
Apesar
da sensação de “viver a vida intensamente” que esse consumo forçado nos dá, em
especial no fim do ano, as incertezas sobre o amanhã geram angústia. Vamos ter
água no ano que vem? A inflação vai aumentar e pesar no cotidiano? O custo da
energia vai subir muito? Tudo isso hoje é quase imprevisível. Este “flutuar
pela vida sem pouso certo e em alta velocidade” é característico dos novos
tempos. Eu costumo brincar dizendo que estamos todos em uma montanha russa
dentro de um trem fantasma. Acho que é uma frase que traduz bem a sociedade do
hiperconsumo.
Dessa
forma, estimulados por uma sociedade que diz, o tempo todo, “viva o dia, não
deixe para curtir no futuro porque ele é incerto”, saímos feito loucos
obedecendo cegamente ao “espírito de Natal”. Até o Papa aparece na TV dizendo
para vivermos com intensidade o presente! Ora, se até ele autoriza o
“presentismo”, o que há de errado nisso, então?
Aparentemente
nada, porque, mesmo sabendo de tudo isso, entramos nessa roda viva e dizemos
para nós mesmos (tentando nos livrar da culpa e do egoísmo): “ Não estou
comprando para mim, então tudo bem”. Talvez porque esse ato de presentear com
data marcada também seja uma forma de nos sentirmos mais perto das pessoas.
Afinal, vivemos em uma sociedade sem tempo para os amigos. As agendas estão
lotadas de compromissos e não deixam brechas para um encontro real e
presencial, sem pressa, para rir um bocado e relaxar.
Comprar
nos preenche também esse vazio da solidão cotidiana, acentuado por vermos
sempre nossos amigos pelo Facebook comemorando com outras pessoas. “Como eu não
estava nessa festa?”, pensamos, frustrados... Por outro lado, quem publica na
rede social os momentos de celebração, para provar a si próprio que tem um
círculo bom de amigos, acaba acentuando a solidão dos que não estiveram em cada
encontro... Mundo de contradições esse nosso.
A
angústia, a solidão, a dopamina, a necessidade de estar no controle, o prazer
da compra, a autoconfiança proporcionada pelo consumo, tudo isso passa por
todos nós durante o período que chamamos “de festas” (como se não pudesse haver
festas em outras épocas!). E nem nos damos conta. Somos apenas levados pela
onda...
Se
compramos para os filhos, então, o prazer é dobrado. “Quero dar a eles o que
não tive” e “faço tudo pelos meus filhos” são frases que escuto constantemente
no meu cotidiano. Parece que cada vez mais os pais precisam ter certeza do
afeto dos filhos em uma inversão de valores impressionante. Não são mais os
filhos que mostram aos pais o seu apreço; agora é o momento dos pais da Geração
Y provarem que amam sua prole. Fica a impressão de que tentamos diminuir
distâncias emocionais com os presentes dados, embora, lá no fundo, saibamos que
há outras formas de fazê-lo.
O
grande problema é que o mês das festas passa. E aquela sensação de prazer ao
comprar presentes acaba quando o presente é dado. E o nosso cartão de crédito
chega em janeiro incomodando, e lembrando que talvez poderíamos ter poupado
algo para aliviar o bolso em uma época tão cheia de contas extras para serem
pagas.
Acho
que não podemos restringir às festas nossa tarefa de manter os laços de afeto
com quem amamos. E nem culpar a sociedade de hiperconsumo em que vivemos por
não fazermos isso de outra forma e com mais regularidade. Sabemos que não será
a partir de presentes que nossos filhos, pais, parceiros ou amigos vão gostar
mais ou menos de nós. Esse afeto precisa ser mantido ao longo do ano e não só
no final dele (ou nos dias de aniversário!).
Temos
que repensar nossas ações se quisermos nos sentir um pouco menos isolados e
solitários. Há outras formas de prazer e de produção de dopamina no nosso cérebro
que não implicam em gastar dinheiro e retroalimentar a sociedade do consumo.
Temos que sair do lugar comum e refletir de que forma somos mais felizes,
planejando o uso do nosso tempo que é um bem tão escasso nos dias de hoje.
Se
deixarmos para comemorar somente no Natal e por meio de presentes, corremos o
sério risco de nos deprimirmos passado o calor do evento, porque concentramos
nossos esforços em uma atividade que, por definição, acaba. O Natal resume-se a
uma noite e um dia, não custa lembrar.
Já
o projeto de felicidade é contínuo e não pode se restringir a “comprar”. Mesmo
que seja para os outros. Devemos expressar nosso afeto de outras formas. E eu
sugiro que seja pelo abraço, pelo beijo, pelo carinho. Que seja por dizer ao
outro que ele é importante. E que seja um projeto de ano inteiro, sem começo e
sem fim. Tenho certeza que a dose de dopamina será muito mais intensa. E
constante.
Eline Kullock - presidente da
Stanton Chase Internacional, multinacional baseada em Londres e especializada
em seleção de executivos. No início dos anos 90, fundou o Grupo Foco. Tem
formação Administração de Empresas pela FGV-RJ e MBA Executivo pela Coppead -
UFRJ. Especialista em Geração Y, ela pesquisa há vários anos tendências do
comportamento dos jovens e a influência dos videogames. Blog: www.focoemgeracoes.com.br