O País foi novamente surpreendido na última semana com a divulgação, em rede nacional, dos desdobramentos da investigação sobre a morte do menino Henry Borel, 4 anos, vítima de violência intrafamiliar gravíssima que o levou à morte. Infelizmente, o episódio revela uma triste realidade no Brasil, que nos últimos dez anos ceifou a vida de pelo menos 103.149 crianças e adolescentes entre o nascimento e 19 anos. Números analisados pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) revelam que, entre 2010 e agosto de 2020, cerca de duas mil vítimas fatais de agressão tinham menos de 4 anos de idade, média de 200 crianças semelhantes ao caso de Henry por ano.
"O caso do menino Henry não pode ser ignorado e deve ser
apurado com todo o rigor que a lei exige. Tal barbárie deve alertar, ainda,
para a existência de outras crianças e famílias que vivem dramas semelhantes,
mas poucas chegam à mídia. O Brasil precisa estar preparado para, por meio da
efetiva implementação das políticas de prevenção à violência na infância e na
adolescência, garantir ações articuladas entre educação, saúde, segurança e
assistência social", defendeu a presidente da SBP, Luciana Rodrigues
Silva.
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NÚMERO POR IDADE
As agressões estão agrupadas no Sistema de Informações sobre
Mortalidade, do Ministério da Saúde, de acordo com a Classificação
Internacional de Doenças (CID-10) no Capítulo XX de Causas externas de
morbidade e mortalidade e representam uma das causas mais comuns de ocorrência
no Brasil. Junto aos acidentes, são a maior causa de morte a partir de um ano
de idade até aos 19 anos.
De acordo com a presidente da SBP, estudos científicos e a
prática dos profissionais que lidam com a infância e a adolescência indicam que
o tratamento humilhante, os castigos físicos e qualquer conduta que ameace ou
ridicularize a criança ou o adolescente, quando não letais, podem ser
extremamente danosos à sua formação de personalidade e como indivíduos para a
sociedade, bem como interferem negativamente na construção da sua
potencialidade de lutar pela vida e no seu equilíbrio psicossocial.
"Nascer e crescer em um ambiente sem violência é imprescindível para que
uma criança tenha a garantia de uma vida saudável, tanto física quanto emocional",
destacou.
PANDEMIA - Embora os dados de mortalidade de 2020
ainda sejam preliminares, os especialistas acreditam que o isolamento social,
essencial para conter a pandemia do novo coronavírus, tenha exposto a população
pediátrica a uma maior incidência de violência doméstica e, consequentemente,
aumentado o número de casos letais.
As medidas de distanciamento social, incluindo o fechamento
de escolas, foram adotadas por mais de 170 países e afetaram quase 80% de toda
população estudantil mundial, fazendo com que a maior parte das crianças
permanecesse praticamente todo o tempo em suas casas. Sabe-se, por exemplo, que
só no mês de março de 2020, o Brasil apresentou aumento de 17% no número de
ligações notificando a violência contra a mulher.
"De maneira similar, trabalhos nacionais e
internacionais destacam que, diante de um cenário de risco e vulnerabilidade
social, o isolamento domiciliar expõe crianças e adolescentes a maiores
conflitos e tensões e à piora da violência intrafamiliar, sem que tenham
condições de denunciar esta violência ou ser ela percebida pelos outros meios
que estaria frequentando, como a escola", explicou Marco Gama, presidente
do Departamento Científico de Segurança da SBP.
Segundo ele, o estresse característico desse período, causou
impacto em todos os cenários e tem aumentado a chance de violência e os
resultados negativos para a saúde física e mental das crianças. No entanto,
avalia, independentemente da pandemia, os casos de violência contra os mais
frágeis, no caso criança e adolescente sempre existiram, sendo a maioria de
natureza doméstica ou intrafamiliar.
"As situações de violência doméstica que levam à morte
crianças e adolescentes costumam ser casos crônicos, repetitivos, de violência
progressiva, onde a vítima não recebeu a assistência e as medidas de proteção
que deveriam ter sido tomadas para mantê-la viva, tanto dos outros familiares,
como da sociedade e do Estado", alertou.
Para a dra. Luci Yara Pfeiffer, também do DC de Segurança, é
preciso que o mito de que criança e adolescente são propriedades de seus pais
ou responsáveis, que podem fazer com eles o que quiserem, precisa ser abolido
da sociedade. "As crianças e adolescentes precisam deixar de ser
invisíveis, bem como seus sofrimentos. Todos que testemunham violências contra
eles, ou que tenham suspeita de que estejam sendo agredidos, seja física, seja
psíquica ou sexualmente precisam notificar, tentar orientar, acompanhar e
proteger. As crianças e adolescentes dependem de todos nós para crescerem em uma
vida digna e saudável", enfatiza.