Recente divulgação no sítio do TRT/SP (http://www.trtsp.jus.br/indice-de-noticias-noticias-juridicas/21437-trabalhadora-com-filho-autista-tem-direito-a-jornada-reduzida)
de acórdão da 8ª Turma (Processo 10009605020175020037) da lavra da Juíza Liane Martins
Casarin que reconhece o direito da empregada a reduzir sua jornada de trabalho
pela metade, sem redução de salário, para cuidar de seu filho autista chamou a
atenção pelos fundamentos na sentença de primeira instância e no voto, trazendo
rompimento dos limites da responsabilidade do empregador na proteção do
trabalhador na relação de emprego.
A decisão leva ao fato de que as dimensões
que o Direito do Trabalho impõe são imprevisíveis e transformadoras da vida em
sociedade. O apego histórico de que a relação empregado/empregador se trataria
de simples contrato em que empregado presta serviços e empregador paga salário
há muito tempo caiu em desuso ou pelo menos não deveria ser praticada. As
empresas, em busca de maior competitividade e produtividade, transformaram a
forma de gestão e o local de trabalho passou a incorporar também o exercício da
cidadania, permitindo ao trabalhador o cumprimento do trabalho com liberdade e
realização pessoal e profissional. Ser trabalhador e ser cidadão são
condições que caminham juntas com o propósito de que se atinja o respeito à
dignidade da pessoa humana.
A extensão da forma de proteção na relação de
emprego foi ao longo dos anos ampliando a base de garantias sociais e a
seguridade social teve um papel fundamental para acolher cada vez mais
contingências e trabalhadores excluídos, provocando a libertação do empregado
do paternalismo do empregador.
A relação de emprego não se restringe ao
momento do contrato de trabalho, no instante de sua celebração porque diversas
ocorrências podem ocasionar a mudança de seu percurso inicial e, podemos dizer,
é implícito ao contrato possível alteração e transformação quer em razão de
mudanças na condição do empregador, quer nas condições de trabalho do empregado
com promoções, alterações de jornada, de localidade e tantas outras situações
que mantêm íntegro o vínculo de compromisso inicial. Por isso é recorrente
quando se cuida de falar de mudanças contratuais a limitação às condições
objetivas de salário, jornada etc.
Todavia, o contrato de emprego tem uma
natureza que difere dos demais contratos que é a responsabilidade social da
empresa em relação às condições de vida pessoal do trabalhador, incorporadas ao
contrato quando de sua celebração. Portanto, as obrigações não são apenas
aquelas que estão às vistas e expressas no contrato. Há também um dever
secundário de acolhimento do trabalhador em sua universalidade, sem exclusão de
eventuais dificuldades oriundas de sua vida pessoal e familiar e que são
fundamentais para a integração na vida em sociedade.
No caso, a Juíza de primeira instância,
Doutora Sandra Miguel Abou AssaliBertelli (37ª Vara da Justiça do Trabalho de
São Paulo), traz a seguinte afirmação, reproduzida no acórdão regional: "(...)
“Portanto, amparo jurídico há, de forma suficiente, a permitir o acolhimento da
pretensão deduzida pela trabalhqdora,(sic) assim como, ao revés do quanto
afirmado na defesa, há comprovação cabal de que o transtorno autista de que é
portador do filho da reclamante inspira cuidados especiais e acompanhamento
permanente de sua mãe que desafiam a aplicação de todo o arcabouço
constitucional, legislativo e fontes internacionais mencionadas a amparar o
tratamento adequado à inserção da criança na família e na sociedade”.
O acórdão regional
seguiu na mesma linha e rompeu os limites contratuais obrigacionais, avançando
na obrigação de proteção social mais ampla introduzindo interpretação do fato e
da necessidade de inclusão em sociedade por meio de assistência materna do
filho autista, dando assim efetividade à norma da Lei n. 12.764/2012, que
institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno
do Espectro Autista e que assegura, no artigo 3º, inciso I, o
direito “a vida digna, a integridade física e moral, o livre desenvolvimento
dapersonalidade, a segurança e o lazer”.
Diz a Juíza Relatora,
“Mesmo não havendo na legislação, previsão expressa que permita à reclamante
reduzir sua jornada sem redução salarial, é preciso avançar no sentido da plena
inclusão, é preciso romper velhos paradigmas de uma sociedade que ainda não
viveu a inclusão. É uma mudança de comportamento que, hoje, perpassa por uma
atuação firme do Poder Judiciário. Portanto, todo artigo, alínea ou inciso de
lei que puder conferir expressamente direitos a crianças e adolescentes com
deficiência será muito benvinda pela comunidade jurídica nacional”.
Portanto, é a
obrigação de proteção do trabalhador ao inverso, coibindo a discriminação
indireta, ou seja, proteção não pelo contrato de trabalho, mas pelo compromisso
de atenção ao trabalhador na sua universalidade como ser humano e, no caso,
permitindo a criança deficiente meios de adaptação à sociedade sem prejuízo da
subsistência da trabalhadora.
Paulo
Sergio João - advogado e professor de Direito Trabalhista da PUC-SP e FGV.