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| Reprodução Governo de Santa Catarina. |
Fatores socioeconômicos agravam o cenário. Na “Semana da luta contra as hepatites virais”, especialista alerta para prevenção e reforço da vacinação na região.
Dona Maria, de 68 anos, moradora de uma pequena cidade no interior da Bahia, jamais imaginou que uma simples dor de barriga pudesse evoluir para algo tão grave. Diagnosticada com Hepatite A aos 65 anos, ela representa uma preocupante estatística revelada pelo mais recente Boletim Epidemiológico de Hepatites Virais, divulgado pelo Ministério da Saúde. O nordeste concentra 23,8% de todas as mortes por hepatite A no país, a maior proporção entre as regiões do país.
O levantamento da Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente, analisou 1.473 óbitos associados à doença entre os anos de 2000 e 2024, sendo 1019 com a Hepatite A como causa básica de morte. A prevalência no Nordeste, seguida pelo Sudeste, com 20,8%, reflete a combinação de fatores socioeconômicos, demográficos e estruturais que aumentam a vulnerabilidade da região aos casos mais graves.
“O Nordeste enfrenta desafios únicos em relação à hepatite A. A
combinação de condições de saneamento ainda precárias em algumas áreas, maior
densidade populacional em situação de vulnerabilidade e características
climáticas que favorecem a transmissão criam um cenário de maior risco. Além
disso, a região tem uma população mais idosa em áreas rurais, grupo que
apresenta maior risco de complicações graves.", explica o Dr. Klinger
Soares Faico Filho, médico infectologista, professor da UNIFESP e CEO do
InfectoCast.
A hepatite A é transmitida por via fecal-oral, por meio do consumo
de água e alimentos contaminados ou pelo contato direto com pessoas infectadas.
Embora geralmente tenha evolução benigna em crianças e adultos jovens, pode
provocar quadros graves e até fatais em pessoas com mais de 50 anos, gestantes
e portadores de doenças hepáticas.
No nordeste, fatores como o acesso ainda desigual ao saneamento
básico contribuem para a alta mortalidade. Segundo dados do Sistema Nacional de
Informações sobre Saneamento (SNIS), alguns estados da região apresentam
índices de coleta e tratamento de esgoto abaixo da média nacional.
"A hepatite A é uma doença da pobreza e da falta de
saneamento. Onde há água tratada, esgoto coletado e condições adequadas de
higiene, a doença praticamente desaparece. O Nordeste fez avanços enormes, mas
ainda há bolsões de vulnerabilidade que precisam de atenção especial.",
destaca Dr. Klinger Faíco.
Outro ponto de alerta é o perfil etário das vítimas. Enquanto
crianças raramente evoluem para casos fatais, adultos mais velhos têm risco
significativamente maior de desenvolver formas fulminantes. Em comunidades
rurais com população envelhecida e acesso limitado a serviços especializados, o
risco se intensifica.
A sazonalidade também interfere nos índices da doença. No
Nordeste, os casos tendem a aumentar em períodos de seca, quando há escassez de
água potável, e nas chuvas, quando a contaminação de reservatórios por esgoto
se torna mais comum. Isso exige vigilância constante por parte das autoridades
de saúde.
Desde 2014, a vacina contra hepatite A está disponível
gratuitamente no SUS para crianças a partir dos 15 meses. Para especialistas,
manter uma alta cobertura vacinal é essencial para reduzir a transmissão e
proteger os grupos mais vulneráveis.
"A vacina contra hepatite A é segura e altamente eficaz. Uma
única dose oferece proteção duradoura, possivelmente por toda a vida. É
fundamental que os pais mantenham o calendário vacinal em dia.", enfatiza
o especialista.
Além da vacinação, medidas básicas de saneamento e higiene
continuam sendo fundamentais. Acesso à água tratada, sistemas de coleta e
tratamento de esgoto e práticas corretas de higiene pessoal e alimentar são
estratégias simples, mas altamente eficazes. Lavar as mãos frequentemente,
higienizar frutas e verduras com água potável e evitar alimentos crus em locais
sem infraestrutura adequada são atitudes preventivas valiosas.
Pessoas com mais de 50 anos, gestantes e indivíduos com doenças
hepáticas devem receber atenção especial. Esses grupos precisam ser priorizados
para a vacinação quando disponível e devem buscar atendimento médico imediato
ao surgirem sintomas como fadiga intensa, náuseas persistentes, dor abdominal,
urina escura e icterícia, o amarelamento da pele e dos olhos.
"É fundamental que profissionais de saúde da região estejam
atentos aos sinais de hepatite A, especialmente em pacientes mais idosos. O
diagnóstico precoce e o suporte adequado podem prevenir complicações
graves.", alerta o Dr. Klinger.
Reduzir a mortalidade por hepatite A no Nordeste depende de
políticas públicas integradas, que envolvam desde investimentos em saneamento
até ações de educação em saúde adaptadas às realidades locais. Reforçar a
atenção primária, ampliar a vacinação e garantir acesso a diagnósticos e
tratamentos são medidas prioritárias.
A experiência internacional mostra que é possível eliminar a
hepatite A como problema de saúde pública com estratégias bem executadas.
"O Nordeste tem potencial para liderar essa transformação no
Brasil. Com as estratégias certas e investimento adequado, podemos reduzir
drasticamente essas mortes evitáveis.", conclui o especialista Dr. Klinger
Faíco.
Acima de tudo, é fundamental que a população veja esses dados não
com desânimo, mas como um alerta. A hepatite A é uma doença totalmente
prevenível. Manter a vacinação em dia, adotar hábitos de higiene e cobrar
melhorias no saneamento são atitudes que fazem a diferença. A saúde coletiva
depende do esforço de todos.
Dr. Klinger Faíco - médico infectologista com título de especialista pela Sociedade Brasileira de Infectologia. Doutor em Infectologia pela UNIFESP e MBA em Gestão em Saúde, atua com foco no diagnóstico e tratamento de doenças infecciosas, incluindo HIV, hepatites virais e IST’s. Além disso, o infectologista é CEO do InfectoCast, professor universitário da UNIFESP, fundador e consultor em controle de infecção hospitalar na Consultoria IRAS.

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