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sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

Plantas herbáceas não graminoides são fundamentais para a preservação do Cerrado

As raízes e sistemas subterrâneos volumosos das plantas
 permitem que armazenem carbono de forma eficaz
 (
foto: Camarea ericoides / Alessandra Fidelis)
Menos estudadas do que as gramíneas e as árvores, essas espécies vegetais possuem enorme importância para a biodiversidade, o armazenamento de carbono, a regeneração pós-distúrbios e a provisão de serviços ecossistêmicos, como alimentos e remédios

 

 Quando se pensa em Cerrado, as imagens que vêm à mente são de savanas com árvores retorcidas de pequeno ou médio portes ou de campos abertos com gramíneas ondulantes e árvores solitárias. No entanto, um grupo de plantas menos conhecidas, as herbáceas não graminoides, desempenha papel fundamental na manutenção desse tipo de bioma e na vida de seus habitantes – animais e humanos.

Esse é o tema de um artigo publicado recentemente na Annual Review of Ecology, Evolution, and Systematics: “Past, Present, and Future of Forbs in Old-Growth Tropical and Subtropical Grasslands”.Conduzido por uma colaboração internacional de pesquisadores, o estudo de revisão investigou o papel ecológico dessas plantas em savanas e campos. E mostra que as herbáceas não graminoides são essenciais para a biodiversidade, o armazenamento de carbono, a regeneração pós-distúrbios e a provisão de serviços ecossistêmicos, como alimentos e remédios.

Conforme explica a pesquisadora Alessandra Fidelis, do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (IB-Unesp), uma das autoras do estudo, apoiada pela FAPESP, essas plantas são frequentemente esquecidas em estudos que priorizam gramíneas e árvores. “Muitas dessas plantas possuem estruturas subterrâneas especializadas, como rizomas e xilopódios, que as tornam incrivelmente resilientes a secas, herbivoria e incêndios frequentes, características marcantes de ambientes como o Cerrado”, diz.

O Cerrado, por exemplo, abriga espécies como as sempre-vivas, as orquídeas terrestres e o capim-dourado, algumas das quais florescem logo após o fogo, criando paisagens viçosas em períodos pós-queimadas. Essas plantas compõem até 70% do estrato herbáceo em algumas áreas, sendo fundamentais para a regeneração do ecossistema. Além disso, suas raízes e sistemas subterrâneos volumosos permitem que armazenem carbono de forma eficaz, um aspecto crítico no contexto da atual emergência climática.

“Estima-se que a biomassa subterrânea de herbáceas nãomgraminoides no Cerrado supere a biomassa acima do solo em até 1,5 vez. Essa capacidade de retenção de carbono é amplificada pela longevidade de suas estruturas, que podem durar muitos anos, conferindo estabilidade ao ecossistema”, informa Fidelis.

Além de sustentar a biodiversidade, essas herbáceas são fonte de alimento e medicina. Comunidades tradicionais utilizam suas raízes e folhas como parte da dieta ou em preparações medicinais. A mandioca, embora domesticada, é um exemplo de planta com raízes nutritivas que remonta a essa tradição. Outros exemplos incluem a macela, conhecida por suas propriedades anti-inflamatórias, e o capim-dourado, usado em artesanato sustentável.

A medicina tradicional reconhece ainda as propriedades do Eryngium pristis (língua-de-tucano), utilizado como diurético e no tratamento de úlceras da boca e da garganta; da Vernonia ferrugínea (assa-peixe), depurativa e diurética; da Anemopaegma arvense (catuaba), tonificante do sistema nervoso e estimulante sexual; da Camarea affinis (pé-de-perdiz), para inflamações uterinas e parto; da Gomphrena officinalis (paratudo), para febre, gripe e asma; e do Sisyrinchium vaginatum (capim-rei), para febre e resfriado. Entre as frutíferas, vale destacar a Annona warmingiana (araticum-rasteiro), a Pradosia brevipes (fruta-do-tatu), o Ananas ananassoides (ananás) e a Bromelia balansae (gravatá).

“Na África, análises de DNA em fezes de grandes herbívoros revelaram que eles consomem muitas dessas plantas, até mesmo para automedicação. Os estudos sugerem que animais como elefantes e antílopes ingerem essas espécies para aliviar doenças ou parasitas, comportamento também observado em primatas”, destaca Fidelis.

Como tudo no Cerrado, as herbáceas não graminoides enfrentam sérias ameaças, decorrentes do desmatamento, da conversão de terras para agricultura e da invasão por espécies exóticas. Atividades como a aração profunda podem destruir suas estruturas subterrâneas, inviabilizando a regeneração natural. “Essas plantas são muito resilientes ao fogo e à herbivoria, mas extremamente sensíveis a distúrbios que revolvam o solo”, afirma Fidelis.

Cabe lembrar que 46% da vegetação original do Cerrado já foi perdida para a agricultura, afetando profundamente a biodiversidade local. Além disso, práticas de manejo inadequadas, como queimadas descontroladas e a introdução de espécies invasoras, como gramíneas africanas, agravam fortemente o cenário.

Nesse contexto, práticas de manejo adaptativo, como queimas controladas, podem ajudar a preservar essas espécies. “No Cerrado, por exemplo, a aplicação de queimadas prescritas promove a floração rápida de espécies como algumas sempre-vivas e canelas-de-ema [Vellozia], favorecendo a regeneração do ecossistema”, pontua a pesquisadora.

O estudo também destaca a necessidade de integrar essas plantas em projetos de restauração. Atualmente, muitas iniciativas focam apenas em gramíneas e árvores, negligenciando as herbáceas não graminoides. “A restauração ativa, com plantio de espécies nativas, semeadura direta e translocação de solo rico em sementes e estruturas subterrâneas, pode ser uma estratégia eficaz, embora custosa. Por isso, evitar a conversão de áreas naturais ainda é a melhor forma de preservar esses ecossistemas”, pondera Fidelis.

Há ainda um elemento adicional, que vem ganhando atenção em projetos de paisagismo sustentável: a utilização dessas plantas no âmbito urbano. Espécies nativas, como as orquídeas terrestres, estão sendo incorporadas em áreas verdes, contribuindo para a manutenção de polinizadores e a promoção de uma estética mais condizente com o contexto natural.

Embora ainda pouco estudadas, as herbáceas não gramínoides representam uma peça-chave nos mosaicos de savanas tropicais. Elas não apenas sustentam comunidades biológicas complexas, mas também oferecem serviços essenciais à humanidade. “Esperamos que este estudo chame atenção para a importância desse grupo e incentive novas pesquisas. A integração entre conhecimento científico e saberes tradicionais é fundamental para garantir a conservação dessas plantas e dos ecossistemas que elas sustentam”, conclui Fidelis.

O estudo Past, Present, and Future of Forbs in Old-Growth Tropical and Subtropical Grasslands pode ser acessado em https://www.annualreviews.org/content/journals/10.1146/annurev-ecolsys-102722-022331.

 

José Tadeu Arantes
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/plantas-herbaceas-nao-graminoides-sao-fundamentais-para-a-preservacao-do-cerrado/53710


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