Um jornal de grande circulação e relevância de São
Paulo publicou um artigo da microbiologista Natália Pasternak, com um ataque
virulento à Homeopatia, sobretudo pelo fato da mesma estar sendo
disponibilizada pelo SUS para pacientes interessados. Usou termos pouco
respeitosos como Terraplanismo médico. Ataca o chancelamento da mesma pelo
Conselho Federal de Medicina. Levanta a pergunta: “Práticas que comprovadamente
não funcionam para tratar nada deveriam ser oferecidas pelo SUS?”.
Lembro de uma passagem, em que um sujeito fez um
ataque desse nível à Psicanálise (Natália também atacou a Psicanálise em seu
livro), e uma famosa psicanalista francesa ficou sem palavras para responder.
Um colega veio em seu socorro e falou uma frase maravilhosa: “A Psicanálise pode
fazer muito, mas nada pode diante da Estupidez”. Ou seja, um ataque estúpido,
pouco embasado, e mesmo epistemologicamente pobre (a Epistemologia é a
Filosofia da Ciência) não dá margem à resposta.
Note o leitor ou a leitora dessas mal tecladas que
sou médico psiquiatra, alopata de carteirinha, portanto, não pratico a
Homeopatia nem sou psicanalista, portanto, não deveria levantar barricadas para
defendê-las. A estupidez e a lacração viraram formas de não debate que tomaram
conta de nosso cenário cultural e, muitas vezes, a conduta é ignorar pura e
simplesmente esses “haters”, onde quer que estejam. Mesmo o livro jihadista da
microbióloga, em que atacou a Psicanálise, a Medicina Tradicional Chinesa e
Acupuntura, a Astrologia e a Homeopatia e outras disciplinas como bobagens
pseudocientíficas, pouca gente rebateu, parece que quem mais se doeu foram os
psicanalistas. Rebater esse tipo de “hater”, para quem só a água benta do
glorioso Método Científico pode produzir conhecimento verdadeiro, parece
improdutivo. O que não pode ser medido, mensurado, quantificado, é uma bobagem.
E ponto.
Deve e perguntar o corajoso leitor e leitora que
chegaram até aqui: e eu com isso?
Lembro de uma pessoa de minha família, que
apresentava um quadro neurológico intermitente. O colega que a investigou,
ótimo neurologista por sinal, foi testando mais de uma vez todas as hipóteses
diagnósticas, envolvendo nervos periféricos. Um achado de exame mostrava uma
dilatação dos ventrículos, no Cérebro, mas as alterações motoras não batiam. Depois
de extenuantes exames inconclusivos, minha parente tomou uma dose alta de
tranquilizante, segundo ela, porque “queria dormir uns dois dias sem parar”.
Foi internada e dormiu uma semana. Não tinha nada que justificasse uma sedação
tão prolongada. Finalmente falei com meu colega que ele estava revirando tanto
a fiação, quando o problema parecia estar na Central Telefônica. Ele entendeu o
recado. Foi diagnosticada uma Hidrocefalia de Pressão Normal e colocado um
dreno. Ela ficou ótima. O quadro era atípico, inconclusivo e foi preciso correr
o risco de testar a hipótese de maneira corajosa. Podia ter dado errado? Podia.
Mas a apresentação clínica deu essa dica. Isso contrariou as estatísticas.
A Medicina baseada em Evidências acabou com o
médico estrela, que tratava os pacientes baseado apenas em suas suposições e
experiência. Hoje temos guias e estudos de milhares de casos para testar um
tratamento. Estamos caminhando para uma Medicina de Big Data, então quantificar
é muito importante e produtivo. Mas, como o Dr Amadeu Amaral e Osvaldo Cudizio
escreveram, no artigo abaixo da destacada microbióloga, os dados quantitativos
ajudam muito, mas nem sempre trazem bons resultados no cuidado com os
pacientes. A Homeopatia, que envolve uma percepção qualitativa profunda e
complexa, pode oferecer esse cuidado.
Como o máximo de atendimento que a moça realizou em
sua vida foi de uma placa de Petri ou alguma lâmina no microscópio, então sair
por aí como representante de algum cientificismo inquisitorial parece um
serviço à humanidade, mergulhada nas trevas do pensamento mágico que ela
pretende combater.
A relação entre humanos, que acontece nas sessões
de Psicoterapia, na Homeopatia e na Relação Médico-Paciente são difíceis de
quantificar. O Método Científico tenta expurgar dos estudos esse fator
intersubjetivo entre humanos. Existe claramente uma direção de se projetar uma
Medicina em que um programa de Inteligência Artificial possa fazer diagnósticos
e propor tratamentos. Mas vai ser difícil um programa de IA perceber um dos
mistérios da Ciência, que é o “Qualia”. Qualia é a característica qualitativa
de uma experiência. É o que permite perceber que uma pessoa está diferente
quando está mentindo, ou fingindo algo. Há uma percepção da qualidade diferente
da situação.
Não há interesse de uma mensuração séria dos
resultados dos tratamentos baseados na Qualia dos fenômenos. Por isso são
tratados com a estupidez de que “não passa de Placebo”. Os estudos científicos
comprovam que o efeito placebo, em algumas doenças, podem chegar a melhoras em
mais de 60% dos casos. Se a interação entre o médico ou o terapeuta e o
paciente for boa e afetiva, o efeito é ainda maior. A relação entre humanos tem
essa característica curativa. Muitas das disciplinas que a microbióloga gosta
de atacar geram essas melhoras e alívio de aflições das pessoas. Não se acha
isso em tabelas e estatísticas infinitas. Atacar essa tradição de ajuda é um
Terraplanismo Científico. Ou uma profunda estupidez.
Marco Antonio Spinelli - médico, com mestrado em psiquiatria pela Universidade São Paulo, psicoterapeuta de orientação junguiano e autor do livro “Stress o coelho de Alice tem sempre muita pressa”
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