Estudo publicado na Nature demonstra
mecanismo que faz isopreno – um gás liberado pela vegetação – gerar grandes
quantidades de aerossóis, responsáveis por formar núcleos de condensação;
processo pode ter influência no clima global Nuvens sobre a bacia amazônica: foto tirada
durante um voo de pesquisa
(crédito:: Philip Holzbeck/Instituto de Química Max Planck)
Um grupo internacional de
pesquisadores, com destaque para a participação de brasileiros, conseguiu pela
primeira vez desvendar o mecanismo físico-químico que explica o complexo
sistema de formação de chuvas na Amazônia, com influência no clima global.
Envolve a produção de nanopartículas de aerossóis, descargas elétricas e
reações químicas em altitudes elevadas, ocorridas entre a noite e o dia,
resultando em uma espécie de “máquina” de aerossóis que vão produzir nuvens.
A pesquisa, publicada hoje (04/12) na capa da
revista Nature, descreve os mecanismos de como o isopreno – um gás
liberado pela vegetação por meio de seu metabolismo – é transportado até a
camada da atmosfera acima da superfície terrestre próxima da tropopausa durante
tempestades noturnas. Uma série de reações químicas desencadeadas com a
radiação solar dá origem a uma grande quantidade de aerossóis que formam as
nuvens. Esta produção de partícula é acelerada por reações com óxidos de
nitrogênio produzidos por descargas elétricas na alta atmosfera, em nuvens
dominadas por cristais de gelo.
Até então, os cientistas já
haviam identificado as partículas em outra expedição, mas não o mecanismo
físico-químico completo. Acreditava-se que o isopreno não chegaria às camadas
superiores da atmosfera porque reagiria ao longo do caminho, pois é bastante
reativo, e se degradaria rapidamente com a luz solar. Com a descoberta desses
novos mecanismos, será possível aprimorar modelos do sistema terrestre,
ferramentas fundamentais para simular o clima e compreender o funcionamento
presente e futuro do planeta.
Para chegar ao resultado, o grupo usou o material obtido durante o experimento científico CAFE-Brazil, sigla em inglês para Chemistry of the Atmosphere: Field Experiment in Brazil. Único desse tipo, o experimento realizou diversos voos sobre a bacia amazônica entre dezembro de 2022 e janeiro de 2023, a 14 quilômetros (km) de altitude, o que corresponde a duas vezes a altura do Aconcágua, ponto mais alto da América do Sul. Totalizou 136 horas de voo, cobrindo 89 mil km – mais do que duas voltas completas na Terra pelo Equador.
Aeronave de pesquisa do projeto CAFE-Brazil logo após a decolagem (foto: Dirk Dienhart/Instituto de Química Max Planck) |
“Um dos destaques desse
trabalho é ver como a Amazônia tem uma simbiose de complexos mecanismos e
importantes fenômenos que agem dentro de um sensível equilíbrio do ecossistema.
A preservação desse equilíbrio permite manter as condições do clima como
conhecemos atualmente. Alterações como as provocadas pelas mudanças climáticas
ou pelo desflorestamento podem gerar efeitos inesperados e não estudados
ainda”, explica à Agência FAPESP um dos autores brasileiros da
pesquisa, o professor Luiz Augusto Toledo Machado.
Pesquisador do Instituto de
Física da Universidade de São Paulo (IF-USP) e colaborador do Departamento de
Química do Instituto Max Planck, na Alemanha, Machado diz que o resultado abre
um horizonte amplo para analisar o impacto do aquecimento global no clima, no
meio ambiente e no ecossistema.
Para Paulo Artaxo,
coordenador do Centro de Estudos Amazônia Sustentável (CEAS) da USP, professor
do IF-USP e coautor do artigo, os resultados permitem realizar modelagens com
mais confiabilidade, podendo incluir mecanismos do ponto de vista físico-químico
e biológico.
“As emissões de isopreno
dependem da floresta em pé. Elas não ocorrem se a vegetação nativa for
substituída por pastagem ou cultura de soja. Com o desmatamento, esse mecanismo
de produção de partículas é destruído, reduzindo a formação de nuvens e de
precipitação. É o que chamamos de realimentação negativa no sistema climático
total, pois o desmatamento traz redução de precipitação de maneira
significativa por diminuir a evapotranspiração e a produção de partículas, que
dependem das emissões de isopreno”, afirma Artaxo.
Levantamento divulgado pelo
MapBiomas em outubro, com base em imagens de satélites, mostrou que pastagem
foi a principal finalidade do desmatamento da Amazônia entre 1985 e 2023. No
período, o crescimento dessa área foi de mais de 363%, passando de cerca de
12,7 milhões para 59 milhões de hectares. Com isso, 14% da Amazônia tinha
virado área de pastagem em 2023.
O
mecanismo
A floresta exala aromas muito
característicos. São gases conhecidos como compostos orgânicos voláteis (VOCs,
na sigla em inglês), entre eles o terpeno – grupo de substâncias encontradas em
resinas de árvores e óleos essenciais – e o isopreno. Estima-se que as
florestas em todo o mundo liberem mais de 500 milhões de toneladas de isopreno
na atmosfera anualmente, sendo que um quarto dessa emissão vem da Amazônia.
Na floresta amazônica, o
isopreno é emitido durante o dia, pois depende da luz do sol. Acreditava-se que
o gás não alcançava as camadas mais altas da atmosfera porque seria destruído
em poucas horas por radicais hidroxila, altamente reativos. “Agora,
estabelecemos que isso é parcialmente verdade. Ainda há quantidade considerável
de isopreno à noite. Uma parte significativa dessas moléculas pode ser
transportada para camadas mais altas da atmosfera”, afirma em nota o autor
correspondente do artigo, Joachim Curtius, professor da Universidade Goethe de
Frankfurt (Alemanha).
Durante a noite, tempestades
tropicais sobre a floresta ajudam a transportar gases, como o isopreno, para
camadas mais altas por meio de convecção intensa. Semelhante a um aspirador,
esse processo é impulsionado por correntes de ar ascendentes, especialmente em
regiões com alta umidade e calor acumulado. Os gases se combinam com compostos
de nitrogênio provenientes dos relâmpagos na alta atmosfera.
Nas áreas mais altas, entre 8 e
15 km de altitude, as temperaturas chegam a 60°C negativos. Cerca de duas horas
após o sol nascer, os radicais hidroxila que se formam também nessas altitudes
reagem com o isopreno, dando origem a nitratos orgânicos, compostos diferentes
dos encontrados próximos ao solo. Produzem, assim, altas concentrações de
nanopartículas de aerossóis, com mais de 50 mil delas por centímetro cúbico.
Essas partículas crescem ao
longo do tempo e são transportadas por longas distâncias, podendo atuar como
núcleos de condensação de nuvens. Influenciam o ciclo hidrológico global, o
balanço de radiação e o clima. Os mecanismos de formação desses compostos
nitrogenados orgânicos agora serão incorporados nos modelos climáticos,
melhorando a previsão de chuvas, especialmente em regiões tropicais.
A FAPESP apoia o estudo por
meio de um Projeto Temático vinculado
ao Programa de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG) e liderado
por Machado e outro por
Artaxo, além de outros quatro projetos (23-04358-9, 21/03547-7, 22/01780-9 e 22/13257-9).
Além dessa pesquisa, a Nature traz
na mesma edição outro estudo desenvolvido por parte da
equipe de pesquisadores que trata da nova formação de partículas a partir do
isopreno na troposfera superior. Eles reproduzem em câmaras experimentais as
condições presentes nessas altitudes, analisando em detalhe as reações desencadeadas
pela luz solar.
A
expedição
Vários voos de pesquisa
realizados no experimento CAFE-Brazil contribuíram
para a geração de perfis de altitude para diferentes gases. Foi possível medir
massas de ar transportadas para a troposfera superior e as diferenças entre as
situações diurnas e noturnas.
O professor Machado, que
participou da coleta de informações na Amazônia, conta que os voos chegavam a
ter duração de até 12 horas. “Virávamos a noite. Percebemos que as partículas
se formavam de manhã. Por isso, saíamos de madrugada. As equipes iam para o
aeroporto para voar, enquanto eu e outros pesquisadores ficávamos na sala de
operações acompanhando e dando diretrizes das previsões e de onde estavam as
chuvas. Eu também fazia voos que entravam nas nuvens para medir isopreno. Era
bem emocionante”, relata.
A base de trabalho foi montada
em Manaus (AM). Os voos eram realizados com o avião HALO (sigla em inglês
para High Altitude and LOng range research aircraft), uma aeronave
de pesquisa para longas distâncias (mais de 8 mil km), altas altitudes (até
15,5 km) e grandes cargas (até 3 toneladas). O experimento contou com a
parceria entre a Universidade Goethe de Frankfurt, o Instituto Max Planck de
Química (Alemanha), o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) – que
foi responsável pela licença da expedição científica coordenada pelo
pesquisador Dirceu Herdies,
também autor do artigo –, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa)
e a USP.
Recentemente, outro estudo
liderado por Machado foi publicado na revista Nature Geoscience mostrando
que a floresta é capaz de produzir sozinha aerossóis que, induzidos pela
própria chuva, desencadeiam um processo de novas formações de nuvens e
precipitação (leia mais em: agencia.fapesp.br/53265).
Os artigos Isoprene
nitrates drive new particle formation in Amazon’s upper troposphere e New
particle formation from isoprene in the upper troposphere podem ser
lidos, respectivamente, em: www.nature.com/articles/s41586-024-08192-4 e www.nature.com/articles/s41586-024-08196-0.
Luciana Constantino
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/maquina-de-nuvens-emissoes-da-floresta-amazonica-e-descargas-eletricas-produzem-particulas-de-chuva/53490
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