Opinião
A proibição do uso de celulares nas salas de aula tornou-se o tema central dos
debates na área da educação. Seguindo uma tendência internacional adotada por
países como a França, Espanha, Grécia, Suíça e México, o Brasil caminha para
proibir os aparelhos do cotidiano escolar. Com o apoio popular de 86% dos
brasileiros favoráveis à proibição – segundo levantamento realizado pela Nexus
Pesquisa e Inteligência de Dados - os projetos que estão tramitando em níveis
estadual e federal tem tudo para serem aprovados e se tornarem lei. A nova lei,
está muito bem fundamentada e sugiro a leitura das justificativas.
Mas
a questão vai muito além de proibir ou permitir: é necessário refletir sobre
como integrar os dispositivos ao ambiente escolar sem comprometer os pilares da
formação pedagógica, sócio emocional e ética das crianças e adolescentes.
Celulares
permitem acessar informações em tempo real, promovem a inclusão de alunos com
necessidades específicas e enriquecem as práticas pedagógicas, por exemplo. A
tecnologia, quando bem utilizada, é uma ferramenta poderosa; e a inteligência
artificial é uma grande aliada em muitos aspectos. Mas o uso inadequado e sem
propósito definido de celulares traz prejuízos inegáveis. A tecnologia quando
usada para a interação, não substitui o vínculo afetivo das interações frente a
frente e olho no olho, que desenvolve as habilidades humanas fundamentais, como
a empatia, compaixão e de comunicação assertiva.
Estudos
científicos apontam que o excesso de telas reduz a criatividade, prejudica a
capacidade de atenção, causa estresse, distúrbios de sono, irritação, isolamento
social e muitas vezes, se torna um catalisador de problemas como a dependência
digital. Também está relacionado o aumento de casos de violência como o
bullying e o cyberbullying, além de comportamentos antissociais, impactando
diretamente o desenvolvimento emocional das novas gerações. Em casos extremos,
como reflexo do uso desmedido dos aparelhos em casa, crianças e jovens chegam à
escola apresentando sintomas de abstinência digital.
A
discussão do tema precisa ser vista sob uma perspectiva ampla, que considera
tanto os benefícios quanto os prejuízos que a tecnologia pode trazer ao
desenvolvimento humano. Nesse sentido, a regulamentação do uso de celulares,
como propõem os projetos de lei, é um passo importante, mas não é suficiente,
pois, no contexto escolar, a dependência digital não é apenas um problema
tecnológico, mas também uma questão moral e ética e deve se iniciar em casa com
as famílias ajustando os seus próprios limites e rotinas.
É
urgente educar as novas e futuras gerações para o uso consciente dos
dispositivos e principalmente das mídias sociais. Para crianças menores de 10
anos, das quais as medidas propõem a proibição total de uso, substituir os
dispositivos por atividades físicas e interações sociais é fundamental para
estimular habilidades críticas e a criatividade. Isso também se deve ao fato do
desenvolvimento do cérebro, que é impactado profundamente quando nossas
crianças e jovens são expostas ao ambiente digital. O não conhecimento desses
impactos, faz com que as pessoas minimizem e desconsiderem as consequências
futuras, que são gravíssimas e comprovadas cientificamente como preocupantes.
Já
para os alunos mais velhos, a autorregulação e o uso pedagógico supervisionado
são indispensáveis. Porém existe um período na adolescência em que o cérebro
dos jovens estão em grande produção de conexões neurais, que não podem ser
desprezada com o uso abusivo desses dispositivos. O uso de estratégias
educativas e éticas, são fundamentais para prevenir esses danos, pois agem de
forma preventiva, capacitando os jovens a identificação dos riscos online, e a
reagir frente a interações com desconhecidos em jogos e a situações de assédio,
entre outras exposições perigosas e desnecessárias.
Programas
que integram a convivência mora; e ética, a psicologia positiva a formação de
caráter são nossas aliadas frente a esse quadro e nos ajuda a criar as
estratégias curriculares e intervenções positivas que os levam a experiências
enriquecedoras na rotina escolar. Os alunos desenvolverem uma relação saudável
com o digital, se tornam aptos a identificar ambientes vulneráveis e seus
perigos, e são capacitados a fugir dessas armadilhas digitais.
Ao
desenvolverem autoconhecimento, resiliência e capacidade de autorregulação, os
alunos se tornam aptos a equilibrar o uso da tecnologia com as demandas do
mundo real. Nesse sentido, a proposta de saúde mental dos projetos
legislativos, que inclui o acolhimento de alunos e a capacitação de
professores, é essencial para enfrentar os desafios trazidos pela tecnologia.
É
no equilíbrio que se encontra a solução para o dilema dos celulares em sala de
aula. Basta lembrarmos que tablets, notebooks e lousas digitais são usados em
sala de aula há um bom tempo, e trouxeram inovação tecnológica para os
ambientes acadêmicos. Não se trata apenas de restringir ou liberar, mas de
criar um ambiente onde a tecnologia seja uma ferramenta e não um obstáculo ao
aprendizado e ao desenvolvimento humano.
E
também, e talvez o mais importante é certificarmos que o uso desses
dispositivos está bem claro e com um propósito muito bem definido. Bem
diferente do uso sem propósito, quando eles passam horas e horas rolando as
telas, passando de uma tela para outra tela, ou jogando, sem sequer se dar
conta do tempo que foi literalmente perdido.
É
nosso papel, como educadores, formar indivíduos que, não apenas dominem as
ferramentas tecnológicas, mas que também saibam viver de forma ética, criativa
e conectada com os valores universais e humanos. O uso ou proibição de
celulares na escola exige uma transformação cultural na maneira como educamos
nossas crianças e jovens para lidar com o mundo digital. Afinal, a educação
deve sempre priorizar aquilo que nos torna, acima de tudo, seres sociais: nossa
capacidade de pensar, sentir e transformar o mundo ao nosso redor.
Ana Claudia Favano - especialista em Psicologia Positiva e educadora da Escola Internacional de Alphaville
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