Estudo é passo inicial para que
enzimas produzidas pelo Trichoderma harzianum sejam usadas
para degradar biofilmes oraisAs substâncias produzidas pelo fungo são enzimas capazes
de atacar os exopolissacarídeos, desintegrando o biofilme dental
crédito: Laísa Queiroz
Ministério da Saúde
O fungo Trichoderma harzianum, um
microrganismo que não causa doença em humanos, é protagonista de um estudo
conduzido na Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) em
conjunto com a Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto (FORP), ambas da
Universidade de São Paulo (USP).
Realizada a partir do
cultivo do fungo em laboratório, a pesquisa levou a uma substância que pode
destruir o biofilme – popularmente conhecido como placa bacteriana – que causa
a cárie dental, uma das doenças mais prevalentes no Brasil e no mundo. Quanto
mais velho o biofilme, maiores as chances de ser constituído por grandes
quantidades de exopolissacarídeos, que vão agravar o desenvolvimento da doença.
As substâncias produzidas pelo fungo são enzimas capazes de atacar os
exopolissacarídeos, desintegrando o biofilme dental.
Artigo que detalha os
resultados da pesquisa, publicado na revista científica Current Microbiology, é um dos
resultados do mestrado de Jéssica Peixoto Bem no Programa de Pós-Graduação em Odontopediatria da FORP-USP, sob
orientação de Carolina Patrícia Aires. Ambas receberam apoio da FAPESP (projetos 19/19162-7 e 20/07315-0).
Neste trabalho, as
pesquisadoras estudaram todas as condições laboratoriais necessárias para que o
fungo produza as enzimas destruidoras dos exopolissacarídeos do biofilme,
utilizando um microrganismo modelo, o Streptococcus mutans.
Muitos microrganismos, como
bactérias e fungos, vivem um “estilo de vida” de biofilme. Biofilme é uma
comunidade estruturada de células microbianas firmemente ligadas a uma
superfície biótica ou abiótica e incorporadas em uma matriz autoproduzida composta
de substâncias poliméricas extracelulares (EPS, na sigla em inglês), como
polissacarídeos, proteínas e lipídios, explica o artigo. A cárie dentária é um
exemplo de doença mediada por biofilmes. Particularmente, os exopolissacarídeos
produzidos por Streptococcus mutans são um fator crucial para
a cariogenicidade dos biofilmes dentários. Assim, a degradação de
exopolissacarídeos é uma estratégia-chave para desmantelar biofilmes e
controlar a cárie dentária.
“O Trichoderma
harzianum é uma verdadeira usina na produção de enzimas, fabricando-as
até mesmo na presença de lixo orgânico”, explica Aires. Estudo preliminar do
grupo mostrou que resíduos industriais de fruta podem colaborar como
estimuladores na produção de enzimas pelo fungo. “Muitas respostas ainda
precisam ser obtidas antes de conseguir viabilizar essas enzimas em grande
escala, mas estamos no caminho”, pondera a pesquisadora, que é professora
associada no Departamento de Ciências Biomoleculares da FCFRP-USP.
Segundo o artigo publicado
na Current Microbiology, a descoberta pode abrir caminho para o
desenvolvimento de formulações de higiene oral contendo mutanases acompanhadas
de antimicrobianos que superem o problema de propagação bacteriana.
“Nosso grupo tem trabalhado na
investigação de agentes antibiofilmes, ou seja, agentes que degradam os
biofilmes sem necessariamente matar as bactérias. Nesse contexto, as enzimas
têm papel fundamental, principalmente considerando que os exopolissacarídeos
bacterianos são o principal fator etiológico para o desenvolvimento e
agravamento da lesão de cárie”, detalha a pesquisadora, que desenvolve projetos
nas áreas de bioquímica e microbiologia, com triagem de compostos
antibiofilmes, assim como atividades antifúngicas e antimicrobianas de produtos
naturais.
Em outro artigo, publicado no Brazilian Journal of Oral Sciences, o grupo de
pesquisa verificou que há um grande potencial de os rejeitos industriais da
manga serem uma fonte para que o fungo possa produzir as enzimas degradadoras
de biofilmes.
Relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que 3,5 bilhões de
pessoas sofrem de doenças bucais. Nos últimos 30 anos, de acordo com o
levantamento, houve um acréscimo de 1 bilhão de novos casos. A cárie é a líder
entre as ocorrências e afeta 2,5 bilhões de pessoas no planeta. Segundo a
Pesquisa Nacional de Saúde realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) em 2019, 34 milhões de brasileiros com mais de 18 anos
perderam 13 ou mais dentes até o período do levantamento. Dados preliminares da
Pesquisa Nacional de Saúde Bucal, realizada pelo Ministério da Saúde em
parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), indicam que entre
crianças e adolescentes o principal problema identificado são as lesões de
cárie. Aos 5 anos, quase metade (49,2%) delas está com dentes cariados. Aos 12,
a proporção é de 51%. Dos 15 aos 19 anos, 67% têm cárie.
O artigo Mutanase from
Trichoderma harzianum inductively Produced by Mutan: Short-Term Treatment to
Degrade Mature Streptococcus mutans Biofilm pode ser lido aqui:
https://link.springer.com/article/10.1007/s00284-023-03417-7.
O artigo Mango peel as
a potential enzyme inducer in Trichoderma harzianum: a strategy for cariogenic
biofilm degradation and reuse of industrial waste pode ser lido
em https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/bjos/article/view/8672955.
Ricardo Muniz
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/secretada-por-fungos-substancia-tem-potencial-para-combater-biofilme-que-causa-carie-dental/52064
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