Os benefícios do INSS pagos a pessoas com doenças mentais por vício em jogos tem aumentado. Em três anos os casos saltaram. Qual o impacto para as empresas, trabalhadores e sociedade?
O Instituto Nacional do
Seguro Social (INSS) tem pagado mais benefícios a pessoas com doenças mentais
por vício em jogos. Em três anos os casos aumentaram 350%.
As empresas não podem demitir por
justa causa os empregados com vícios em jogos de azar, por exemplo, já que se
trata de uma doença, exigindo afastamento via INSS.
O transtorno “jogo patológico”, também
conhecido como ludopatia, acontece quando há “episódios repetidos e frequentes
de jogo que dominam a vida do sujeito, em detrimento dos valores e dos
compromissos sociais, profissionais, materiais e familiares. A pessoa perde o
domínio sobre o jogo, tornando-se incapaz de controlar o tempo e o dinheiro
gastos, mesmo quando está perdendo”, segundo o Ministério da Saúde. É um
distúrbio psiquiátrico que causa dependência semelhante à dependência química,
como o vício em álcool e drogas.
Segundo levantamento recente do
DataFolha o público mais suscetível é exatamente o mais economicamente ativo,
ou seja, homens jovens. O estudo mostrou que 30% têm de 16 a 24 anos, e 25%
entre 25 e 34 anos relataram já terem feito alguma aposta pela internet.
Mesmo com esses dados alarmantes a
Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou no dia 19 de junho
último proposta que libera os jogos de azar no
Brasil, como bingo, jogo do bicho e cassino. Foram 14 votos a favor e 12 votos
contrários. O projeto cria regras para a exploração e mecanismos
de fiscalização e controle dos jogos. Também estabelece a tributação das casas
de apostas e de prêmios.
O texto agora seguirá para a análise do plenário do Senado. Se aprovado da forma como está, será enviado para a
sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) — uma vez que não houve
alterações no conteúdo do texto pelos senadores.
Vício em jogos eletrônicos é
classificado pela OMS
Os jogos eletrônicos também são uma
ameaça, principalmente porque estão na palma da mão de qualquer trabalhador que
faça uso de um smartfone, o que pode ser um fator desencadeador de
acidentes no trabalho.
A Organização Mundial da
Saúde (OMS), classificou o vício em jogos eletrônicos - game
disorder - como uma doença classificada no CID – 11 (Código
Internacional de Doenças), onde a pessoa é dependente de jogos eletrônicos.
De acordo com a Organização, “Para que
o transtorno do jogo seja diagnosticado, o padrão de comportamento deve ser de
gravidade suficiente para resultar em prejuízo significativo no funcionamento
pessoal, familiar, social, educacional, ocupacional ou em outras áreas
importantes de funcionamento e normalmente teria sido evidente por pelo menos
12 meses.” Ou seja, é preciso que haja um acompanhamento por, no mínimo, 1 ano
da pessoa, para que se verifique se realmente ela é viciada, ou se apenas joga
muito.
Para o Dr. Ricardo Pacheco, médico, gestor em saúde, diretor da Oncare Saúde e presidente da ABRESST (Associação Brasileira de Empresas de Saúde e Segurança no Trabalho), essa é uma questão que não afeta apenas crianças e adolescentes, mas uma grande parcela de adultos. “Muitos ficam incapacitados para o trabalho, e assim, se forem afastados por causa do vício, podem ter direito ao recebimento do auxílio-doença, previsto no artigo 59 da lei 8.213/91 – Lei da Previdência Social, após passar por perícia no INSS e for constatado que realmente ele sofre de uma doença que lhe impeça de trabalhar”.
“Contudo”, continua o médico, “até hoje, não existem decisões do INSS ou da
Justiça sobre o pagamento de auxílio-doença para que é acometido do vício em
jogos eletrônicos, já que não era considerada como uma doença, então, a partir
do momento em que a OMS declara esse transtorno como uma patologia, acredito
que possa sim ser estendido o benefício a essas pessoas”, acrescenta Dr.
Pacheco.
O
impacto do vício em jogos para os trabalhadores e para as empresas
A
sociedade está percebendo o impacto significativo tanto para os colaboradores
quanto para as empresas do vício em jogos.
Este
impacto pode se manifestar de várias maneiras, influenciando a produtividade, o
ambiente de trabalho, a saúde mental e física dos colaboradores, bem como as
finanças e a reputação da empresa.
Dr.
Ricardo Pacheco destaca a implicação que o vício em jogos tem nos
trabalhadores. “São muitas as consequências: colaboradores viciados em jogos
podem passar mais tempo pensando em jogos ou jogando durante o horário de
trabalho, resultando em menor concentração e eficiência. Também acarreta
problemas de saúde mental, já que o vício está frequentemente associado a
condições como ansiedade, depressão e estresse. Essas condições podem afetar o
bem-estar geral e a capacidade de realizar tarefas diárias no trabalho”.
O
médico ainda destaca o efeito na saúde física, financeira e nas relações
interpessoais. “A saúde desse trabalhador logo passa a sofrer as consequências,
já que o comportamento sedentário associado ao vício em jogos pode levar a
problemas de saúde física, como obesidade, dores nas costas e problemas de
visão. Gastar excessivamente em jogos pode levar a dificuldades financeiras,
que por sua vez podem causar estresse adicional e distrações no trabalho; e o
isolamento e a redução de interações sociais, comuns entre aqueles que são
viciados em jogos, podem prejudicar as relações de trabalho e a colaboração com
colegas”, alerta Dr. Ricardo Pacheco.
Para
Cinthia Bueno Espadafora, Engenheira de Segurança do Trabalho e Diretora
Técnica da Oncare Saúde, o impacto do vício em jogos nas empresas é imenso.
“Passa pela redução da produtividade, que pode afetar negativamente os
resultados da empresa, atrasar projetos e comprometer a qualidade do trabalho.
Aumenta o absenteísmo, pois colaboradores com vício patológico em jogos podem
faltar ao trabalho com mais frequência devido a problemas de saúde ou pela
necessidade de lidar com questões pessoais relacionadas ao vício. Também
aumenta o presenteísmo, com colaboradores fisicamente presentes, mas
mentalmente ausentes devido ao seu vício, que resulta em perda de
produtividade”.
A
engenheira ainda destaca o ambiente de trabalho tóxico e os custos de saúde
decorrentes do vício em jogos no ambiente corporativo. “O vício pode levar a
comportamentos antissociais e conflitos, criando um ambiente de trabalho
negativo e reduzindo a moral da equipe. As empresas ainda podem enfrentar
maiores custos relacionados à saúde devido ao aumento das consultas médicas e
tratamentos necessários para colaboradores que sofrem de problemas relacionados
ao vício em jogos. Sem contar a rotatividade de trabalhadores, pois os
problemas contínuos relacionados ao vício em jogos podem levar à demissão ou
afastamento voluntário de colaboradores, resultando em custos adicionais com
recrutamento e treinamento de novos trabalhadores”, alerta Cinthia Bueno.
Abordagens
para mitigar os efeitos negativos do vício patológico em jogos nas empresas
Dr. Ricardo Pacheco ressalta que as empresas podem prevenir as consequências do
vício em jogos por meio da implantação de campanhas de conscientização. “Sempre
orientamos sobre a importância de as empresas promoverem ações de orientação e
sensibilização, oferecendo treinamentos e criando um ambiente de trabalho
saudável e livre de preconceitos, além de implementar programas de saúde para
acompanhamento e suporte aos colaboradores em tratamento”, destaca.
“Oferecer apoio psicológico e programas de aconselhamento para ajudar os
colaboradores a lidarem com o vício é uma excelente oportunidade, assim como
realizar workshops e seminários para educar os colaboradores sobre os riscos do
vício em jogos e como promover um estilo de vida equilibrado”, acrescenta a
engenheira Cinthia Bueno.
A Oncare tem um olhar voltado para os transtornos psicossociais nos exames
periódicos que realiza. “Os nossos serviços de saúde nos permite identificar se
o trabalhador – ou um grupo, está passando por um transtorno, como o de vício
em jogos, por exemplo, e assim desenvolver uma abordagem específica, com o
apoio de profissionais psicólogos e terapeutas”, enfatiza Dr. Ricardo Pacheco.
A promoção de eventos coletivos também faz parte da estratégia da Oncare. “Ajudamos
as empresas a realizarem palestras para seus times, inclusive sugerindo como
tema para a Sipat (Semana Interna de Prevenção de Acidentes do Trabalho) os
distúrbios psicossociais, como o vício em jogos, prevenção, impacto e riscos,
de levar a outras doenças e acidentes no trabalho. São ações que têm um efeito
prático e que extrapolam os muros da empresa, conscientizando familiares e o
entorno social do trabalhador”, esclarece a engenheira Cinthia Bueno.
Regulamentação das bets no País e as perguntas sem respostas
A
Lei 14.790/23, sancionada com vetos pelo presidente da República, Luiz Inácio
Lula da Silva, tributa empresas e apostadores, define regras para a exploração
do serviço e determina a partilha da arrecadação, entre outros pontos.
A
norma regulamenta as apostas de cota fixa, conhecidas como bets, em que o
apostador sabe exatamente qual é a taxa de retorno no momento da aposta. São
apostas geralmente relacionadas aos eventos esportivos. A lei abrange apostas
virtuais, apostas físicas, eventos esportivos reais, jogos on-line e eventos
virtuais de jogos on-line.
Pelo
texto, as empresas poderão ficar com 88% do faturamento bruto para o custeio da
atividade. Sobre o produto da arrecadação, 2% serão destinados à
Contribuição para a Seguridade Social. Os 10% restantes serão divididos entre
áreas como educação, saúde, turismo, segurança pública e esporte.
De
acordo com Dr. Ricardo Pacheco a pergunta que fica é: compensa? “Será que os 2%
que serão destinados à Contribuição para a Seguridade Social vai compensar o
número de afastamentos do trabalho devido ao vício em vertiginoso aumento? E as
empresas, como vão gerenciar os postos vagos de trabalho e como vão acolher
esse trabalhador? São questões que não foram respondidas até agora”, alerta o
médico e gestor em saúde.
O
vício patológico em jogos pode ter um impacto profundo tanto para os
colaboradores quanto para as empresas. Ao reconhecer os sinais e implementar
estratégias de mitigação, as empresas, com o apoio da Oncare Saúde, podem
ajudar a minimizar esses impactos e promover um ambiente de trabalho mais
saudável e produtivo.
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