Com estrutura altamente porosa, material absorve grandes quantidades de fármaco e, na temperatura e pH internos do corpo, passa a liberá-lo lentamente na região afetada (foto: Fiama Martins/UFSCar) |
Ainda em fase de testes pré-clínicos, dispositivo feito com material biodegradável e macio possibilita a liberação controlada de fármacos no organismo
Uma
esponja biodegradável feita de quitosana (biopolímero proveniente da parte
exterior do corpo de crustáceos) e capaz de liberar medicamentos lentamente no
organismo pode tornar mais confortável e eficaz o tratamento da candidíase,
doença genital que afeta três quartos das mulheres em pelo menos um momento de
suas vidas. É o que mostram testes feitos por pesquisadores das universidades
do Porto (Portugal) e Federal de São Carlos (UFSCar), publicados recentemente
no International Journal of Pharmaceutics.
A candidíase vulvovaginal é uma
das infecções genitais femininas mais prevalentes que existem. Causada por
fungos do gênero Candida, provoca sintomas incômodos, como
ardência, coceira, inchaço, vermelhidão e corrimento vaginal branco e espesso.
Apesar de ser uma condição, em geral, pouco séria, pode eventualmente se tornar
grave, atingindo outros órgãos, e retornar ao fim do tratamento, comprometendo
a qualidade de vida das pacientes. Os tratamentos disponíveis nem sempre são
confortáveis, já que incluem cremes e supositórios intravaginais de difícil
aplicação. Além disso, sua eficácia é facilmente comprometida por eventuais
atrasos no horário de aplicação.
“Desenvolvemos uma esponja que
alia o conforto de um material macio e de simples aplicação à eficácia dos
medicamentos disponíveis”, conta Fiama Martins, pesquisadora do Departamento de
Química da UFSCar (DQ-UFSCar) e primeira autora do estudo.
Seu funcionamento é simples e
lembra o dos dispositivos intrauterinos (DIU) utilizados há décadas como método
contraceptivo não hormonal: graças a uma estrutura altamente porosa, a esponja
absorve grandes quantidades de fármaco (nesse caso, os testes foram feitos com
o conhecido antifúngico clotrimazol, comumente comercializado na forma de
creme) e, na temperatura e pH internos do corpo, passa a liberá-lo lentamente e
na medida certa. Uma das vantagens é que a própria paciente pode inserir a
esponja no canal vaginal.
“Os ensaios in vitro com
células do trato vaginal mostraram atividade anticândida contra seis cepas diferentes,
liberação completa do medicamento em até quatro horas e bioequivalência entre
fármaco livre e fármaco carregado na esponja [ou seja, o material não afetou a
ação do antifúngico], atestando sua eficiência como sistema de liberação para o
clotrimazol”, relata Martins.
Outra facilidade é ser feita de
quitosana e polivinil caprolacta, materiais biocompatíveis com as células do
trato vaginal e que, em contato com os fluidos da região, originam um gel que
se desfaz. Dessa forma, não há a necessidade de remoção do material após o
tratamento, como ocorre com outros dispositivos – por exemplo, os produzidos
com poliuretano.
Produto
comercial
“O estudo mostra que, ao criar
novos dispositivos com propriedades biofarmacêuticas aprimoradas, podemos
melhorar a aceitabilidade do tratamento pelo paciente, aspecto fundamental para
a saúde pública”, acredita Emerson Rodrigues de Camargo,
professor do Departamento de Química da UFSCar e coordenador do trabalho,
conduzido no âmbito do Centro de Pesquisa para o
Desenvolvimento de Materiais Funcionais (CDMF)
– um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID)
da FAPESP sediado na UFSCar.
“Neste trabalho, unimos ciência
básica, que responde às perguntas gerais, e ciência aplicada, que trata de
questões específicas e leva todo esse conhecimento para um ganho social de
curto, médio e longo prazo. Uma não existe sem a outra.”
De acordo com os pesquisadores,
o próximo passo é seguir para a fase clínica de testes – inclusive para avaliar
o uso associado a outros tipos de medicamentos, como anti-inflamatórios e
cicatrizantes, no tratamento de outras doenças além da candidíase. Entre as
possibilidades, Camargo cita o preenchimento do vazio da cavidade ocular em
casos de perda do órgão, evitando que a musculatura facial enfraqueça e
prejudique a mastigação. Em relação às próteses, a estratégia tem a vantagem de
agregar medicamentos que previnem infecções.
“Nossa expectativa é que, no
médio prazo, a esponja de quitosana se torne um produto comercial fabricado em
larga escala no Brasil a um custo mais econômico que o de importação”, diz
Camargo.
O artigo Chitosan-based
sponges containing clotrimazole for the topical management of vulvovaginal
candidiasis pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0378517323009298?via%3Dihub.
Julia Moióli
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/esponja-intravaginal-pode-tornar-o-tratamento-da-candidiase-mais-confortavel-e-eficaz/50556
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