Pesquisadores da USP e
colaboradores estrangeiros analisaram mais de 400 pacientes e identificaram
associação entre o distúrbio endócrino e a presença de alterações no gene MECP2,
que codifica proteína importante para o desenvolvimento neuronalAs médicas Ana Canton e Ana Cláudia Latronico
em atendimento no Ambulatório de Transtornos
da Puberdade do Hospital das Clínicas da FM-USP
(foto: acervo pessoal)
Embora ainda seja um distúrbio
considerado raro, a puberdade precoce central (PPC) vem aumentando nas últimas
décadas em todo o mundo – tanto por fatores ambientais, como a exposição a
compostos químicos que interferem no sistema endócrino (por exemplo, bisfenol
A, fitoestrógenos, ftalatos e mercúrio), quanto pela melhora no diagnóstico e
na acessibilidade ao tratamento.
O problema está relacionado com
a ativação antecipada do “relógio biológico” causada pela secreção de hormônio
liberador de gonadotrofina (GnRH). O tratamento é feito com compostos análogos
do GnRH, ou seja, substâncias semelhantes ao hormônio natural produzido no
hipotálamo, que se ligam aos receptores e impedem sua ação. Um dos poucos
estudos populacionais sobre o tema foi feito na Dinamarca em 2005 e apontou
incidência de cinco casos a cada 10 mil meninos e de 20 a 23 casos a cada 10
mil meninas.
Uma causa genética para o
distúrbio foi revelada por pesquisadores da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (FM-USP) e colaboradores estrangeiros em estudo publicado na
revista The Lancet Diabetes & Endocrinology. No artigo, os
autores descrevem a presença de mutações no gene MECP2 – que
codifica uma proteína de mesmo nome importante para o desenvolvimento neuronal
– em crianças com puberdade precoce central com ou sem anormalidades
neurológicas consideradas leves, como autismo e microcefalia. Até então, esse
tipo de alteração genética havia sido observado apenas em pessoas com a chamada
síndrome de Rett, um distúrbio neurológico grave que impede a fala e a
locomoção.
Com apoio da
FAPESP, a equipe analisou um grupo de 404 crianças (meninas com menos de 8 anos
e meninos com menos de 9 anos com sinais puberais progressivos) e encontrou mutações
no gene MECP2 em sete meninas que não tinham anormalidades
neurocognitivas significativas ou apresentavam quadros considerados leves – bem
distintos da síndrome de Rett. Adicionalmente, um estudo com camundongos
mostrou que o gene aparece bem expresso nos neurônios responsáveis por produzir
o GnRH no hipotálamo, que regulam o início da puberdade.
Aconselhamento
genético e novos tratamentos
“Cerca de 75% dos casos de
puberdade precoce central são considerados esporádicos – ou seja, não
familiares – e nós encontramos neles uma causa genética”, comenta Ana Pinheiro Machado Canton,
autora do estudo e pesquisadora da FM-USP. “O trabalho traz, portanto, mais um
fator causal a ser estudado e avaliado, inclusive com aconselhamento genético e
acompanhamento de desenvolvimento metabólico, psicológico e reprodutivo,
beneficiando crianças e famílias.”
A cientista destaca ainda a
importância dos resultados para o estudo de novas abordagens terapêuticas.
“Apesar de o tratamento já existir e ser muito efetivo, toda vez que
identificamos fatores dessa magnitude abrimos também um novo foco de
estudo e pesquisa”, diz.
O grupo pretende, por exemplo,
avaliar mais pacientes e investigar por quais mecanismos a proteína MECP2 regula
o início da puberdade.
O trabalho recentemente
publicado foi feito em parceria com pesquisadores de universidades britânicas
(Queen Mary, Oxford, Imperial College London e Cambridge), norte-americana
(Universidade Harvard), francesa (Universidade de Paris) e espanholas (Autônoma
de Madri, de Sevilla e Virgen de la Arrixaca).
O artigo Rare variants
in the MECP2 gene in girls with central precocious puberty: a translational
cohort study pode ser lido em: www.thelancet.com/journals/landia/article/PIIS2213-8587(23)00131-6/fulltext.
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/mutacao-genetica-leva-a-puberdade-precoce-associada-a-disturbios-neurologicos-mostra-estudo/44816
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