Com as recentes notícias envolvendo a prática de trabalho escravo no país, alguns argumentam, de forma equivocada, que tudo se deu por conta da terceirização, pois, de acordo com o caso acontecido no sul do Brasil, os trabalhadores que foram flagrados na condição análoga à de escravidão eram terceirizados, ou seja, contratados por empresas que recorreram à terceirização.
Antes de
mais nada, defendo que sejam exemplarmente punidos os empregadores que desta
lamentável forma procederam. Não há muitas palavras para descrever o sentimento
sobre o fato, senão profunda tristeza e solidariedade para com os trabalhadores
que estavam submetidos a tamanha desumanidade.
Mas
passemos para outro aspecto da questão: Como evitar que casos semelhantes se
repitam?
Não
parece factível revogar as Leis 13.429/17 e 13.467/17, que regulam a
terceirização, como medida mais eficaz para resolver o problema. Não parece ser
a terceirização a causa da existência do trabalho análogo ao de escravo, até
porque, com uma simples leitura destas leis, é possível identificar que não só
estão longe do trabalho análogo ao de escravo como concedem direitos que
dignificam os trabalhadores. Estes novos benefícios concedidos, diga-se, pela
lei da Reforma Trabalhista. Portanto, imputar à terceirização a causa raiz do
trabalho escravo por isso, preconizar sua revogação é, no mínimo,
ingenuidade.
Se formos
adotar o princípio de que leis “que não pegam” ou que “não atingem seu objetivo”
devem ser revogadas, então teríamos que revogar outras leis, como, por exemplo,
a Consolidação das Leis do Trabalho, que é “desrespeitada” há 80 anos por parte
significativa da sociedade. Também deveria ser revogado o Código Tributário
Nacional, visto que a sonegação fiscal no Brasil é endêmica, além do Código de
Defesa do Consumidor, já que “muitas empresas não o respeitam”. E, por que não,
o Código Civil, nos seus artigos que são solenemente ignorados. Por fim, a
própria Constituição Federal, que desde 1988 é desrespeitada em muitos de seus
mandamentos.
Isso
seria razoável? Pois, para alguns, sim. Aqueles que entendem que os problemas
das relações do trabalho são somente legislativos ignoram a natureza humana, o
comportamento, até, por que não, a “cegueira deliberada”, como dito em
contundente artigo escrito pelo colega Artur Andreoni Calixto. Tudo isto está
no campo do comportamento, e não da lei. E sabemos que comportamento pode ser
influenciado pela lei, mas, se não for, não há como deduzir naturalmente que o
problema seja a lei, e não o comportamento daquele que a “ignorou”.
Voltando
à questão: Como evitar novos e deploráveis casos como o do trabalho escravo sem
nos valermos de soluções simplistas?
Ao que
parece, as empresas que se envolveram no triste evento, na verdade, não fizeram
sua lição de casa, qual seja, uma boa vigilância dos contratos com terceiros,
que poderia ter ajudado na mitigação destes problemas. Não implementaram, ou
implementaram com falhas, um bom programa da conformidade e não se atentaram à
governança corporativa. Todas estas medidas são preventivas e muito eficazes na
identificação de possíveis desvios no campo trabalhista. E, após identificados,
eles poderiam ser corrigidos.
Enquanto
não houver efetivamente uma preocupação de evitar, e não simplesmente corrigir,
problemas trabalhistas, sua solução reativa pode ser tão cara e pesada que a
empresa não suportará pagar. Além das questões psicossociais que atingem os
trabalhadores na própria condição de seres humanos, o que é deplorável, as
empresas envolvidas talvez nunca mais se recuperem do dano causado ao bem mais
valioso e maior que todo o seu patrimônio físico: sua imagem. O dano
reputacional, neste caso, é incomensurável.
Como se
vê, a conta da solução reativa para problemas trabalhistas pode ser
insuportável.
Não há
como se defender, portanto, que a solução para os problemas trabalhistas,
inclusive os desta magnitude, passe pela simples revogação da terceirização,
como vemos alguns alardearem.
No calor
do debate, é fácil propor soluções popularescas para algo extremamente grave e
que, exatamente por isso, deve ser tratado com muito cuidado.
José Eduardo Gibello Pastore - advogado, consultor de relações
trabalhistas e sócio do Pastore Advogados.
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