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quinta-feira, 2 de março de 2023

Alterações na Lei do Planejamento Familiar, um novo olhar sobre os métodos contraceptivos e os direitos da mulher

Principais diretrizes se darão na questão de métodos contraceptivos e condições para esterilização

 

A Lei 14.443/2022 entra em vigor a partir de março deste ano e tem como objetivo alterar a Lei do Planejamento Familiar, passando a determinar, entre outras coisas, um prazo máximo para o fornecimento de métodos contraceptivos (com exceção da esterilização) e disciplinar novas condições para a realização da esterilização. Uma pessoa, por exemplo, terá até 30 dias para solicitar, pelo SUS, a implantação de um Dispositivo Intrauterino - DIU, e tê-lo implantado. A redação antiga não estipulava prazo.

No que tange à esterilização voluntária, a primeira das mudanças se dá quanto à redução da idade mínima para o procedimento, passando de 25 para 21 anos. “Ainda não é o ideal, visto que a capacidade civil se inicia aos 18 anos, mas já é um passo para que no futuro qualquer pessoa com mais de 18 anos possa decidir sobre a sua reprodução”, avalia Manoela Ribeiro, advogada especializada na área de saúde do Rosenbaum Advogados.

Outra importante mudança diz respeito à revogação do dispositivo que impunha a necessidade de consentimento do cônjuge/companheiro para realização da esterilização. “Esta mudança é um avanço enorme para os direitos da mulher, visto que, finalmente, retirou a possibilidade de o cônjuge/companheiro regular a reprodução da mulher”, diz Ribeiro.

Por fim, a última das alterações trazida foi a permissão para que a esterilização fosse realizada concomitantemente ao parto. Para a especialista, “essas mudanças têm um impacto significativo na vida das mulheres, ajudando a prevenir gravidezes não planejadas e permitindo que elas possam tomar decisões conscientes sobre sua saúde e futuro reprodutivo”.

Vale dizer que o Direito ao Planejamento Familiar, que engloba o acesso aos métodos contraceptivos, é um direito fundamental de todos os cidadãos, garantido pelo artigo 226, §7 da Constituição Federal Brasileira e a Lei 9.263/96 visa garantir que homens e mulheres possam escolher se e quando ter filhos, visando assegurar o acesso a todos os métodos contraceptivos permitidos no Brasil e, em especial, regular o acesso à vasectomia e laqueadura.

Para a especialista, “o que verificamos com frequência é que as mulheres enfrentam obstáculos monumentais para conseguir o acesso ao DIU e à esterilização. Um dos principais responsáveis por essa dificuldade exacerbada é o artigo 10° da Lei do Planejamento Familiar, que trata, especificamente, dos requisitos para a esterilização voluntária”.

O primeiro requisito é quanto à idade mínima de 25 anos para a realização da esterilização. “Este requisito viola o instituto da capacidade civil plena, previsto no Código Civil, que estabelece que a capacidade civil é adquirida plenamente aos 18 anos. Se com 18 anos somos capazes de dirigir, beber, eleger nossos representantes governamentais, por qual motivo não seríamos capazes de decidir sobre a nossa reprodução ou não reprodução?”, afirma.

O segundo é requisito alternativo quanto à existência de dois filhos vivos. Ou seja, uma pessoa de 20 anos e com dois filhos vivos poderia realizar a esterilização voluntária, ao passo de que uma pessoa de 23 anos e sem filhos não poderia. “Este requisito apresenta alguns problemas, o primeiro é que não há nenhum embasamento científico que explique a escolha deste número como sendo o ideal de filhos para seres humanos. O segundo, é que dilacera o princípio da isonomia que prevê a validade e eficácia às leis sem distinções. Além disso, cria uma segregação populacional absurda, visto que coloca diversas situações diferentes em grau de paridade, tais como: pessoa de 23 anos e sem filhos; pessoa de 20 anos e com um filho, e pessoa de 26 anos, com um filho, mas sem autorização do cônjuge/companheiro”.

O terceiro e último requisito é quanto à necessidade de consentimento do cônjuge ou companheiro. O que não se percebe é que este requisito viola patentemente a Lei Maria da Penha, Lei 11.340/2006, que em seu artigo 7º elenca as formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, dentre elas destacamos o inciso III:

III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos

Ou seja, a Lei do Planejamento Familiar encontra-se em desacordo com o resto da legislação pátria, de forma que permite a prática de um ato de violência doméstica e familiar contra a mulher sem que haja nenhum tipo de punição.

A dificuldade de acesso aos métodos contraceptivos, seja pela negativa dos profissionais de saúde, seja pela falta de disponibilização deles na rede pública, geram um impacto significativo na vida das mulheres, colocando-as em uma situação em que ficam sujeitas à gravidez não planejada.

 

Legalização do aborto

Atualmente, existe um debate acalorado sobre a legalização do aborto. Sobre o tema, a especialista explica que, “uma pessoa quase não consegue pegar preservativos de forma gratuita no SUS, pois em vários lugares estão em falta. Também, uma mulher não consegue a implantação de um DIU pelo fato de a fila do SUS estar muito longa. Como se espera que neste cenário seja possível a realização de um aborto seguro?”

Segundo Ribeiro, a questão da saúde da mulher não se limita aos grandes e graves problemas do SUS. “Médicos e demais profissionais da saúde, que atuam no setor privado e credenciados a planos de saúde, estão constantemente negando acesso aos métodos contraceptivos para as mulheres. O motivo dessas negativas é incerto (não sabe fazer, não tem especialização ou "por questões éticas", como dizer que a paciente é nova e pode se arrepender depois), mas com certeza, tem como fundo a ignorância sobre os direitos reprodutivos da mulher”, alerta.

“É preciso, em primeiro lugar, garantir o acesso da população aos métodos contraceptivos adequados e à informação, para que as pessoas possam conscientemente fazer uma escolha inteligente sobre que método mais se adequa às suas necessidades. O acesso aos contraceptivos é uma parte fundamental da saúde reprodutiva das mulheres e deve ser tratado como tal“.

 

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