O código de conduta democrático, após um desgaste
por décadas, começou a dar sinais de demência a partir de 2015. Personificar a
decadência comportamental da política em personagens como Trump, Orban, Le Pen
ou Bolsonaro é simplificar e reduzir a intolerância a posturas individuais,
deixando de considerá-la uma transformação em parte da sociedade e analisar
suas causas.
Perdeu-se inicialmente parte do sistema de
governança, não somente do ponto de vista formal, mas em sua essência. Passou-se
a governar por mídias sociais, sobretudo pelo Twitter, assim, temas antes
debatidos nos espaços políticos perderam o contraditório. O governante passou a
postar opiniões sem divergência e habituou-se, paulatinamente, a ditar a
narrativa dos fatos de acordo com seu interesse.
Se na década de 80 questionar pontos da
globalização era algo como uma visão retrógrada, certamente manifestar a
convicção de que as mídias sociais diminuem o debate democrático, ao contrário
do que se propõem, também gera a reação negativa dos empolgados com o progresso
digital. E não se trata de criticar a massificação dos meios de manifestação,
não se trata de achar, como já foi dito, que as redes sociais deram voz a
muitos imbecis, mas sim de constatar que debates se tornam mais rasos e com
conclusões mais rápidas e radicais.
Com esse mecanismo de captura de fãs seguidores,
políticos perceberam a facilidade de fidelizarem eleitores e formarem adeptos
que os seguem como a líderes de seitas. E perceberam que quanto mais
radicalizam em opiniões, mais engajamento conseguem, o que redunda em maiores
votações nos pleitos eleitorais.
A rede social permite a acusação sem prova, a
distorção e invenção de fatos, a criação de teorias sem sustentação científica,
a heroica lacração, o vitimismo e a mentira deslavada. E que não se ouse falar
em regulação dessas mídias sociais, o que representa uma tentativa absolutista
de tolher a liberdade de expressão.
Esse uso das mídias cria convertidos
fundamentalistas prontos a seguir orientações de seus líderes, quaisquer que
sejam. Isso propicia que políticos mal-intencionados planejem ações de curto e
médio prazo, inclusive para gerar desestabilizações de maior ou menor grau. A
tomada do Capitólio assim foi gestada e a tentativa golpista quartelada em Brasília
(DF) é filhote do mesmo modus operandi.
É necessário ter consciência do funcionamento
dessas mídias, para não acharmos que atos fundamentalistas desestabilizadores
são pontuais ou isolados. Infelizmente, tudo indica que assim não o será.
Após o tombo e frustração dos arroubos golpistas,
os fãs clubes serão reconstruídos ou migrarão para novos personagens. E, sem
mudanças estruturais que melhorem o funcionamento das mídias sociais nas mãos
das big techs, tragédias podem se repetir e até mesmo tornarem-se
mais graves, já que o golpista frustrado de hoje aprenderá com seus erros e
voltará com mais planejamento em suas próximas ações maléficas.
Por isso, espera-se que o mundo jurídico não seja
analógico em um mundo digital, que não seja positivista ou se perca em
juridicismos que gerem impunidade com base em tecnicismos. Se a punição não
vier, ou demorar a vir, a seita será retroalimentada e em breve dará novo sinal
de vida.
E mesmo com a punição, sem alterações estruturais, a história se repetirá, ainda que como farsa.
Francisco
Gomes Júnior - Advogado Especialista em Direito Digital. Presidente da
Associação de Defesa de Dados Pessoais e do Consumidor (ADDP). Autor da obra
“Justiça sem Limites” Instagram: @franciscogomesadv
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