Uma das coisas mais importantes quando falamos de relações sexuais é o consentimento; a advogada com perspectiva de gênero, especialista em Direitos Humanos e Penal, Mayra Cardozo, explica os limites dessa decisão
O mundo ainda não
é nada fácil para as mulheres que sofrem violência diariamente. De acordo com
um levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o
Brasil registrou um estupro a cada 10 minutos em 2021. Além disso, segundo a
pesquisa Experiências sobre estupro e percepções sobre saídas institucionais para
as vítimas, realizada pelos institutos Patrícia Galvão e
Locomotiva, cerca de 64% dos brasileiros afirmam conhecer uma mulher ou menina
que já foi vítima de estupro. Mesmo com estes números, ainda existem pessoas
que duvidam e perguntam: será que ela não disse ‘sim’? O fato é que o debate
sobre consentimento no âmbito sexual é necessário no mundo atual.
O consentimento é
um ato livre e consciente de manifestação de vontade onde uma pessoa
consente para a prática de atos sexuais. De acordo com a advogada com
perspectiva de gênero, especialista em
Direitos Humanos e Penal, Mayra Cardozo, é importante notar
que esse ato deve ser um ato livre, ou seja, ausente de qualquer forma de
coação, ameaça ou violência. “A pessoa deve estar apta para prestar
consentimento, ou seja, deve ter capacidade plena para isso, logo, menores de
14 anos e algumas pessoas com enfermidades mentais são consideradas incapazes
para consentir. Importante notar também que pessoas altamente embriagadas ou
que utilizaram drogas, como por exemplo boa noite Cinderela, também são reconhecidas,
pela jurisprudência brasileira, com vícios em seu consentimento”, explica.
Além disso, as
pessoas precisam começar a entender os limites do consentimento. Se uma pessoa
demonstra que ela consente com um beijo, por exemplo, mas empurra o agressor
quando ele tenta algo mais o gesto dela, demonstra que o consentimento era para
o beijo e não para o sexo. “Precisamos lembrar que a demonstração do
consentimento, ou dos limites dele, não é apenas verbal. Existem um conjunto de
atos não verbais que demonstram que a vítima não está consentindo para o ato
sexual, sendo assim, o fato da vítima não verbalizar um “não”, não significa
que ela consentiu para o ato. Se, por exemplo, ela empurrou o agressor ou se
ela chorou, isso já é o suficiente para demonstrar o não consentimento. A maior
parte das vítimas, quando sofrem uma violência sexual, ficam em estado de
choque e muitas vezes não conseguem verbalizar nada. Por isso, é muito
importante observar os gestos para verificar o limite do consentimento”,
complementa.
Precisamos
entender: Não é Não.
Muitas vezes,
quando uma mulher fala “não”, os homens acabam entendendo que ela está “fazendo
joguinho” e insistem na prática. Precisa-se enfatizar que, se uma mulher falou
Não, então é Não. Presumir que isso faz parte de um jogo de manipulação é
testar os limites do consentimento e, na grande parte das vezes, realizar atos
criminosos.
Existem diversas
consequências legais e implicações penais para a quebra de consentimento, tudo
vai depender em quais termos se deu a quebra de consentimento para que a
conduta se amolde a um tipo penal mais ou menos rigoroso. “Por exemplo, se a
quebra de consentimento for acompanhada por violência ou grave ameaça, o
agressor irá responder por crime de estupro. Agora, se, por exemplo, a pessoa
consentia para uma relação sexual com preservativo e o agente retira o
preservativo sem ela saber, houve um vício no consentimento, uma vez que ela
consentiu para uma coisa e foi realizada outra. Dessa forma, o agressor comete
o crime de violação sexual mediante fraude”, exemplifica a advogada.
Reitere
sempre: Nada justifica uma violência sexual
Hoje em dia, as
pessoas ainda buscam encontrar formas de deslegitimizar uma violência sexual.
Muito se discute, por exemplo, se a vítima é capaz de consentir ou não uma
relação sexual quando está alcoolizada. “Infelizmente, vivemos em uma sociedade
extremamente machista e essa lógica, muitas vezes, acaba contaminando os atos
processuais e o judiciário, trazendo como consequência o fenômeno da
revitimização realizada pelas próprias instituições. Logo, muitas vezes as
instituições que deveriam proteger as vítimas de violência sexual, acabam
interpretando o fato de uma mulher estar alcoolizada ou inconsciente como se
ela estivesse consentindo para o ato de ser estuprada”, comenta.
Uma mulher deve se proteger sempre se certificando que está demonstrando o seu claro consentimento para os atos. “É sempre válido verbalizar o “não”. Da mesma forma que os homens devem sempre se certificar do consentimento das mulheres, perguntando se ela quer realizar o ato. No entanto, acredito que essas condutas passam por um questionamento e uma mudança cultural de quebra de visão da objetificação dos corpos femininos, por parte dos homens. Também precisamos ressaltar que, quando uma mulher percebe que passou por uma situação que não foi consentida, deve imediatamente procurar uma delegacia. De preferência, uma delegacia especializada da mulher, para registrar uma ocorrência”, finaliza Mayra Cardozo.
Mayra Martins
Cardozo - advogada com perspectiva de gênero, sócia do escritório Martins
Cardozo Advogados. Membro permanente da Comissão Nacional de Direitos Humanos
da OAB - CNDH. Educadora, ministra aulas na Escola Paulista de Direito, na
Escola Superior de Propaganda e Marketing - ESPM e no Centro Universitário de
Brasília. É colaboradora executiva da revista suíça Brainz Magazine.
Palestrante sobre diversidade e inclusão. É líder de empoderamento feminino,
desenvolve sessões 1:1 na sua "Mentoria para Mulheres Mal
Comportadas" na qual integra suas pesquisas sobre gênero, sua formação em
Feminist Coach e sua perspectiva psicanalítica em um trabalho que visa questionar
crenças internalizadas que sustentam a sociedade patriarcal e impedem que
mulheres tenham relacionamentos saudáveis, ocupem espaços de poder e tenham um
boa relação com seu corpo.
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