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quinta-feira, 21 de julho de 2022

Especialistas em Direito Médico comentam legalidade de práticas como a eutanásia, a ortotanásia e a distanásia no Brasil

 

Na ​​última quinta-feira (14), a Suprema Corte do Peru reconheceu o direito à eutanásia de uma mulher que sofre de uma doença incurável e degenerativa. A notícia trouxe de volta à pauta um assunto que é considerado por muitos um tabu: o ato intencional de proporcionar a alguém uma morte indolor para aliviar o sofrimento causado por uma doença incurável ou dolorosa. Mas qual a legislação sobre o assunto no Brasil? 

“Não hão há regulamentação brasileira sobre eutanásia”, esclarece a advogada e especialista em Direito Médico Daniela Ito, sócia do Fonseca Moreti Ito Stefano Advogados. “A prática é criminalizada, uma vez que é entendida como homicídio. Não há brechas. O Código Penal Brasileiro apenas concede uma redução na pena no crime de homicídio se comprovada a motivação de ‘relevante valor moral’ na prática da eutanásia -- ou seja, se comprovada a motivação de compaixão, a tentativa de poupar alguém de sofrimento atroz, por exemplo. ”

Também especialista em Direito Médico, a advogada Mérces da Silva Nunes reitera o entendimento. “A eutanásia é uma conduta omissiva ou comissiva de um terceiro que, por compaixão, interrompe a vida de um paciente acometido de grave doença, física ou psíquica, mas que ainda não entrou em processo de morte”, diz, acrescentando que a prática é considerada “homicídio privilegiado, tipificado no artigo 121, §1º, do Código Penal”. Mais uma vez: “A legislação brasileira não contempla exceção para a prática da eutanásia: apenas autoriza o juiz a diminuir a penalidade que será aplicada ao agente”.

A especialista Daniela Ito explica, porém, que há outros termos semelhantes -- além de eutanásia -- que também se referem ao processo de morte de um paciente: ortotanásia e distanásia.

“A ortotanásia é conduta médica plenamente lícita em que se opta por tratamentos e intervenções não invasivos, evitando o incremento de sofrimento físico e/ou psicológico do paciente, proporcionando assim uma terminalidade de vida menos dolorosa, mais tranquila e digna”, explica Daniela, acrescentando que “é imprescindível o consentimento do paciente ou de seu representante legal: tudo deve constar registrado no prontuário do paciente”. “A partir do momento que se define pela ortotanásia, ativa-se a área dos cuidados paliativos, que é a especialidade que passa a cuidar do paciente multidisciplinarmente, garantindo-lhe o bem-estar de forma universal, incluindo até mesmo aspectos religiosos, se for conveniente.”
 

Mérces Nunes reitera que a ortotanásia é “a morte natural do paciente, sem antecipação ou prolongamentos desnecessários. Segundo a especialista, a prática é autorizada pelo artigo 41, parágrafo único, do Código de Ética Médica e pela Resolução no 1.805, do Conselho Federal de Medicina. 

Já a distanásia, por sua vez, nas palavras de Daniela Ito, é quase uma “obstinação médica”. “Prevalece o objetivo de combater uma doença e suas consequências, em detrimento das questões subjetivas que envolvem o paciente, como o nível de sofrimento físico, psicológico e espiritual, o custo-benefício subjetivo do tratamento e as expectativas do paciente, por exemplo.” Mérces Nunes observa ainda que a distanásia “é considerada uma má prática médica, porque prolonga a dor e o sofrimento, sem melhorar a qualidade de vida do paciente”. 

Se um brasileiro precisar dos serviços paliativos da ortotanásia, porém -- ou se considerar a eutanásia -- a quem deverá recorrer?

Segundo a também advogada e especialista em Direito Médico Nycolle Araujo Soares - sócia do Lara Martins Advogados -, os cuidados paliativos são praticados no Brasil e estão “avançando e se tornado uma prática aceita”. Nycolle explica que os países que permitem a eutanásia são o Canadá; os Estados Unidos, “nos estados de Oregon, Washington, Montana, Vermont e Califórnia”; e a Colômbia. 

Mérces Nunes dá maiores detalhes. “A eutanásia é admitida também na Holanda, na Bélgica, em Portugal - mas apenas em casos considerados desesperadores -, na Suíça e na Suécia. A França permite a aplicação de medicamentos que levam à sedação profunda até à morte. 

Ainda na seara da morte assistida, surgem dois outros conceitos: o suicídio assistido -- permitido na Itália e proibido no Brasil, em que o próprio paciente, de posse das suas capacidades mentais, administra em si o medicamento, sob supervisão de um médico; e o testamento vital. 

Mérces Nunes esclarece. “Testamento vital, também chamado de Diretivas Antecipadas de Vontade do Paciente, é um documento por meio do qual qualquer pessoa, lúcida, maior de 18 anos ou emancipada, poderá registrar, prévia e expressamente, a sua vontade em relação aos cuidados e tratamentos que deseja ou não receber, na hipótese de sofrer ou vir a sofrer de doença grave e estiver incapacitada de expressar a sua vontade, de forma livre, consciente e com autonomia. Em outras palavras: O testamento vital é a exteriorização da vontade do paciente de ter uma morte natural e digna: ortotanásia; sem prolongamentos desnecessários: distanásia; e sem abreviação da vida, de modo direto e/ou assistido, por terceira pessoa: eutanásia.

Segundo Daniela Ito, no entanto, deve ficar muito claro que o “testamento vital não tem validade ou aplicação no Brasil”.


 

Fontes: 
Daniela Ito - advogada. Bacharelado: Universidade Paulista. Especialista em Direito Médico e da Saúde, professora em graduação e pós-graduação, pesquisadora em temas interdisciplinares nas áreas de Saúde, Educação e Inclusão e Tecnologias Assistivas. Além disso, Daniela Ito é uma das pioneiras na área do Direito Médico no Brasil com reconhecimento nacional e internacional pelo trabalho que desenvolve. Sócia do Fonseca Moreti Ito Stefano Advogados.
 

Mérces Nunes - advogada e especialista em Direito Médico, graduada em Direito pela Instituição Toledo de Ensino - Faculdade de Direito de Araçatuba; com mestrado e doutorado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Advogada sócia titular do Silva Nunes Advogados Associados. Autora de obras e artigos sobre Direito Médico.


Nycolle Araujo Soares - advogada. Sócia do Lara Martins Advogados. MBA em Direito Médico e Proteção Jurídica Aplicada à Saúde. Pós-Graduada em Direito Civil e Processo Civil. Analista de Finanças pela FGV.

 

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