Método permite
preservação e recuperação extracorpórea do órgão aumentando a taxa de
aproveitamento das doações
O Brasil é o segundo país em número absoluto de
transplantes hepáticos realizados no mundo. Apesar disso, pode levar até quatro
anos para uma pessoa receber um órgão.
Muitas vezes os fígados são subaproveitados devido
a características intrínsecas dos doadores (como idade, obesidade e doenças
prévias) e outros fatores como lesões vasculares, acúmulo de gordura interna,
anormalidades anatômicas e lesões causadas durante a extração para doação, por
exemplo. Somente em 2019, dos 3.768 doadores falecidos, apenas 2.245 fígados
estavam em boas condições para a efetivação dos transplantes, uma diferença de
40%.
Atento a esse desafio, o Einstein busca uma maneira
de maximizar o aproveitamento dos órgãos para transplante. Pesquisadores da
organização começaram, neste ano, a estudar uma nova abordagem para realizar a
perfusão extracorpórea de fígado em um protocolo de pesquisa que envolverá 12
pacientes. O hospital é o primeiro no Brasil a avaliar o método.
A técnica, chamada HOPE – sigla para hypothermic
oxygenated machine perfusion (máquina de perfusão hipotérmica oxigenada), foi
introduzida no transplante de fígado para mitigar a lesão de
isquemia-reperfusão, dano que se intensifica durante o restabelecimento do
fluxo de sangue no novo corpo ao qual foi ‘conectado’. Este tratamento
após a retirada do órgão do doador e antes do transplante contribui para o
sucesso do procedimento e pode reduzir o risco de rejeição.
O HOPE é um método que auxilia na recuperação do
órgão antes mesmo do transplante e na investigação de sua funcionalidade e
viabilidade ao fazer uma análise detalhada do fígado com exames bioquímicos,
como o de consumo de oxigênio e lesão celular, que ajuda a avaliar a
funcionalidade do órgão. Essas informações e suas implicações também são
analisadas no âmbito da pesquisa.
“Infelizmente, o paciente pode não sobreviver até o
aparecimento de um órgão que esteja em boas condições, devido à gravidade do
seu caso. Sendo assim, aumentar com segurança a taxa de utilização de órgãos é
fundamental para salvar mais vidas”, explica o Dr. Yuri Longatto Boteon,
cirurgião de transplante hepático e pesquisador do Einstein, responsável pelo estudo.
O primeiro paciente beneficiado com a técnica HOPE
no Einstein foi um homem de 22 anos e em estado crítico, com alto risco de
mortalidade. Como nesse caso, pessoas mais debilitadas demandam órgãos de
melhor qualidade, a dificuldade de encontrar um que esteja em boas condições
pode atrasar todo o processo. “O transplante para esse paciente jovem foi
realizado de forma bem-sucedida após o tratamento com o HOPE de um órgão de
doador de critério estendido dentro do protocolo de pesquisa. O paciente se recupera
bem”, ressalta o cirurgião.
Doadores de critérios estendidos (limítrofes) são
aqueles com perfil de risco, como idosos ou pessoas com alguma doença prévia, o
que faz com que as chances de descarte dos órgãos doados aumentem para prevenir
um possível mal funcionamento do órgão no transplantado. Atualmente, 60% a 70%
dos fígados para transplante são de doadores com essas características.
O projeto nasceu de uma colaboração com uma empresa
americana, a Bridge to Life, com uso do equipamento VitaSmart™, que é fabricado
na Itália. Em países como Suíça e Holanda, por exemplo, a máquina de perfusão
já faz parte da rotina na prática.
Fígados não transplantados
No ano de 2019 foram realizados 23.957 transplantes
no país, dos quais 2.245 foram hepáticos. Entre 2009 e 2019, houve um aumento
no número de transplantes de fígado (de 1.603 para 2.245), assim como de
doadores falecidos (2.406, em 2012, para 3.768) e de equipes especializadas na
realização do procedimento (59, em 2009, para 74, em 2019). Apesar desses
números positivos, há uma constante disparidade entre o número de transplantes
de fígado realizados e o necessário – que, no ano de 2019, era de 2.967.
Os dados estão descritos em artigo publicado em
2021 na revista científica einstein (São Paulo) e intitulado “Descarte de
fígados de doadores no Brasil: como otimizar sua taxa de utilização em
transplantes?”¹,
Fígados não transplantados são frequentemente de
doadores com idade avançada, com obesidade, portadores de hepatites virais
(vírus B e C) e com maior número de comorbidades. Os órgãos de doadores não
ideais ou de critérios estendidos apresentam risco aumentado de complicações
pós-operatórias e mesmo de não função primária do enxerto. Logo, a expansão
dessa população de doadores de critérios estendidos compromete as taxas de
utilização desses órgãos.
Apesar da otimização dos cuidados de terapia
intensiva com os doadores abrandar um agravamento da lesão aos órgãos, não é
possível a reversão de características demográficas desfavoráveis dessa
população (por exemplo: obesidade e senilidade). Assim, a implementação da
máquina de perfusão para permitir a criação de estratégias de avaliação da
capacidade metabólica desses fígados antes do transplante, bem como
potencialmente de seu recondicionamento, tem ganhado crescente atenção da
comunidade transplantadora.
¹Drezza JP, Boteon AP, Calil IL, Sant Anna RS,
Viveiros MM, Rezende MB, et al. Descarte de fígados de doadores no Brasil: como
otimizar sua taxa de utilização em transplantes? einstein (São Paulo). 2021;19:eAO6770.
https://journal.einstein.br/wp-content/uploads/articles_xml/2317-6385-eins-19-eAO6770/2317-6385-eins-19-eAO6770-pt.pdf?x56956
Nenhum comentário:
Postar um comentário