Como será a escola brasileira quando a pandemia passar? Estaremos melhor preparados caso novas pandemias apareçam no futuro, daqui a cinco ou 20 anos? É difícil não tentar adivinhar de que formas absorveremos os impactos e as lições deste momento tão complexo para a Educação brasileira. No entanto, em termos de Educação, nenhuma transformação é rápida ou indolor. As feridas abertas por tantas adaptações e tantas perdas ao longo do último ano ainda não estão sequer fechadas. Sua cicatrização é ainda um horizonte distante e será preciso pensar primeiro no presente que ainda persiste, antes de nos debruçarmos sobre o futuro hipotético.
É justo lembrar que nenhum dos problemas
enfrentados hoje pelas escolas deste país é novo. O que a pandemia fez foi
salientar as questões estruturais deficitárias com as quais a escola brasileira
sempre conviveu. Principalmente - mas não apenas - a escola pública. E, mesmo
dentro da escola pública, muitas realidades distintas se sobrepõem. Para quem
trabalha com Educação, nada disso é novidade. No entanto, há mais de um ano
esses problemas saltaram os muros das escolas e ficaram expostos ao restante da
sociedade, que foi convocado a olhar para essas condições. A atual circunstância
pode gerar dois tipos de reação: 1) reconhecer as imperfeições e tentar
entender como é possível minimizá-las; ou 2) simplesmente apontar os erros, sem
propor possíveis maneiras de repensá-los.
Um dos traços mais marcantes desta pandemia é a
capacidade de nos fazer refletir sobre a impermanência de tudo aquilo que
considerávamos garantido. Uma constatação, aliás, já preconizada por Zygmunt
Bauman e sua modernidade líquida: a única constância é a inconstância. As
respostas não são certas na vida contemporânea. Isso não se deve apenas à
pandemia e se aplica a todos os aspectos de nosso cotidiano, inclusive à
Educação.
Fala-se muito, há muito tempo, sobre revolução
educacional. Dizem que é preciso mudar a Educação, que precisamos de grandes
mudanças. Pois bem, essas grandes mudanças chegaram. Mas as grandes mudanças
provocam incômodo, levam tempo e demandam muito trabalho. Isto posto, todos os
elementos envolvidos na formação de nossos jovens precisam considerar essa
condição. A formação docente precisa olhar para essas incertezas; a organização
do espaço físico deve compreender possibilidades antes desnecessárias; a
proposta curricular tem de identificar de que formas os diferentes saberes
podem ser trabalhados em circunstâncias diversas. Embora a Base Nacional Comum
Curricular (BNCC) fale sobre isso, nunca antes foi tão urgente vivenciar essas
reflexões para que a escola esteja cada vez mais consonante com a
multiplicidade que se apresenta.
Nesse cenário, construir políticas públicas é parte
de um processo muito mais profundo. Nossas crianças apresentarão marcas deste
período que estão passando fora da escola. Então, qualquer esforço precisará
contemplar essas cicatrizes. Quanto mais autonomia a escola tiver para lidar
com suas próprias necessidades, melhor. Na pesquisa Vozes Docentes, realizada
pela rede Conectando Saberes, 97% dos professores afirmam que gostariam de
participar da construção de políticas públicas de seus municípios. Isso
acontece porque há questões que são muito particulares de cada um dos rincões
do Brasil. Há que se rever pontos como merenda escolar, transporte, permanência
desses alunos na escola. Não se trata apenas de evitar que eles evadam ou que
percam um ou dois anos letivos, mas, principalmente, de garantir uma
aprendizagem efetiva e de qualidade. Antes de desenhar políticas para uma
futura pandemia, é fundamental olhar para a pandemia atual. Tentar entender que
segmentos da legislação e da documentação escolar não cabem em uma escola que
se depara com o inesperado e, assim, agir juntos, como sociedade, para melhorar
essas especificidades.
É uma característica da Educação desconstruir-se e
reconstruir-se continuamente. Por isso, uma das maiores armadilhas neste
momento é imaginar que, quando tudo passar, nossos alunos voltarão a viver a escola
que viviam antes de 2020. Aquela escola não existe mais. Talvez o mais
importante seja entender que o que estamos vivenciando não é uma sala de espera
para um futuro pós-pandêmico, mas uma realidade concreta. Havia um jeito de
educar antes da pandemia, há um jeito de educar agora e haverá um terceiro
jeito de educar no amanhã.
Talvez seja preciso entender que, caso essa
situação se repita no futuro, novamente não saberemos como agir. Porque seremos
outros, o cenário será outro. E, se não podemos preparar uma mochila de
emergência, podemos estar mais abertos a uma escuta ativa, um olhar
comprometido, uma escolha atenta e verdadeiramente empática. Essa atitude pode
servir para uma próxima pandemia, mas também para receber os alunos de volta amanhã
ou depois. Se, como disse Bauman, não há certezas, precisamos estar preparados
para agir com o coração pleno, mesmo na incerteza.
Angela Biscouto -
consultora pedagógica do Sistema de Ensino Aprende Brasil.
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