Em experimentos com camundongos e em testes com linhagens de células tumorais, fármaco apresentou potencial para combater metástase. Pesquisadores da USP planejam teste clínico com pacientes em quimioterapia (célula de câncer de mama em divisão; imagem: NCI/NHI)
Um medicamento usado no tratamento da
hipertensão pulmonar reduziu significativamente a capacidade de células
tumorais migrarem e invadirem outros tecidos em testes feitos com linhagens de
tumores de pâncreas, ovário, mama e leucemia. Além disso, em camundongos com
uma forma agressiva de câncer de mama, o fármaco diminuiu em 47% a incidência
de metástase no fígado e nos pulmões, bem como aumentou a sobrevida em relação
aos animais não tratados.
O estudo foi publicado na
revista Scientific Reports.
“O medicamento ambrisentan é um
inibidor do receptor da endotelina A, que tem um papel na constrição dos vasos
sanguíneos. Por isso, é usado para tratar a hipertensão pulmonar [normalmente
causada por doenças autoimunes como lúpus e esclerose sistêmica]. No
laboratório, vimos que o fármaco tem efeito em células de tumores, evitando a
migração dessas células para outros tecidos, além de outros efeitos que ainda
estamos investigando”, explica Otávio
Cabral Marques, pesquisador do Instituto de
Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) e coordenador do
estudo, financiado pela FAPESP.
Marques conduziu o trabalho durante o
seu pós-doutorado na Universidade de Freiburg, na Alemanha, em colaboração com
pesquisadores daquele país e dos Emirados Árabes Unidos. Atualmente, coordena
um projeto apoiado pela FAPESP na
modalidade Jovem Pesquisador.
O receptor de endotelina tipo A é
conhecido por ser expresso no endotélio, a camada que reveste a parede interna
dos vasos sanguíneos, e em células do sistema imune. Outros estudos já
mostraram também que ele está envolvido no crescimento e na metástase de vários
tumores.
“Parece que o efeito da droga não é
apenas na migração das células tumorais, mas também na neoangiogênese, ou seja,
na formação de novos vasos sanguíneos necessários para alimentar o tumor.
Estamos realizando experimentos para comprovar isso. Se for confirmado, a droga
teria um efeito sistêmico, não apenas inibindo a migração do tumor para outros
tecidos, como também bloqueando a geração de novos vasos que o fazem crescer”,
conta o pesquisador.
O benefício do medicamento para o
tratamento do câncer ainda não foi comprovado. O uso sem orientação médica pode
trazer risco à saúde, especialmente para gestantes.
Experimentos
Usando uma técnica para medir a
migração celular, os pesquisadores observaram que o medicamento reduziu
significativamente esse fenômeno tanto nas células tumorais que receberam um
estímulo como na migração espontânea. Foram testadas linhagens de tumor de
ovário, leucemia, pâncreas e mama.
Em seguida, camundongos no estágio
inicial de uma linhagem agressiva de câncer de mama (4T1) foram tratados por
duas semanas antes de terem o tumor implantado e duas semanas depois. Nesse
experimento, a redução da metástase foi de 43%, aumentando a sobrevida dos
animais.
“Como a metástase das células 4T1
ocorre muito rapidamente nos camundongos, iniciamos o tratamento antes, para
podermos nos aproximar mais do que aconteceria com humanos”, explica.
Agora, com outros pesquisadores do
ICB-USP, Marques se prepara para a realização de testes clínicos. A ideia é
testar o medicamento em um grupo de pacientes que já realiza quimioterapia e
observar se eles se recuperam melhor do que um outro grupo (controle) que passa
apenas pelo tratamento padrão.
Embora o fármaco tenha a vantagem de
poder ser administrado por via oral, o pesquisador acredita na possibilidade de
fazer uma aplicação direta no tumor, de forma a aumentar seu efeito. Ainda não
foi definido em que tipo de câncer serão feitos os testes clínicos.
O artigo Ambrisentan, an endothelin receptor type A-selective antagonist,
inhibits cancer cell migration, invasion, and metastasis pode
ser lido em: www.nature.com/articles/s41598-020-72960-1.
André
Julião
Agência
FAPESP
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