Foram meses de cárcere sem aviso prévio, sempre com um inimigo invisível à espreita; o medo de respirar mais do deveria se misturava com o receio de guardar a compra do supermercado na geladeira; o isolamento total do mundo exterior conviveu de mãos dadas com a certeza de que a reclusão, apesar de sufocar, era a única chance de sobrevivência. Confesso que a sensação de estar imersa numa narrativa Kafkiana foi o ponto de partida da série 'Janelas de Quarentena', a minha manifestação artística diante da pandemia nas grandes cidades.
A falta de espaços e a aglomeração natural da
metrópole geraram em mim a curiosidade de pesquisar sobre como as pessoas
estavam encarando a vida durante a pandemia nas grandes cidades. Comparei a
vida em áreas menos densas, lugares onde minha família e amigos estavam
vivendo, com o dia-a-dia das cidades verticais, como São Paulo, onde estou
passando o meu lockdown. Todo esse processo provocou uma necessidade quase que
catártica de humanizar a realidade da metrópole com a minha arte. Mas como
fazer isso de dentro do meu apartamento? Foi então que olhei para janela e
entendi que ela seria o meu meio de comunicação com o mundo exterior.
Do meu apartamento, o pedaço de céu, dentro da janela, era sinônimo de liberdade. Em um transe criativo de cinco horas, encontrei metros de fita de cetim coloridas e ‘bordei’ a rede de proteção da terraço, como uma forma de reinventar o espaço da cidade, oferecendo ao espectador uma prova de que ali a vida continuava e de que, de alguma forma, estavamos juntos e unidos em meio aquela situação extremamente desafiadora. A instalação foi como um grito de esperaça que gerou ecos e respostas por todos os lados.
Depois de pronta, a obra causou interesse e reações
das mais variadas no público que passava na rua e nos meus vizinhos, tanto do
prédio onde vivo, quanto dos prédios em volta. Recebi mensagens de muitas
pessoas que não conhecia e de vizinhos que nunca tinha conversado. A maior
parte das pessoas me disseram que o ‘bordado' que eu fiz na janela era como um
respiro em dias intermináveis de lockdown.
A instalação foi o primeiro passo para a criação da
série, 'Janelas de Quarentena’, que seguiu a mesma lógica do ‘bordado na
janela’: a reinvenção do espaço urbano em tempos de pandemia. As obras foram
desenvolvidas em chassis de madeira com telas de polietileno e fitas de cetim,
que desenham o intervalo. Cada obra que compõe a série representa uma janela
com todos os significados que ela pode oferecer: esperança, perspectiva, um
novo dia, um começo, uma saída…
Após meses criando em chassis de madeira, comecei a
buscar janelas antigas em antiquários e em depósitos de madeira de demolição.
Tive vontade de dar vida a algo que estava morrendo. Desenvolvi um apego às
janelas e a todas as histórias que se passaram de um lado ou do outro de cada
uma delas. Elas são testemunhas de histórias de amor, de superação de dor, de
vida… Elas me inspiraram a criar novos capítulos para as suas histórias, como
uma busca para os novos capítulos da minha vida.
Taly Cohen - trabalha e vive em São Paulo. Já
participou de importantes exposições como o X Salão Paulista de Arte
Contemporânea, Projeto Galerias (Funarte), Anual de Artes (Faap), ArtSoul,
SpArte, Coletiva na White Porch Gallery em Miami, entre outras. Foi citada na
revista americana Forbes e no site Artnet pela empresária Paris Hilton, como um
dos novos talentos de sua geração, além de ser uma das novas artistas pertencentes
à sua seleta Coleção de Arte.
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